Sobrevida

Hoje estou completando o oitavo ano de minha sobrevida. Explico!

Todo mundo após aquele famoso tapinha na “bunda”, ao chorar, ganha o sopro da vida. Nasce para esse mundo louco de sofrimentos, beleza, dor e amor, nesse esplêndido planeta chamado Terra.

Daí, cada um com sua dor e amor. Como dizia o poeta: “a cada um sabe a dor e a delícia de se saber o que é!” Cada um, mesmo que em dupla, grupo, só, segue uma trilha que é individual e solitária. Nascemos sós e morreremos sós!

Eu, particularmente, passei quarenta e quatro anos “sofrendo” e aguardando o momento de meu extermínio. Bem depressiva mesmo! Lembro-me que o que mais me motivava na vida era a hora da morte, era o que eu achava. Minha vida era tão sem sentido, tão sem sabor, tão infeliz que era melhor fazer puf, como eu dizia.

Em 2001, veio o diagnóstico: carcinoma papilar, câncer na tireoide. Ao tomar consciência e ouvir de uma amiga, jamais esquecerei e foi o susto que me acordou: Não era o que você queria?, na hora eu surtei. Não era morrer que eu queria, eu queria arrancar de mim tanto sofrimento, tanto ódio que nutria por mim pelas escolhas erradas que eu fizera no pasado. Claro, tive outro diagnóstico para complementar: depressão.

Do dia que descobri ao dia da cirurgia, foram quatro longos meses. Meses de sofrimentos atrozes, negociações arbitrárias e absurdas, revolta, aceitação. Passei pelos cinco estágios completos do comportamento humano nesses casos.

No dia, 19 de junho de 2001, às 8h30min, entrei para cirurgia.

Vale um parênteses aqui. Como professora nesse país, eu tinha que submeter-me ao SUS. Fui ao HU da minha cidade e fiz uma consulta para ver o que aconteceria comigo. Um médico, muito humano atendeu-me. Ele não era residente, era da equipe da cirurgia de cabeça/pescoço. Explicou-me tudo sobre a doença, minhas chances de total recuperação, super animador. Só tinha um porém, a cirurgia não poderia ser marcada, pois eles estavam com pacientes de quatro anos na fila, eles iam encaixando conforme a necessidade. Fiquei apavorada. Quatro anos! Com certeza eu estaria morta!

O médico tentou consolar-me, acalmar-me. Mas é difícil você conviver com um diagnóstico desses. O engraçado, ocorreu-me agora, estamos morrendo a cada segundo e não nos damos conta disso! Vivemos muito bem obrigada!

Voltando, como eu estava questionando muito e ele estava ouvindo, o médico que estava no biombo ao lado, deveria ser o chefe da equipe. Não o professor, que era meu médico e como não era plantão dele aquele dia, daí o porquê de eu estar com outro médico. Ele subiu sobre o biombo e nos gritos começou a dizer que ali no HU eles não tinham privilégios, que eu era como qualquer outro paciente, que se eu quisesse fosse num consultório particular que a cirurgia seria feita na mesma semana.

Em prantos eu olhei para ele e disse que eu não queria privilégios. O médico que estava comigo também concordava, mas ele não ouvia. A raiva dele era incontrolável! Na hora, eu olhei para ele e disse, que eu estava apavorada, que eu estava com câncer, que eu estava condenada! Bem dramático, como a situação exigia! Não sei o que houve, ele sentou-se em sua cadeira e continuou a consulta dele. O médico que estava comigo, ficou tentando consertar a besteira e consolar-me, mas tinha pouco o que dizer.

Bom, resumindo, os anjos intercederam por mim e quatro meses depois eu estava sendo operada. Faria uma tireoidectomia total.

No hospital, que não foi o HU, mas pelo SUS, parecia que eu estava com tratamento VIP, cheguei a perguntar se era paciente mesmo do SUS.

Após a cirurgia, até a pronta recuperação da anestesia, eu fiquei muito mal. Estava com um dreno e não respirava, só fui melhorar depois que o anestesiologista veio ver-me e explicou-me sobre o dreno. Ele havia esquecido de dizer-me que iria se colocado um dreno, quando conversamos antes da cirurgia. Eu sou daquelas pessoa que se consegue convencer rapidamente com uma boa argumentação lógica.

Outro fato que não me sai da cabeça no pós operatório, foi a visita de meus filhos. Eu ainda estava naquele período de falta de ar. Eu tentava me acalmar por causa de seus olhares apavorados por causa do meu sofrimento. Foi muito triste!

No dia seguinte, na hora da visita médica, quem veio me visitar? Sim, aquele médico que gritara comigo no consultório. Na hora eu pensei: estou morta! Ele super constrangido, diferente daquela besta-fera daquele dia, disse para mim: “D. Darlene, eu fiz a tua cirurgia. A cirurgia foi um sucesso. Se Deus quiser a senhora está curada! A partir de agora, sua sobrevida é igual à que era antes do câncer, pode confiar!” Pegou na minha mão e aquele aperto de mão era um misto de pedido de desculpas e alegria. Eu, em prantos, segurei a mão dele e agradeci, de fundo do meu coração. Quis o universo que aquele que parecia ser meu algoz, tornou-se meu anjo salvador!

É claro, que a gente sabe que uma vez aberto as comportas, se não se cuidar a água vai entornar toda. E uma das coisas que sabe-se com certeza quase absoluta, câncer é uma doença de fundo emocional. É quando você joga a toalha por causa de alguma mágoa não digerida. Existem pesquisas e mais pesquisas comprovando isso. Se o médico errou ao tratar-me como tratou, eu errei em tratar-me como eu me tratara até ali. Ele só fez o que eu fizera comigo até aquele momento! E aquele aperto de mão e a cirurgia que nem aparece a cicatriz de tão perfeita, selou um pacto de mudança, creio que tanto pra mim, como pra ele.

Com certeza, toda mudança nunca é mágica e leva tempo para chegar a sua plenitude. Ainda estou meio que às voltas com muitas mazelas ainda, sou humana. Entretanto, com toda a certeza, aquela pessoa amarga, depressiva, derrotista, fracassada, foi-se com a tireoide e o câncer. Como disse, sou humana e tenho altos e baixos. Muito mais altos que baixos, não porque tornei-me Polyana ou minha vida tornou-se diferente do resto da raça humana. Tenho mais altos que baixos porque entendo que “o sofrimento existe, no entanto, a dor é opcional” e escolho a cada momento ser feliz!

E num dia como hoje, torno-me uma das pessoas mais agradecidas e felizes do planeta. Tenho duas datas para comemorar: meu aniversário de entrada nesse planeta maravilhoso que será mês que vem e meu aniversário de sobrevida! Londrina/19/06/2009

Darlene Polimene Caires
Enviado por Darlene Polimene Caires em 19/06/2009
Código do texto: T1656662
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