DELAÇÕES DO PERCURSO

Este livro é uma peça despretensiosa. Trata-se, apenas, do confessional de uma mulher semelhante a todas que conheço. Tímidas e com muito medo do espelho. Vencem um pouco os tabus infiltrados até os ossos desde tenra idade. E cada infância tem suas sequelas tatuadas enlameando o futuro dia-a-dia. A ousadia solitária custa muito ao espírito sensível no qual habita a feminilidade. Apesar de que esta vem mudando com o decurso dos tempos.

Mas só tem história e capacidade para traduzir este caminhar quem já fez longo percurso. Este percorrer é reflexivo. É um percorrer-se. Um espiritual transcorrer-se, porque neste está o mistério do outro. E para a mulher, para o seu universo de visão sensibilíssima, o ponto X é a figura do Amado. Atrevo-me a dizer que nenhum homem é capaz de bem entender este mistério somente traduzível para o universo ímpar da mulher.

Nestas páginas transitam a aspereza de viver o belo dos dias e a realidade por vezes intragável. O poema é a forma sensível para recriar as hostilidades que diuturnamente se apresentam. O amor ainda é a pedra de toque, o fetiche que empalma a Esperança. E a incansável busca do pólo de encontro com a felicidade produziu estes versos.

Por vezes, nesta obra, o prosaico se avulta acaso observada apenas a forma de apresentação dos textos. Mas, por baixo, aparecendo a ponta do mistério, está sempre o lirismo e suas metáforas prenhes de desejos e eventuais livores. Mesmo quando o amor aparentemente fenece, numa dicotomia de ser e estar, a poesia nunca é fim de festa. Vejam o que a autora diz sobre isto no poema que tem este nome e sua proposta de eternidade.

Esta obra fala do confessionalismo de Eros. Tem a boca pintada, base e rímel. E no coração da autora o amor tem várias faces. Sabe ela que a esquina próxima sempre traz a sugestão do mistério. Em palavras, fazendo o poema, cada mulher é sempre nova. E o beijo estala no coração do leitor.

Ligie-se sem nenhuma vergonha, porque a autora sabe o quanto é difícil viver e tentar a delação. Lambuzar-se com a Beleza vence até o tempo, a passagem que nos afunda, que leva ao final, inapelavelmente.

Venha copiar-se de esperança. O castiçal vai alumiar o coração dos que ainda não perderam o sonho, que ainda acreditam no Homem e sua imensa capacidade de transcender-se. Lambuze-se do abstrato. O olho de Deus sabe que somos bons enquanto à busca do sol. A luz está posta!

Tramandaí/RS, 26 de julho de 2009.

Joaquim Moncks, ativista cultural e poeta,

Presidente da Casa do Poeta Brasileiro – POEBRAS Nacional.

– Apresentação do livro PERCURSO, de Lígia Lacerda. Porto Alegre: Pragmatha, 2009.

– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008/2009.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/1720473