Metades da laranja

(25/07/09)

Onde estará minha metade da laranja? O outro pé do meu chinelo? Minha alma gêmea? A pessoa que me completa? Minha razão de viver?

O imaginário popular está repleto de frases como estas. E qual o papel delas em nossa sociedade além de servirem como letra de musica brega e/ou sertaneja? Sendo frases tão populares e, com as devidas adaptações, universais na cultura ocidental, devem ter algum fundo de verdade. Pois bem, seu papel é, exatamente, alimentar uma ilusão; alimentar a esperança de que é possível preencher a lacuna existente dentro de cada pessoa que goza de sanidade neste planeta.

Qualquer um que tenha um mínimo conhecimento de Freud e Lacan sabe do que estou falando. Todos nós, neuróticos ( e neurótico aqui é uma coisa boa e normal, uma vez que quem não é neurótico será, por exclusão, psicótico) somos seres da falta, falta esta criada lá em nossa doce infância, quando finalmente constatamos que somos uma pessoa separada de nossas respectivas mães e não formamos com elas uma unidade. A partir daí, somos condenados a passar o resto de nossas vidas procurando esta parte faltante. Porém é exatamente esta falta que nos permitirá buscar nossos objetivos na vida. Sem ela, a única coisa que nos resta é a morte. Pronto, chega. Isso é o mais longe na teoria psicanalítica que irei me permitir chegar neste texto. Para maiores informações a referência são os autores acima citados. Vamos, pois, por outro caminho.

E qual a relação disso tudo com a história das metades da laranja? Toda relação! Percebemos nossa incompletude e dela queremos nos livrar, pois ela nos deixa “infelizes” e “incompletos”, ou “laranjas pela metade”. E qual a melhor forma de se livrar de algo que não é possível mudar? Eu conheço duas formas: a primeira é aceitar a deficiência. A segunda é responsabilizar alguém.

Aprender a ser feliz sendo incompleto é algo difícil, que, acredito eu, só é possível a custa de muita terapia, mas que é possível. Felicidade é algo que somente iremos encontrar dentro de cada um de nós. O processo inicia-se por aceitar nossas próprias limitações e trabalhar com elas da melhor maneira possível. É reconhecer as coisas boas que acontecem em nossas vidas e encarar as coisas ruins, não como uma “praga divina”, mas como eventos naturais da vida. É identificar aquilo que nos alegra e caminhar em direção a estas coisas. E na direção oposta de tudo aquilo que não nos faz bem. É viver cada dia da melhor forma possível, estando consciente de que haverá dias bons e outros não tão bons assim. É mudar a forma de encarar a vida, afinal, “felicidade não é uma estação de destino e sim uma forma de viajar”.

É pensar no outro como alguém que irá dividir parte de sua vida conosco, e não como a tábua de salvação do mar da infelicidade. Ninguém, exceto nós mesmos, tem este poder. Somente quando estivermos satisfeitos conosco, alguém que entra em nossas vidas pode somar alegrias e felicidades. Pelo outro lado, uma vez infelizes e insatisfeitos, acrescentar outra pessoa a esta equação só irá complicar as coisas.

A soma depende de serem ambos, individualmente, pessoas completas. Do contrário, o que teremos é uma subtração de energia, uma divisão dos escassos recursos e uma multiplicação da insatisfação. O grande lance é sermos duas laranjas vivendo juntas e não duas metades de laranja precariamente unidas por uma super-cola qualquer, mas em franco processo de apodrecimento.

Assim, a procura da “alma gêmea” e da “metade da laranja” é simplesmente um subterfúgio, uma fuga da grande responsabilidade de sermos seres “quase completos” em nós mesmos. É prostrar-se de joelhos, o coração em uma bandeja, e implorar ao outro que, de uma forma mágica e instantânea, modifique nossas vidas para melhor. É transferir a responsabilidade de nossa felicidade para o outro.

Procurar a sua metade da laranja em outra pessoa é como a busca do Santo Graal: pode até ser que alguém o ache, mas não existem provas de que alguém, até hoje, o tenha conseguido. Na verdade o melhor lugar para se procurar esta metade da laranja é onde menos se espera encontrar: dentro de nós mesmos.

Afinal, quando um relacionamento é baseado no princípio das metades de laranjas, só há duas alternativas plausíveis para desfecho: ou ele vira suco ou vai pro lixo.