Não Chove Sempre
Certo dia alguém me perguntou, “O que você está achando da Benedita?”
Não achei o que responder de início. Aí me ocorreu a comparação – bem distante, é possível – com um largo período de chuvas torrenciais, atípicas, que acontecem a cada 20, 30, 50 anos. Numa situação dessas, não adianta dispor do melhor sistema de drenagem pluvial possível, com todas as galerias limpinhas. Inundações e alagamentos não serão evitados.
No caso brasileiro, e não apenas no que corresponde ao Estado do Rio de Janeiro, as chuvas torrenciais atípicas, sem tempo de recorrência de 20 ou 50 anos, têm sido permanentes. Elas se tornaram endêmicas e são representadas pelas deformações que caracterizam o nosso sistema institucional. As chuvas nesse caso podem ser os inúmeros benefícios oferecidos à classe política (mordomias, vantagens pessoais, favorecimentos à corrupção, foro privilegiado, imunidade parlamentar, possibilidade de estabelecimento do próprio salário, aposentadorias precoces, etc.). Essas chuvas podem ser ainda representadas pelo instituto do voto obrigatório, que nos deixa na contingência de sermos obrigados a eleger pessoas cuja motivação maior para o exercício do cargo político, de um modo geral, é a de beneficiar-se direta ou indiretamente dos inúmeros atrativos que ele oferece.
Num quadro desses, nem Benedita nem qualquer outra pessoa poderá fazer muita coisa pelo Estado do Rio de Janeiro, assim como nem Lula nem qualquer outra pessoa fará muita coisa pelo Estado Brasileiro. Tal como a capacidade de escoamento do melhor sistema de drenagem possível, que será ineficaz diante de chuvas intensas ocorrendo durante três ou quatro dias seguidos.
Por isso não acho nada da Benedita, além da pessoa honrada que deve ser, assim como não acharia nada de qualquer outro governante nos âmbitos municipal, estadual ou federal. Enquanto no nosso sistema institucional houver espaço para deformações que favoreçam um distribuição de renda profundamente desigual e a concepção de políticas de educação, de saúde, de habitação, de trabalho, de transportes absolutamente irreais e marginalizantes do conjunto maior da sociedade, não se pode esperar muito de qualquer governante.
É preciso que haja alterações radicais. Uma delas é a extinção do voto obrigatório. A principal decorrência dessa providência seria a depuração, a curto prazo, da qualidade do político brasileiro. E isso é necessário porque são as decisões dessas pessoas que irão interferir ou setenciar os destinos de milhares de cidadãos brasileiros.
Junto com essa mudança, deveria ocorrer a imediata extinção de todas as vantagens disponibilizadas às pessoas que se candidatam a um cargo político. Por que uma pessoa pode ser nomeada para o cargo vitalício de Conselheiro do Tribunal de Contas de um município (no Rio a remuneração eterna do felizardo deve ser superior a R$ 20 mil reais), enquanto a maioria dos cidadãos dessa cidade, incluindo-se aí os profissionais liberais, não se aposenta com mais de R$ 3.000,00? Não é preciso dizer que, na maioria das vezes, cargos como esse são ocupados por políticos, sobretudo por aqueles que não conseguiram se reeleger, ou por pessoas por eles indicadas.
Se os benefícios existem, é natural e até humano que as pessoas a eles se candidatem. Para que isso não ocorra, é preciso que as benesses pessoais deixem de existir. Certamente teríamos o surgimento de uma nova atitude entre os cidadãos que se dedicassem à carreira política, já que servir à coletividade seria praticamente a única motivação que teriam.
Com o voto facultativo haveria mais chance de estarmos sempre elegendo os melhores. Sem as benesses inerentes ao cargo, não haveria espaço para aventureiros. Num sistema institucional sem brechas para o favorecimento de projetos pessoais, estariam sendo forjadas pessoas cuja preocupação maior seriam projetos de alcance social para o favorecimento de todos.
Rio, 11/06/2002