XXXI - O crime estava para ser esclarecido brevemente, não pela investigação policial, mas, pela consciência dos executores

Ninguém consegue carregar consigo, durante muito tempo, um assassinato. Pessoas com índole criminosa, por mais que tentem, sofrem angustiosamente por cometerem mortes.

“Vidas não são para serem tiradas num ímpeto de uma ação insana”.

“Deus nos concede o dom da vida, a alma usa um corpo para se fazer matéria, para se fazer existir, para produzir e criar, para contactar outros seres em essência viva”.

“Deve ser muito difícil para um assassino viver carregando mortes em suas costas”.

“Será que dormem bem à noite? Conseguem colocar suas cabeças num travesseiro raso e suspirarem num sono profundo”?

“E quando o assassino já amou sua vítima”?

“Será para ele, após o cometimento do crime, após furtar a vida do ser amado e agora morto, inerte, inanimado, fácil viver em harmonia com a natureza e outros seres”?

O jovem assassino estava perturbado.

Não se encontrava em pleno equilíbrio.

Acusava a todo momento seu irmão de o ter instigado a tal fatalidade.

Não queria fazer o que fez.

Imputava-o constantemente, o chamava de assassino e indutor de assassinato.

O irmão mais jovem começava a sentir os efeitos da culpa também.

Não como assassino efetivo, mas como mentor do crime.

Ambos haviam convencido o padrasto raivoso e brutal a se deliciar com uma morte violenta de uma bela e adocicada jovem.

Era tentador demais para aquele ser demasiadamente sádico.

Sempre desejara tirar a vida de alguém, poderia ser com requintes de crueldade ou não, mas desejava do fundo de suas entranhas cometer um assassinato.

Às vezes, se via enforcando sua concubina e espancava seus enteados pensando em matá-los prazerosamente e assim, impor a satisfação de suas pulsões naqueles corpos vivos.

Agora gosava o ocorrido, realizara seu devaneio macabro e se sentia jovem novamente.

O ambiente doméstico se fazia tenso e pesado. Estavam cada vez mais introvertidos e agressivos ao mesmo tempo.

Os irmãos não mais aceitavam sem retrucar os espancamentos do padrasto e, por vezes o atacavam também.

Numa noite, após leve chuva que trouxe ainda mais abafamento a pequena cidadela, os dois pegaram a pauladas o homem que amasiava sua mãe e lhe desferiram inúmeros golpes contra seu corpo encoberto de tufos de pêlos encaracolados e grossos.

O homem ficou completamente destruído. Praticamente não andou durante duas semanas.

A mãe agradeceu-lhes com leve repreensão pela boa iniciativa e tornara-se agora mais forte e pseudo-amparada em casa.

Mas, em meio a tudo isso, o remorso remoia os pensamentos do jovem, outrora namorado da finada Angélica.

Tirar a vida de uma jovem tão bela, premeditadamente, após uma discussão banal no meio de uma rua escurecida foi de uma estupidez insensata.

Não houve tempo sequer para desistir da idéia ou mesmo para Angélica solicitar socorro e se safar da morte inevitável.

Após estar cansado de tanta acusação sobre ter influenciado ao crime hediondo, o jovem irmão indutor partiu para vias de fato com seu consangüíneo e o que se viu foi uma enorme batalha campal na casa-ringue.

Os dois quase se mataram mutuamente numa troca de acusações e pauladas. Murros, socos e pontapés assistidos pelos senhores do lar, numa cena extasiaste e deprimente.

A mãe, então, os interrogara sobre aquelas fatídicas acusações e disse que os denunciariam as autoridades locais.

Não imaginava ter em casa uma dupla de assassinos frios e cruéis como se fizeram naquele passado ainda presente.

“Sim, a matamos. E seu homem foi o principal executor. Precisava ver como ele se deliciava com o ato. Que habilidade com a faca!”

“O que está dizendo? Pelo amor de Deus, pare com isso!”

“Não tive alternativa ou escolha. Se não fosse minha não seria de mais ninguém, ressaltou o jovem”.

“Eu a alertei para desistir daquele homem. Não poderíamos quebrar nosso pacto. Não me ouviu...”

Virando-se para o marido que estava de pé atrás dela, o olhou com tremenda reprovação, querendo não acreditar.

Foi ameaçada de morte se dissesse alguma coisa, a mãe. Tudo isso em meio a muita discussão e contenda.

“Quando dormir a mato!”, ressaltou o homem, emanando ódio no olhar e se dirigindo a sua mulher que agora, tremia e chorava discretamente.

“Isso vale para vocês também, seus moleques! Fiquem de boca fechada. Fiz um favor para você e assim que me agradece”, disse a olhar para o enteado mais velho.

Tudo isso gerava, naquela casa, naquelas pessoas, um sentimento de ódio e culpa imensos.

Não suportavam mais tamanho remorso. Não se olhavam mais.

Porém, riam das autoridades que não encontravam os verdadeiros criminosos para julgarem, mas tremiam por serem eles os criminosos em questão.

Numa manhã de discussão, enquanto tomavam café preto e comiam bolinhos com manteiga e algumas bananas, os irmãos se atracaram novamente.

A luta seria fatal para o mais jovem.

Utilizando a faca que se fazia inerte e lambuzada de manteiga, e que repousava em cima da mesa até que o irmão mais velho a tomou e, sem pestanejar penetrou-a na barriga do seu irmão mais jovem cheio de vida, ódio e culpa.

Não contente, retirou-a e enfiou-a novamente por mais de cinco vezes seguidas.

O jovem dobrou seus joelhos, colocou as mãos no abdomem perfurado e ensangüentado e fez-se cair ao chão da cozinha.

Olhava fixamente seu irmão assassino e emitia grunhidos inexprimíveis.

A mãe, aos prantos, presenciava aquela cena com dor no coração, mas era segura pelo amásio que queria presenciar a morte não de um, mas dos dois empecilhos à sua vida dominadora.

Agora, o pequeno e franzino ser, era detentor de dois assassinatos em suas mãos. Não podia suportar tamanha carga enfadonha.

Estava insano, dominado por forças malignas que regiam sua vida e o levavam ao rumo incerto da criminalidade.

Não tinha nascido para aquilo. Não se imaginava criminoso. Mas fazia-se criminoso agora e outrora.

Tinha receio que era instrumento demoníaco para arrancar a vida de pessoas próximas a ele. Matara sua amada, matara seu irmão companheiro, jurara sua mãe de morte e quase tirara a vida de seu padrasto a pauladas.

Atordoado, furioso, com medo, acuado pelos pensamentos, entorpecido pela adrenalina e com a faca ainda em mãos, olhou para sua mãe e, aos prantos confessou o crime em alta e ressonante voz.

Dizia para contar as autoridades que havia sido ele o assassino de Angélica Cristina Pellegrini, mas não ficaria vivo para pagar socialmente sua pena. Não se imaginava recluso por toda a vida numa cela sombria e úmida.

A mãe, aos prantos, dizia que o amava e que estaria com ele até o final.

“O final é aqui. Não suporto mais viver. Para sempre carregarei comigo essas mortes. Enquanto existir serei uma ameaça!”

“Quero morrer!”.

Dizendo isso, cravou em si mesmo a fina, porém cumprida faca de serrinhas para o corte de pão, ensangüentada pelo fluído orgânico do irmão já morto e estático com os olhos abertos a olhar para seu homicida.

Caiu ao lado do ainda quente defunto e deixou-se morrer.

Findara ali a vida dos dois jovens aniquiladores de Angélica.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 04/07/2009
Reeditado em 11/04/2012
Código do texto: T1681676
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