XXVII - Cruel planeta

O velho Pellegrini estarrecido e perplexo nada disse.

Misturou choro com riso, olhou para o alto e seqüencialmente para baixo umas três vezes seguidas.

Respirou fundo novamente como se faltasse oxigênio em seu cérebro, virou as costas e saiu daquela mórbida sala.

Encontrou sua esposa nos corredores encostada à parede rezando baixinho e com um leve tremor labial.

Olhou-a fixamente e, num gesto rápido, a abraçou.

Não era preciso dizer nada. Ambos entendiam e compartilhavam aquelas atitudes de desespero contínuo e recíproco.

Angélica Cristina Pellegrini não mais vivia.

Algo monstruoso e intempestivo assaltara o sopro de vida que emanava daquela bela e jovem criatura.

Começaria, então, a caçada ao assassino.

Miguel das Neves Alves se fazia suspeito devido ao depoimento da mãe da vítima. Pesava sobre ele, sobretudo seu jeito estranho, a briga no portão de sua casa com a vítima; ali, em frente à casa do professor, Angélica fora vista pela última vez e Miguel não havia passado à noite em sua residência.

Foi interceptado, pela policia, ainda no colégio em meio a uma aula sobre a queda do comunismo.

Lecionava sabe Deus como, pensava em Angélica constantemente, mas tinha uma missão a cumprir.

Estava narrando enfaticamente sobre a derrubada do muro de Berlim e suas conseqüências mundiais na economia e nas relações internacionais.

“A guerra fria acabara, e assim houve a desintegração do obsoleto Muro de Berlim”.

“Esse marco se tornou um divisor de águas didaticamente na história mundial. Assim como a tomada de Constantinopla deu inicio a um novo ciclo nos livros de história, esse fato representará, no futuro, um marco. A Era Contemporânea teoricamente acabou. Os historiadores do futuro se encarregarão de determinar nova denominação para a Era em que vivemos agora”.

“Poderá ser a Era Tecno-Capitalista”, ressaltou enfático sobre esse novo termo sugerido por ele próprio.

“Se não estivermos vivos para conferir, não importa. O que vale é sermos contemporâneos a tão relevante fato”.

“Desculpe interromper, professor Miguel! O senhor terá que nos acompanhar até à delegacia para prestar depoimento sobre a morte da jovem Angélica!”

Um sonoro Oooh ecoou no ambiente.

As crianças paralisadas estatelaram olhares de espanto.

O professor Miguel das Neves Alves engoliu a seco uma saliva que se fez cascalho naquele momento de enorme tristeza e comoção.

Dois policiais vieram à escola, com a missão de buscá-lo para interrogatório imprescindível às investigações sobre o assassinato.

Dirigiram-se à delegacia no carro da policia e Miguel estava atordoadamente silencioso.

Prestou depoimento por várias horas seguidas, mas lhe faltava algo essencial e de extrema utilidade naquela situação: um álibi.

Não tinha como provar sua inocência sem que consultassem pelo menos seus dois amigos no qual passaram a noite juntos.

Ramires estava de malas prontas para retornar a capital. Tinha decidido morar lá novamente.

Possuía um pequeno imóvel aconchegante e mobiliado na região central e estava no ímpeto da partida.

Douglas Hernesto Sanoj fora encontrado rapidamente e disse que ficaram bebendo e conversando até duas horas da madrugada.

Não tinha muita certeza da hora exata em que partiram devido a embriagues, todavia sabia que já era alta madrugada.

Porque Miguel não chegara em casa para dormir era a grande questão. Ninguém o tinha visto perambulando pela cidadela durante a madrugada.

A explicação de que dormira no caminho de volta se fazia inverossímil para os policiais que ouviam os depoimentos.

Miguel, então, fora recolhido ao xadrez. Era o principal suspeito, até que alguma prova cabal se fizesse notória a seu favor, ficaria recluso.

Douglas Hernesto Sanoj, no papel de advogado, pediu permissão para uma conversa com o professor Miguel.

“Irei tirá-lo daqui. Pode ter certeza disso”.

“Conto contigo meu amigo”.

“Haverá alguma prova que determine o contrário à sua situação. Não há crime perfeito”.

“Tudo isso está sendo demais para mim. Tudo o que já enfrentei não se compara a dor que sinto agora. Acusado de matar a mulher que amo. Passar por essa situação vexatória, porque não tenho álibi”.

“Dê um jeito meu amigo, encontre provas que me inocentem”.

“Se caso provas encontradas não forem relevantes posso passar longo período encarcerado. O júri popular não me poupará tamanha a crueldade do assassino”.

“Não tema. Está tudo muito recente para desesperarmos”.

“Poetas não matam”, disse Douglas Sanoj olhando profundamente em Miguel.

“Não sou poeta, caro amigo. Não tenho essa virtude”.

“Poetas fingem, eu sofro”.

“Sou paciente, metódico e enigmático, crítico e analítico, não sinto poeta”.

“Tu és um grande homem. Corrigiremos esse erro e tornará a ser livre para explanar todo o seu vasto conhecimento, para ensinar e para educar jovens”.

Continuou Douglas Hernesto Sanoj:

“Esse mundo ignorante necessita de pessoas como tu, meu amigo Miguel”.

“Agora tenho que ir. O tempo é curto e provas desaparecem com o tempo. Torça por mim, amigo!”

Miguel tinha um turbilhão em sua mente. Iniciara um pensamento sobre como o homem é passível de situações inusitadas.

Um frêmito, de súbito, o abateu e se imaginou correndo num pasto verdejante de mãos dadas com sua amada.

Um dia belo, um amor intenso, uma vida normal vivida de forma comum e sem infortúnios.

Agora preso numa cela, amontoado com bandidos de todos os tipos e gostos, privado de liberdade; o que mais estimou em sua existência é essa tal liberdade, e agora...

Será que posteriormente a esse fato deixaria no ar o traço de sua existência, de modo que causasse lembranças na mente de quem o avistou no céu azul, ou sua fumaça se dissiparia na vastidão celestial enquanto todos estavam olhando para baixo?

“Prefiro morrer a viver com essa nefasta lembrança”, choramingava o professor de história encostado de pé num canto frio da cela de dimensões reduzidas e recheada de humanos infratores das leis sociais.

“Não matei ninguém! Deus sabe disso. Com minha voz clamo a ti Senhor e Tu do seu Santo Monte me ouve e me responde”.

“Livra-me de tal acusação, salva-me desse erro dos homens”.

“Em ti confio e em ti espero!” Fechou os olhos e se agachou lentamente deslizando seu corpo pela parede lodeada.

Ednardo Rabelo juntamente com dois amigos, os irmãos Léo Cláudio de Moraes e Celina Emiliana chegaram à delegacia por volta das dezenove horas.

Pediram para falar com o delegado.

O delegado não estava.

“O que desejam”, perguntou-lhes o policial de plantão.

Celina Emiliana, segurando firme na mão de seu irmão mais velho disse que tinha algo a dizer sobre o caso do assassinato.

“Diga então para mim, sou escrivão e daremos inicio a mais um depoimento”.

“Chame o delegado, por favor”, solicitou Ednardo Rabelo.

“Por favor, chame o delegado”, ressaltou Léo Cláudio.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 05/07/2009
Reeditado em 11/04/2012
Código do texto: T1683435
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