Ser humano e o cotidiano: a construção do personagem na narrativa “Clube da Luta” de Chuck Palahniuk.

Chuck Palahniuk é daqueles autores que não precisam chocar públicos para se fazer entender. Muitas vezes ele foge do caos e de temas desconfortáveis a fim de buscar uma literatura mais acessível para o grande público. Palahniuk diz que escreve com o intuito de mostrar ao leitor algo dentro do texto que este possa tirar como aprendizado para a vida. Quer mostrar algo que fale por si só, sem muitos floreios ou palavras bonitas. Por isso que sua narrativa é construída em cima de flashbacks, cenas rápidas, personagens intrigantes tentando mostrar assim um senso de vida real.

Saindo do âmbito do Cinema, sua obra foi construída em forma de pequenos capítulos. Muitos estudiosos dizem que por causa da narrativa ágil que fez seus textos se tornarem tão atraentes para a estética cinematográfica atual. Todos os seus livros lançados antes de Clube da Luta discutem a vida de personagens urbanos inseridos no caos da cidade grande. Um de seus livros, chamado Choke mostra a vida de um protagonista viciado em sexo e que procura tratamento para seu vício. Todos seus personagens, no início do romance parecem triviais, porém ao passo que a narrativa se desenrola se mostra que aquela simplicidade é apenas a ponta de um iceberg.

Em Clube da Luta o protagonista não tem nome. Seu nome não é apresentado até o momento em que se intitula Tyler. Com o desenrolar dos fatos se percebe que há duas personalidades num mesmo ser. O protagonista tem uma vida medíocre e um emprego razoável e se vê como um cidadão pertencente à classe média norte-americana.

O personagem sofre de insônia (doença pós-moderna, corriqueira na vida de várias pessoas ) passando por momentos em que não sabe explicar a diferença do que vive e do que imagina. O personagem leva uma vida sem muitas surpresas fazendo com que busque formas de escapar da alienação que a sociedade lhe impõe.

Em entrevista para um site norte-americano, Chuck Palahnuick diz que muito da construção do seu protagonista se deu através de uma experiência pessoal. Ele diz que trabalhou num hospício como voluntário e percebeu que os pacientes não o viam como alguém capaz de trata-los. Sempre o olhavam como um “peixe fora dágua” e se perguntavam porque aquele homem “normal” estava ali no meio deles.

Desse processo de recepção ele teve a idéia de “fingir” ser uma pessoa que também tinha problemas psicológicos. Desse processo catártico surgiria a aceitação dos pacientes em relação a ele. A partir desse fato que o autor de Clube da Luta se viu apto a criar o protagonista de sua obra.

Antes de se entender o ambiente em que os personagens se destacam, deve-se buscar o conceito de anti-heroi dentro da narrativa. O anti herói é aquele que se coloca contra a conduta esperada de um protagonista. O ideal de herói que se tem presente na literatura mundial é o de construir um personagem que se mostra cheio de qualidades e é bem-aceito no grupo que pertence.

O anti herói, pela carga semântica do prefixo, mostra aquele personagem que não segue a conduta de aceitação pelo grupo. O grupo social predominante o marginaliza.

O principal ponto para se discutir o papel do anti herói existe no conceito deste. Seu conceito já foi criado a partir da negação de um outro. Logo, se coloca o anti herói como um ser deturpado daquilo que é visto como normal pela status vigente.

Tyler, em Clube da Luta é um empregado de um pequeno escritório de contabilidade. Ele acha sua vida medíocre e sem surpresas. Não se adapta ao que a sociedade lhe impõe. Por isso, através de um processo catártico procura em grupos de ajuda sua válvula de escape. Tais grupos de ajuda recebem os mais variados tipos de pessoas: Drogados, esquizofrênicos, ninfomaníacos, depressivos.

Ivete Lara Camargo Walty em seu livro O que é ficção discute o conceito de desajuste com o status dominante. Ela diz:

“Se você voltar atrás, um pouquinho, verá que esses são os valores ditados pela ideologia dominante, logo juízo e bom senso se ligam a senso comum, isto é, o consenso de um povo sobre a realidade, o conjunto de normas que determinam o comportamento das pessoas. Pessoa de bom senso é pessoa que age de acordo com a ideologia dominante, as outras são loucas, sonhadoras, irresponsáveis, preguiçosas (...). (WALTHY, p. 32)

O processo de exclusão se dá de dentro pra fora da sociedade. Walthy complementa a idéia sobre marginalização social com o trecho:

“O principio da realidade se subordina à ideologia dominante. O indivíduo assimila valores, introjeta censuras, sob o controle das instituições sociais de que ele participa, do real de que ele faz parte. Até seus sonhos e seus desejos são fabricados pela sociedade em que vive”. (WALTHY, p. 36)

Dessa forma, os personagens são excluídos da ordem social predominante destacando ainda mais a posição de descontentamento dos personagens. Marcuse afirma que a rebeldia em obras ditas “marginais” é a linha que as sustentam. Ele afirma:

“(...) as obras de arte que expressam os temores e esperanças da humanidade situam-se contra o princípio de realidade predominante, constituindo-se em absoluta denúncia”. (WALTHY, p. 42)

A obra literária, dessa forma, é construída através do viés do contraste, da denúncia. Todos os personagens são postos contrapondo a uma visão conservadora da realidade. Alfredo Bosi em seu livro A voz do arco-íris trata sobre a dominação social no Brasil. Ele diz que:

“Essa dominação obriga a três atitudes: ou à submissão para sobreviver, implicando a traição da própria história; ou a resistência, a rebelião e a clandestinidade, com a conseqüente possibilidade de perseguição, de cárcere, de tortura e de morte; ou o disfarce, o simulacro e o “jeitinho” – sobrevive adaptando-se e, ao mesmo tempo, aproveitando todos os espaços, frestas e contradições da dominação para manter e preservar sua própria identidade”. (BOFF, p. 28)

Em Tyler ocorre um processo de cisão no mesmo personagem. Sem saber em que momentos ele vive o real ou o imaginário, o protagonista cria Tyler, o personagem de dará vazão a sua revolta contra a sociedade. Dessa forma, Tyler se confunde com o protagonista criando numa mesma pessoa duas personalidades distintas. O protagonista vê na revolta contra a sociedade a compensação para suas faltas. São, assim, raízes psicossociais que legitimam a violência e a revolta do personagem.

Todos os personagens, de ambas as tramas desejam algo. Vêem a sociedade moderna como o ser que lhes tirou algo ou que não lhes deu o que pediam. René Girard, em seu livro A Violência e o Sagrado explica a relação de desejo do homem em relação à sociedade ou ao grupo em que está inserido. Ele diz:

“Qualquer mimesis relacionada ao desejo conduz necessariamente ao conflito. Os homens são sempre parcialmente cegos para esta causa da rivalidade. O mesmo, o semelhante, as relações humanas, evoca a idéia de harmonia: temos os mesmo gostos, apreciamos as mesmas coisas, fomos feitos para nos entender. O que acontecerá se tivermos realmente os mesmos desejos ?” (GIRARD, p. 180/181)

Girard mostra assim a relação de disputa criada dentro da sociedade contemporânea. Uma sociedade capitalista, que valoriza os bens materiais como formas de alcançar a felicidade, constrói o outro, o excluído, a partir da imagem de rival ou de não-merecedor daquilo que o outro possui. A camada social mais rica da sociedade de consumo brada as expressões “ralar na vida”, “corri atrás do que tenho hoje” colocando sempre aquele que não tem acesso à riqueza como acomodado ou incapacitado de chegar a tal grau de riqueza na qual eles estão.

Tyler expressa o descontentamento do grupo marginalizado. Inserido na sociedade norte-americana ele contesta tudo aquilo que lhe foi tirado. Sua relação com a violência é ao mesmo tempo de dependência e revolta. No livro há uma apologia à violência, mostrando o aspecto redentor desta para quem a usa. Girad completa em seu livro:

“(...) O sujeito adora essa violência e a odeia. Ele tenta domina-la pela violência, enfrenta-la. Se por acaso consegue vence-la, o prestígio obtido dissipa-se rapidamente. Será preciso procurar em outra parte, uma violência ainda mais violenta, um obstáculo realmente intransponível.” (GIRARD, p. 183)

Marla, personagem que cruza com o protagonista durante as reuniões dos grupos de ajuda é o retrato da coisificação humana. É uma mulher que vive de freqüentar grupos de auto-ajuda e busca na morte sua forma de transcendência. Ela se mostra sem esperança em relação ao seu futuro e vê na autodestruição seu modo de redenção.

BIBLIOGRAFIA

Clube da Luta – Chuck Palahniuck

A voz do arco-íris – Leonardo Boff

Historia Concisa da Literatura – Alfredo Bosi

Teoria da Comunicação Ideologia e Utopia – Roberto S. C. Moreira

O que é ficção – Ivete Lara Camargos Walty

A Violência e o sagrado – René Girard, editora: unesp, sp, 1990 traduçao: Martha Conceição Gambini.

jasmine jad
Enviado por jasmine jad em 10/06/2006
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