Sobre um bate-papo!
Sobre um bate-papo!
“A percepção de que você e outro são passíveis de entendimento é insuportável. Ocultar-se. Mas ocultar-se como, se a inteligência dessas páginas é vertiginosa luz do meio-dia, a arrancar-me de mim, Caim, para o outro lado?”
(in Revolução do Cinema Novo - Chico Alvim)
Vai de encontro com o que segue em Sobre um bate-papo.
SOBRE UM BATE-PAPO
17/07/83
Dia, corre dia, sofre dia, e tenta viver.
Nega, a si como gente, e transforma-se em máquina, mas nega que é uma máquina.
Caminha, porque tem que caminhar. Não porque quer, mas por imposição, mas nega que é imposta caminhar.
Liberdade, uma busca constante depois do ponto, negação do dia.
Espaço, que não é seu, mas que nega, e diz que está conquistando.
Conquista, que conquista?
Ilusão, é a sobrevivência, é a fuga, mas nega que é iludido.
Família, princípio policialesco, que também nega esse policiamento.
Trabalho, que te direciona, mas nega que esta lhe direcionando.
Descanso, com a noite que chega, mas não lhe dá o devido descanso, no qual você nega, pois acha que está seguro dos seus direitos.
Direitos, que direitos?
Necessidades, as mais importantes não são supridas, mas se nega, porque sua necessidade amortiza-se com o fruto do trabalho.
Fruto do trabalho, que fruto do trabalho?
Particular, se você não é dono nem de você, mas que você nega.
Tempo, que não é seu, mas você nega.
Tranqüilidade, que tranqüilidade?
Desespero, uma constância na vida de qualquer indivíduo, mas que se nega.
Vida, espaço tão curto de passagem por um tempo, quase nada, às vezes nada aproveitado, mas que você nega.
Emoção, que tanto se sente na carne, na vida, no dia, na noite, no trabalho, no desespero, no espaço, na família, no caminho, no descanso, no direito, na necessidade, mas que também se nega.
Fim do 1º ato.
20/07/83 - 2º ato
Uma voz, e um quase absoluto silêncio.
Harmonia - corpo e espaço. Sem tensão, calma.
Um céu azul, uma brisa, a Lua, um pássaro.
Tudo desaparece. Angústia. A vida se debate.
Se propaga numa luta em busca da vida.
Uma luz. A luz, a vida, uma indefinição.
E o vento contra, tentando acabar com tudo...
Universo, uma busca através do universo. Escuro e solitário
Tentando manter uma seqüência da vida. Uma estrela.
O frio rebate a vontade. É preciso alcançá-la, é força, é caminho.
A estrela, um Sol, um paraíso. A luz, uma energia.
Uma nave que voa calma, transcendental, livre, calma, numa paz que envolve, tranqüila, leve calma, suave brisa, como uma pluma, límpida, calma, suave, o espaço leve, um corpo leve, voa, suave, paz, sem perturbações, como uma gaivota, simples suave solta, cama, uma calma transcendental, e pássaro pousa.
O pássaro, você, e o pássaro tenta se comunicar. As mãos não conseguem.
E o pássaro voa, desesperado. Um vazio. E milhões de pássaros. Uma revoada. Ao Sol, ao Sul.
Esquecendo a estupidez da violência. Em busca do Sol. Próximos, que se tocam.
Harmonia entre o corpo e o espaço. Uma asa, parece um braço.
Sem violência, sem angústia. Um rosto, límpido. O corpo e o espaço em harmonia.
Um pássaro voa. O coração bate. Emoção. Harmonia. O corpo e o pássaro.
O coração e o pássaro. Os olhos e o pássaro. Harmonia. Suave e tranqüilo, a paz, e a paz.
O pássaro voando. O corpo suave, sem tensão. Uma viagem. Uma máxima solidão.
Um ciclo rápido.
Peixão89
Primeiras Falas - 1983