XXVI - Uma vivência cheia de infortúnios e desolações

O corpo fora levado à delegacia para averiguações.

Posteriormente seguiria para a Santa Casa e, só após perícia minuciosa, seria velado e enterrado no cemitério local.

O coveiro do município, havendo escutado tanto falatório a respeito do crime, antecipara seu ofício e já deixara de prontidão uma cova tamanho padrão pronta para ser recheada com o cadáver vindouro.

Chegando à delegacia, os pais de Angélica Cristina Pellegrini estavam designados ao reconhecimento da peça inanimada com ares de podridão, para o possível inicio das investigações.

Começaram sendo interrogados pelos investigadores que analisavam o caso sobre os últimos dias de sua filha querida e amada.

A mãe de Angélica dizia, aos soluços, que a filha estava namorando um rapaz mais velho e estava alegremente feliz.

Havia rompido um namoro de infância e, desde então, passava o dia a suspirar e pensar no novo escolhido.

Sempre que saiam, o casal sempre voltava tarde e, por vezes, sentia cheiro de bebida no quarto da filha ao amanhecer.

O novo namorado tinha hábitos estranhos, eram notórios seus trejeitos e costumes na comunidade miguelense.

Era fino e requintado, todavia: “bebia muito e pessoas que bebem perdem a lucidez e não se dão contas de seus atos”, ressaltava a velha Pellegrini.

“Sei que tiveram uma discussão em frente à casa do professor Miguel ainda ontem. Ele mesmo me disse hoje pela manhã”.

“Na noite anterior não dormiu em casa, por isso dirigi-me até a casa de seu namorado que também não se encontrava por lá”, argumentava trêmula e com momentos de choro intenso.

Na descrição da filha, o pai disse que era uma bela e educada jovem, olhos negros como o fundo do oceano, cabelos vermelhos como fios de espigas e pele revestida do mais fino tecido sedoso.

Uma penugem avermelhada se fazia presente em seus membros e possuía várias sardas na região frontal do tórax. Tinha pés e mãos muito pequenos e um adocicado cheiro de baunilha quente que emanava de todos os seus poros.

“Como era o namorado de infância?”, interrogara o investigador grandalhão que trajava calça jeans apertada e um colete negro exclusivo dos policiais do estado.

“É um ser insignificante e não possui trejeitos ou particularidades que mereçam definição. Não nos dava trabalho, muito menos se parece perigoso”.

Continuou depois de assuar o nariz em um lenço já bastante umidecido, o pai:

“Sei que apanha constantemente do seu padrasto, o que lhe deixa, de certo modo, inibido e discretamente reservado nas ações”, argumentava gesticulando os braços e estralando os dedos da mão direita, o pai da vítima.

“Vamos, então, ao reconhecimento do cadáver, digo, da vítima”, conclamou o investigador acendendo um cigarro.

Partiram os três até a sala em que se fazia horizontalmente morto o corpo de Angélica sob um lençol quase branco.

No recinto, ocorria um calor extremo e o cheiro peculiar de pessoas que morrem e se decompõem se fazia forte no ar, o que de certa maneira provocava asco em quem passasse em frente à porta da pequena sala.

A mãe, estaticamente parada em frente à porta não conseguiu entrar adentro para a fatídica tarefa e, o pai da vítima então se pôs à frente do lençol volumoso e recheado de fedor intenso.

“Abra, levante esse pano homem de Deus!”. “Poupe-me desse sofrimento, rápido!”.

“Tenho certeza que não é Angélica!”. “Algo me diz ser outra pessoa, não minha querida filha!”.

“Vamos levante!”. “Espere, espere”, solicitou respirando profundamente e fechando os olhos umedecidos de lágrima dolorosa.

“Pode descobrir, senhor policial, o que quer que seja estarei preparado!”.

Lá estava ela, a filha mais querida da família Pellegrini jazia carcomida pela violência descomunal que assolara sua efêmera vida.

Uma juventude ceifada por um monstro sem dó muito menos piedade de alguém que nunca fizera mal a qualquer ser que respira nesse cruel planeta.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 06/07/2009
Reeditado em 11/04/2012
Código do texto: T1684961
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