Ensaio sobre autoria

Existem muitas razões para não se escrever um livro - uma delas é não estar triste. Por mais que se insista, a felicidade não se alfabetiza. O produto humano capaz de ser interessante para a palavra é a incongruência dos sentimentos, ou a não resignação da razão. Em todos elas o conflito - unica e exclusivamente - deve ser a mola que impulsiona a evasão de um autor. Não é, contudo, que eu esteja feliz. Mas não diria também que as amarguras me acometeram. De fato, isso só seria relevante se eu estivesse empenhado na escritura de uma obra. Não é o caso! O que me inquieta é a dúvida: o estado que estou é ausência de conflito? Creio que não! Ausência de conflitos não geram dúvidas inquietantes, consequentemente, nada se poderia dizer que despertasse na alma a fantasia e o imaginário da existência ficcional. Escreve-se na tola, ainda que pura, esperança de se alcançar o absoluto no entre-espaço dos sentidos, mas perde-se qualquer rachadura textual quando se verbaliza a intenção do dizer. Assim o sujeito que se reveste da qualidade de falante, logo se revela, no jogo dos símbolos, um sujeito faltante. O ser humano existe para insistir na tentativa de alcançar algo que ele mesmo neutraliza - qualquer um que entenda estar nessa arena de diálogos impossíveis, terá ultrapassado o limite da realidade apresentada e fará de sua palavra uma busca insana, doentia e bravia pela fusão de mundos não diluíveis na exterioridade do mundo real. Eis o espaço da ficção - um real-imaginário frustrado! Se há muitas razões para não se escrever um livro. Por que é que tantos se empenham em atividade tão sublimada? Porque se se frustra o imaginário, frustra-se também a realidade e, assim, colhe-se a esperança e o protesto como produto do existir "sindicalista" e pertinente para o progresso social.