Jogo de Xadrez, Gramática e Texto

Uma partida de xadrez é semelhante a um texto em que duas pessoas conversam, interagem, dizem o seu pensamento, mas em vez de palavras usam os lances; em vez da gramática, as regras do xadrez; em vez do papel, o tabuleiro; em vez da pena, peças ou trebelhos¹. O leitor é o aficionado, que fica olhando a partida, analisando o "texto" e o "contexto".

A cada ofensa, digo, ataque, o interlocutor, digo jogador adversário, faz uma defesa ou um contra-ataque. Se o primeiro jogador faz um lance neutro, como se estivesse jogando conversa fora, o segundo faz um lance neutro, ou um ataque.

A partida de xadrez, como um texto, segue uma lógica (a coerência textual) da primeira à ultima frase, digo jogada. A coesão é a ligação entre um lance e a resposta. Um ataque, como já foi dito, inspira um lance de defesa ou de contra-ataque. Um simples lance de desenvolvimento, também já dito, pede um lance de ataque ou de preparação para o ataque. E nessa lógica, o texto vai sendo costurado, até formar uma partida completa, cujo ponto final pode ser um decidido xeque-mate, uma calorosa oferta de empate, um "pate por ahogado" ou um delicado tapa no próprio rei, sinalizando: "Eu entego os meus pontos".

E o texto estará completo. Tal texto figurado pode virar um texto de verdade, como esse que mostro, referente a uma "conversa" que tive com um cunhado em 1987:

FERNANDO CUNHADO

Brancas Pretas

01. P4R P4R

02. P4D P3D

03. C3BR C3BD

04. B4BD B5C

05. C3B C X P (?)

06. C X PR! B X D (?)

07. B X P xq. R2R

08. C5D xeque-mate.

Peço desculpas aos escritores de partidas, digo, aos enxadristas, por haver grafado o texto acima na linguagem descritiva. Tenho dificuldades com o sistema algébrico.

O texto, ou a partida que acabo de mostrar, é um exemplo de como não se deve ter a ânsia de tomar a dama do adversário sem prestar atenção nas ameaças que o parceiro está fazendo de maneira velada. A consequência foi levar xeque-mate. A entrega da dama "gratuitamente" nessa partida é chamada de sacrifício, e, como as figuras de linguagem, é um belo recurso para tornar o texto, digo, a partida, mas bela, mas romântica.

Confesso que hoje em dia não se escrevem páginas tão belas em cima de um tabuleiro, pois os escritores (jogadores) da atualidade são mais precisos na defesa e menos ousados no ataque.

Partidas bem escritas são as do Alemão Adolf Andersen, que num só jogo sacrificou um bispo, duas torres, uma dama e deu de gambito dois peões (peão dado não é sacrifício, é gambito). Em troca ele só tomou dois peões. Mas deu o xeque-mate, o ponto-final mais bonito que eu conheço da literatura enxadrística. O nome desse belo texto escrito com peças de xadrez em cima da bela página conhecida como tabuleiro é PARTIDA IMORTAL. Todo escritor de partidas de xadrez tem a obrigação de conhecer essa obra do eterno Andersen.

Quem quiser conhecer essa bela e romântica página do xadrez mundial basta procurar nos sites de busca "imortal de adolf andersen". Eu achei no site "www.clubedexadrez.com.br/portal/torre21/visor_partidas/guerrero-19.htm".

Boa leitura!

(¹) A palavra trebelho é utilizada em alguns livros sobre xadrez para designar os peões (são oito de cada jogador). As peças são: Duas torres, dois cavalos, dois bispos, uma dama e um rei para cada lado. Em Portugal se diz rainha em vez de dama. Faz sentido no castelo, mas no xadrez até dama é inadequado, pois é a peça mais forte do xadrez. O rei é fraco, mas se torna forte por ser de valor absoluto: quem leva o shâh-mate (o rei está morto), mais conhecido como xeque-mate, perde a partida.

António Fernando
Enviado por António Fernando em 21/07/2009
Reeditado em 03/11/2013
Código do texto: T1712216
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