HEGEL, Ensaios Filosóficos
A Revolução Francesa fascina jovens leitores de Rousseau, que tem do Movimento uma visão romântica. Dentre eles, está HEGEL, para quem a civilização grega, o Império romano, o Cristianismo, a Reforma Protestante etc. são os meios para se compreender o Presente; o qual, para ser explicado carece de que as suas contradições sejam estudadas.
É uma época cheia de paradoxos, tida como a da Instauração da Razão e da Liberdade, conforme fora pregado no Iluminismo. Contudo, o descambamento da Revolução para o Terror e para a volta da Monarquia, através de Napoleão, sinaliza a NEGAÇAO dos Ideais Revolucionários.
E por quê? Qual será a articulação histórica desses fluxos e refluxos. Em busca da resposta a essa questão, HEGEL inicia seu sistema filosófico. Seu objetivo é claro: compreender o Presente a partir da explicação da História ter tido certo desenvolvimento e não outro.
O que é a Realidade? Para o Pré-Socrático HERÁCLITO é o Movimento (ou Devir) Perpétuo. HEGEL abraça essa concepção e adepto, então, da “Eterna Mudança”, um de seus objetivos iniciais é julgar se os sistemas Filosóficos existentes conseguem explicar esse Movimento Continuo, ou, se ao contrário, separam-no em compartimentos imóveis, fazendo da Mudança (ou Devir) aquilo que só expõe a relativa estabilidade da Realidade, nos diversos momentos em que se mostra ao nosso Entendimento. Efetivamente, para vários pensadores, em contraponto à Mudança, vigora a crença na Estabilidade da Realidade; mas para HEGEL, o que importa é a característica da “Mobilidade da Realidade” ser um Processo. Para ele será preciso entender o modo como esse processo ocorre e, principalmente, quais as condições que levam às modificações e, também, quais os objetivos (as finalidades) que as mesmas têm. Mobilidade que vai desde a simples Percepção pelos Sentidos até as Revoluções Políticas. E, ainda, as suas Leis. E isto tudo para se entender a Realidade (ou o Real).
Tal processo começa com a apreensão consciente do Sujeito, que passa a admitir que haja um Devir e que ele, sujeito, está frente à Mudança Perpétua e que, simultaneamente, faz parte da mesma. Grosso modo seria como se um indivíduo visse um rio e que está dentre desse rio. Essa compreensão, por sua vez, também é um Processo que se forma com a trajetória que faz a Consciência quando trabalha para compreender o Mundo e a Si mesma.
Em seu primeiro livro, “Fenomenologia do Espírito”, de 1807, HEGEL procura mostrar essa trajetória visando explicar as etapas que a Consciência percorre. Pretendeu, ao afirmar que a Consciência Individual, após cumprir várias etapas, inseria-se voluntariamente no Todo e que era dessa forma que ela atingia o Absoluto. Em outros termos pode-se fazer o fluxo da Consciência da seguinte forma:
1° - A Consciência afirma-se como “diferente (ou distinta)” daquilo em que antes era só uma parte.
2° - A Consciência percorre um caminho que é marcado pelas circunstâncias históricas concretas. Ou seja, os fatos que ocorrem fisicamente, concretamente.
3° - Durante esse caminho, a Consciência se abastece de Saberes que a tornam Consciente de Si Mesma (que é um individuo) e consciente do Todo; do qual, antes, se desprendera.
4° - Novos e maiores Saberes levam-na a se reinserir voluntariamente no Todo, pois passa a Saber, que ela NÃO é apenas uma parte do Todo, mas é o Próprio Todo.
Recorte – disso advém a afirmativa de que: “Todo o Real é Racional”, pois esse trajeto para a compreensão, não adviria dos Sentidos (tato, audição, visão, paladar, olfato), mas tão somente do Raciocínio, do exercício intelectual. A realidade está além dos Sentidos, que só captam os fenômenos, ou as simples aparências.
Fica claro que para chegar a essa conclusão, a Consciência teve que percorrer todas as etapas, o que é raro de acontecer; pois a maioria dos Indivíduos (ou das Consciências) se contenta apenas com o Mundo dos Fenômenos, ou com o Mundo Físico, Concreto; o qual, os Sentidos conseguem captar. Para aqueles raros, só após terem cumprido esse caminho sensível (ou físico, concreto) é que poderão refazê-lo nos Plano Intelectual. Assim, a proposta do livro “Fenomenologia do Espírito” inclina-se, em sua essência, para a retrospectiva e, por isso, a importância da História.
Segundo o filosofo, existe um emaranhado primitivo onde as coisas e as Consciências se confundem. Porém, é dessa barafunda que aparece a primeira etapa do trajeto que a Consciência percorrerá. Ali, a Consciência passa a se afirmar como Individuo separado do Todo. Será a 1ª OBJETIVAÇÃO, que ainda fica no nível dos sentidos. A Consciência SENTE as outras coisas. Contudo, essa AFIRMAÇÃO DA CONSCIENCIA é também a NEGAÇÃO da TOTALIDADE (de estar inserida na Totalidade), onde antes esteve inserida e amalgamada com as Coisas. A Consciência já é o que PERCEBE e, portanto, diferente daquilo que é PERCEBIDO.
Porém, no REINO das SENSAÇÕES (ie, daquilo que os sentidos captam) só existe o Presente imediato. O aqui e agora. As sensações se sucedem continuamente e sempre se negando mutuamente, como, por exemplo: a Sensação: “é dia”, logo é negada pela Sensação: “é noite”.
Essa insuficiência das Sensações para identificar qualquer Coisa, só será superada pela evolução da PERCEPÇÃO para um nível mais alto: o da REPRESENTAÇÃO INTELECTUAL. O Presente imediato é substituído pela formação de um CONCEITO sobre cada coisa. O Conceito, por ser o resultado da equação:
Percepção pelo + Processamento feito
Sentidos Intelecto = CONCEITO
Já não sofre as variações de antes. E é então que se torna possível a elaboração das Leis que regem os Fenômenos. Assim, são formadas as CIENCIAS NATURAIS, que se constroem pela NEGAÇÃO dos dados meramente Sensíveis (aqueles captados pelos Sentidos) os quais são ultrapassados pelas chamadas DETERMINAÇOES GERAIS. Nessa etapa, reina o ENTENDIMENTO, ou seja, a FORMAÇÃO DO CONHECIMENTO POSSIVEL para a Consciência que “VIVE” naquele tempo.
A Consciência detém o CONHECIMENTO, que é, principalmente, a constatação e a apreensão das LEIS NATURAIS, e por isso se vê como quem fez estas Leis. Ou, pelo menos, como quem SABE dessas Leis da Natureza; portanto, separada dessa mesma natureza. Aqui, HEGEL, usa a seguinte denominação: CONSCIENCIA DE SI.
Pois bem, durante a formação da CONSCIENCIA DE SI (ou seja, o Individuo “está fora” do Todo em que antes estava inserido), a Consciência também forma os OBJETOS PARA SI e pretende que sejam seus. Ela se imagina como “Algo” que pode reinvindicá-los; quer apropriar-se das Coisas. Como exemplo dessa necessidade, observa-se o quanto todos os Indivíduos “querem” no convívio social.
Mas de onde vem esse Eterno Querer (que em Schopenhauer veremos com maior detalhes)? Para HEGEL, da necessidade de ser reconhecido pelo outro. De observar o poder que se tem em comparação ao outro. Carros são bons exemplos desse fato: todos cumprem a função de transportar, mas sempre se desejará o mais bonito, o mais rápido etc. A posse do melhor não é só uma questão de conforto, mas uma maneira de ostentar que seu proprietário é “mais” que o outro. A aprovação do outro, além de acariciar o ego, também cumpre a função de consolidar o status social. De reafirmar quem é o “Poderoso” e quem é o “Frágil”.
Essa é, de fato, uma função importantíssima para desenhar o formato da Sociedade, vez que o Poderoso e o Frágil só o são quando comparados um com o outro. Essa relatividade, HEGEL, expôs magistralmente em “A Fenomenologia do Espírito”, na parte em que coloca a “Dialética do Senhor e do Escravo”. O Senhor é o “Senhor” porque venceu suas batalhas contra “Outros” e passa a se achar com o “Direito” de ser visto pelo Escravo como seu “Senhor”. Afinal, ele tem poder de vida e morte sobre o Escravo e pode obrigar-lhe a vê-lo assim. Mas, o escravo não é apenas um espectador: se ele não fosse Escravo, o Senhor não seria “Senhor”. Daqui se desprende outro fato: A LIBERDADE SUBJETIVA, ou, a LIBERDADE RELATIVA, porque ela só pode existir mediante a dominação do outro. Porém, em certos casos, a LIBERDADE SUBJETIVA busca negar que é dependente da Sujeição do Outro, mas não há como negar tal dependência e, então, só lhe resta abandonar o MUNDO OBJETIVO (físico, concreto) e se ater ao puro SUBJETIVISMO, ou INDIVIDUALISMO.
São raros, mas existem aqueles que se desapegam dos bens materiais e no Interior (Subjetivo) de seus “EU” são livres. A esse estado HEGEL chamou de CONSCIENCIA INFELIZ (vide abaixo, o porquê dessa denominação). Este tipo de Consciência se encontrará no ESTOICISMO da Antiguidade e, depois, na Idade Média, quando o intenso apelo religioso levou ao aumento no número daqueles que se desvinculavam do Mundo Objetivo, da matéria, para seguirem o Cristianismo.
Outro produto desse SUBJETIVISMO ou EGOCENTRISMO é o FORMALISMO MORAL, ou seja, aquela Moral que não leva em consideração os aspectos materiais, focando-se apenas no ponto de vista FORMAL. A moral de KANT é um bom exemplo disso. Talvez, aliás, o maior, na medida em que ela afirma o impasse entre PENSAR e AGIR. O homem, assim dividido, fica preso à angústia de pressentir que o que “tem de fazer” é contrário ao que sua Moral dita como correto. Por isso, também, a CONSCIENCIA LIVRE SUBJETIVA é qualificada como INFELIZ, pois:
A liberdade que se desfruta interiormente colide com as circunstâncias do exterior. E para que esse impasse seja vencido, segundo HEGEL, é preciso que uma etapa posterior reconcilie a Consciência consigo mesma. HEGEL numera essa etapa como a terceira e é quando o Espírito (ou Consciência) reencontra o “SI”, mas agora em um plano superior.
A Consciência (ou Espírito) ao percorrer seu caminho, formando, pois, a sua história e ultrapassando Estágio das Coisas Materiais volta a se encontrar e a se ver como parte do Todo. Porém, já não se vê diluída na Totalidade; a Consciência, que já se sabe uma Individualidade (o em “SI”), de real significação, adentra e se junta ao Todo de maneira voluntária. A Consciência faz um movimento circular, voltando, pois, ao inicio.
Recorte Não se pode deixar de notar que HEGEL cobriu com outras palavras a idéia do Hinduísmo (e de todas as religiões que lhe são derivadas) de que a Alma (ou Atmam) separa-se de BRAHMAN (ou de Deus, ou do Espírito do Mundo etc.), aprimora-se e volta a BRAHMAN.
Voltando, porém, ao Filósofo, tem-se que o Espírito (a Consciência de Si) não mais se opõe ao Todo. Ou, segundo HEGEL, ao Mundo. O Espírito passa, então, a ser “EM SI” e “PARA SI”. Superou, portanto, a CONSCIÊNCIA SUBJETIVA (a individualização) para “entrar” no ABSOLUTO; sem, contudo, perder sua Identidade. Também ELA é, agora, o próprio Absoluto; ou melhor, compreende o que é esse ABSOLUTO. E o Absoluto, para HEGEL, é o que resulta de um processo histórico cheio de contradições. E é durante esse Processo que o Espírito vai se mostrando.
RECORTE Mas há que se questionar o que é, efetivamente, esse Absoluto; visto que aqui o filósofo o coloca como sendo apenas o produto da trajetória da Consciência. O Absoluto existirá por si? Ou o que existe é o Espírito, (ou Consciência)?
Embora incompletas, a Religião e a Arte, tentaram revelar o que é esse Absoluto e levar a sua Idéia aos Homens. Tentaram mostrar o quão relativo e efêmero é o Mundo das Aparências e que os Homens deveriam buscar a Essência e não só os fenômenos. Para HEGEL, ambas falharam, pois só a Filosofia pode dar à Consciência os meios de realizar sua vocação (sic) de compreender a Totalidade.
Durante a caminhada do Espírito observa-se o que permite que a história do mesmo seja dinâmica, porque é movida pelas contradições. Contradições, que outros Pensadores rejeitaram com ênfase por acreditarem que ela seria contraria a formação da Verdade. É comum que indaguem: como algo pode tornar-se outro?
Para HEGEL e alguns predecessores e seguidores, o que acontece é que a Realidade (ou o Real) admite a sua própria Negação: “Existir é Negar-se para tornar-se Outro”. Nesse ponto, HEGEL aproxima-se, definitivamente, de Heráclito, para quem a Realidade é o Devir, ou o Movimento Contínuo, ou o Movimento dos Contrários.
RECORTE Aqui cabe a questão: quem ou o que iniciou esse Movimento Contínuo? HEGEL silencia sobre a questão.
E esse transformar-se não é aleatório. Obedece a certas regras e, por isso, tem certa Lógica (novamente, quem o que fez tais leis?). Obvio que não se trata de uma Lógica tradicional, onde duas posições antagônicas confrontam-se irreconciliáveis. Se assim fosse, o Real (ou a Realidade) não teria esse seu formato, que nasce justamente da contradição dos opostos. E aqui a contradição não significa duas posições contrárias e imóveis, pois a Negação surge da Afirmação e entre ambas há uma relação de enfrentamento; o qual é, de fato, positivo, pois será dele que surgirá uma terceira e mais perfeita forma: a Síntese. Essa mantém os opostos e simultaneamente os supera.
A Lógica Tradicional, com apenas dois termos, é a da Imobilidade, exigindo, necessariamente, que se opte pela Afirmação ou pela Negação; sem considerar que ambas são partes de um Processo. Em HEGEL, vê-se a Lógica contendo três termos: Tese (afirmação), Antítese (negação) e a Síntese que é o produto do embate das duas anteriores. HEGEL chama a “sua” Lógica de “Dialética”.
Recorte - a palavra "Dialética", para Platão significava o confronto de Idéias ou a comparação de opiniões, através do Diálogo, para que desse embate surgisse a Verdade. Para Aristóteles, o termo significava o movimento de ascensão desde o plano sensível (aquilo que é captado pelos sentidos) até o plano inteligível (da representação ou do exercício intelectual). Ai, então, abandonar-se-ia as singularidades de cada coisa para se focar apenas na generalidade daquela classe (ou espécie) de SER, atingindo-se, pois, a Essência do mesmo. Na Idade Média, a palavra “Dialética” transformou-se em “Disputatio”, ou seja, a disputa de opiniões. Opiniões, que em vários momentos eram puramente teóricas, sendo o vencedor aquele que gerasse melhores argumentos. Quase que um retorno aos Sofistas gregos. Era essa vitória a finalidade do embate e não a revelação da Verdade.
Com HEGEL, o sentido do vocábulo volta a ser o de Platão. Pressupõe o embate entre as divergências para se chegar à pura Verdade. Porém, HEGEL avança um pouco mais e a Dialética já não é um simples método ou uma lógica. Seria, mais, uma Ontologia (ou Teoria do Ser). Não seria só “a maneira correta” de se pensar (ou especular) sobre a Realidade. Seria, antes, a estrutura, ou o arcabouço, da própria Realidade em seus vários aspectos. Ou seja, o Real é formado a partir do choque de forças contrárias, do que resulta outra força. Mal comparando, seria o Real (ou a Realidade), o produto acabado da manipulação das formas imperfeitas que formavam a tese e a antítese. Outro exemplo: as cargas negativas dos Prótons (tese) versus as cargas positivas dos elétrons (antítese) produzem as moléculas, os aminoácidos etc. (a síntese).
Na “Fenomenologia do Espírito”, HEGEL afirma que ao passar pelas diferentes etapas, onde e quando nega o estágio anterior, o Espírito (ou Consciência) ao chegar ao termo final, tornando-se parte voluntária e consciente do Todo, passa a ser a Síntese de todas as Afirmações e Negações anteriores. Desse modo, é o Espírito que é Dialético e não o seu estudo.
Conforme está implícito no titulo de sua obra “Fenomenologia do Espírito”, o método de HEGEL é fenomenológico; isto é, consiste no estudo dos Fenômenos; ou seja, daquilo que para outros Pensadores, pode ser percebido, pensado e tomado como objeto de estudo. Mas ao contrário de outros Filósofos, para HEGEL o Fenômeno NÃO está desassociado de sua Essência. Como, aliás, afirmam Kant e outros que seguem uma linha platônica. Para ele, o Fenômeno está ou “É” inteiro; Essência e Aparência são absolutamente conjuntas (a Fôrma, ou o modelo, embutida nas Coisas, cf. Aristóteles?).
Sendo assim, enquanto se estuda o Fenômeno, está-se pesquisando concomitantemente a Totalidade (a essência) daquela Coisa. Todavia, essa concepção de Essência e Aparência juntas, não poderia ser aceita pela velha Lógica, que, também, não aceitava o Devir, ou o processo de transformação contínua. Por isso que HEGEL, em sua “Ciência da Lógica” NÃO foi econômico ao expor seu conceito de Dialética. Ali, ele já a aponta como a estrutura básica do Real (ou da Realidade), não a restringindo aos aspectos formais do Conhecimento. Já expõe o Movimento da Realidade, tal como ela se mostra ao Pensamento atento ao encadeamento dos Fenômenos.
A Dialética também não seria apenas um método para interpretar os Fenômenos e as maneiras como eles ocorrem. A forma e os fenômenos se dão em conjunto com a Realidade. Aliás, para HEGEL, é esse Sistema de Articulação que engedra a única Estrutura possível para que se entenda a Realidade.
Para o filósofo, as várias Ciências e Manifestações Culturais – inclusive a Filosofia – são assuntos que só podem ser estudados pela ótica Dialética, pois são esses assuntos que formam a Realidade Natural e Cultural, as quais, também, são formadas dialeticamente; ou seja, são os resultados de suas teses versus suas antíteses. São as sínteses.
Destarte, cabe ao filosofo refletir retrospectivamente (estudando as teses e antíteses que lhes são o arcabouço) sobre os conteúdos que as formam. Nesse sentido, a Lógica (a lógica Dialética) é inseparável do Real (ou da Realidade); ou seja, porque o Real é dialético não poderia ser diferente do que é. Não poderia ser ilógico (dialeticamente falando).
Em “A Ciência da Lógica”, HEGEL não pretendeu fazer um Manual que ensinaria a maneira de impor Racionalidade às Coisas, pois as “Coisas” que formam a Realidade já são, por si, racionais, na medida em que são produtos dos embates entre tese versus antítese. São as Sínteses advindas do exercício intelectual, do Raciocino (por isso, novamente, Todo Real é Racional e tudo que é Racional [fruto do raciocínio] é Real). Na obra, vê-se a Sabedoria, que é a Consciência em seu sentido mais amplo. É o Conhecimento do Absoluto e que este é Razão (ou Racionalidade). Outros filósofos, como FICHTE e SCHELLING, já haviam tido essa percepção, mas insistiram na Idéia de que o Absoluto tinha uma forma fixa, independente dos Raciocínios individuais.
Para HEGEL, o Absoluto é “Orgânico”. Um “Todo” articulado. Nessa obra, pretendeu expor, justamente, essa articulação no nível mais abstrato, sem se importar com os conteúdos; mas sem esquecer que cada momento dessa articulação é composto pelo concreto, físico. Ou seja, a articulação é condicionada e formada pelas condições materiais, históricas.
Nesse ponto, aliás, sua posição diverge daquela que é apresentada na “Fenomenologia do Espírito”, onde o Absoluto é buscado no exterior. De fora para dentro. Através da trajetória material é que o Individuo forma a sua Dialética que lhe permitiria chegar à sua Síntese e ao seu Absoluto. A Consciência tinha que “sair” do Todo, fazer seu caminho e, então, regressar ao Todo, só que preservando sua individualidade. Ou, então, a Consciência reencontrar-se como Razão (exercício intelectual). Encontro necessário, pois se deve diferenciar a Consciência e a Razão, posto que a primeira se manifesta em tudo – até nas formas mais primitivas de vida – enquanto que a segunda só ocorre nos Seres mais evoluídos. Como o Homem (sic), por exemplo.
Essa diferenciação, também, já fora pensada por alguns filósofos Românticos (dentre os quais, de novo, SCHELLING) os quais, porém, não a explicitaram. Para HEGEL, a Razão (Dialética) seria o principio das Coisas – ou seja, através do embate entre tese versus antítese, de seus elementos primordiais. Por isso, as “Coisas” não seriam inacessíveis ao Pensamento, posto que ele próprio também “É” constituído dialeticamente e, então, ao se conhecer, estaria apto a compreender o restante, bastando que se livre das futilidades cotidianas e adentre ao âmago de tudo para que consiga captar a Razão das Coisas e dos Seres e, dessa sorte, chegar ao Absoluto.
Na “Ciência da Lógica”, HEGEL, não se importa, como na “Fenomenologia do Espírito”, de expor as “Aparições” do Absoluto. Ao contrário, ocupa-se mais em sistematizar a exposição desse Absoluto. O que lhe importa é desvendar o “Ser” que subjaz em cada aparição.
O Absoluto, para HEGEL, é algo que NÃO está além da capacidade humana de ser percebido, ao contrário de outros filósofos que dividiam o Sujeito e o Objeto. Aliás, para ele, essa divisão é apenas temporária. Dura apenas o tempo necessário para que a Consciência faça a trajetória que a leve ao autoconhecimento que a fará ver-se como Absoluto também. Assim, o ABSOLUTO é auto conceber-se e, portanto, isento de quaisquer Relatividades.
O objetivo final da “Ciência da Lógica” é avançar para além da Separação entre Sujeito e Objeto, Conceito e a respectiva Coisa. Auto conceber-se, na verdade, é ser Sujeito, mas não aquele Sujeito que se vê como diferente de seu Objeto; ao contrário, é, sim, ser Sujeito que se reencontra ao incorporar o Objeto, formando uma Totalidade que ultrapassa as oposições vigentes no Mundo dos Fenômenos.
A “Ciência da Lógica” não se propõe a explicitar coisa alguma de certo Objeto. Mas, efetivamente, a explicitar a Si Própria; isto é, o Espírito (ou Consciência) reconhecendo-se como Totalidade.
Para HEGEL, a “Idéia Absoluta”, (ou o Espírito ou Consciência) ao reentrar voluntariamente no Todo, sabendo-se o próprio “Todo”, é (ou deveria ser) o único Objeto (de estudo) e o conteúdo da Filosofia. Todavia, para que o Espírito adquira a Ciência de que ele é o Absoluto, é preciso explicitar o que é este “Único Objeto e Conteúdo” da Filosofia nos diversos momentos do Auto Conhecimento; ou melhor, naqueles instantes de Auto Revelação que formam as Produções Culturais, ou a Ciência, ou a Arte, ou a Religião e a Filosofia. É mister analisar essas Produções, pois são os conteúdos concretos (físicos, materiais) das mesmas que dão forma e representam o “esqueleto” ou o arcabouço da Teoria Abstrata (ou Mental) que o Espírito (ou Consciência) fez e faz até que compreenda que Ele não é distinto (separado) do restante das “Coisas”.
Em sua obra “A Enciclopédia”, de 1817, HEGEL retoma a marcha que o Espírito faz em seu processo de realizar-se através do Conhecimento, até que esse trajeto termine com a Consciência sabendo que ela própria é o Absoluto. Ali, o filosofo não se propõe a fazer uma síntese do Saber. Ao contrário, quer (e aqui similarmente a Kant) demonstrar a forma, a estrutura do pensamento aplicado (ou direcionado) aos diversos Objetos (que analisa, estuda). Os conceitos resultantes desses estudos e, também, os objetivos e os rumos da organização do trabalho humano. E, ainda, as características da ordem social e a relação existente entre a História e as manifestações culturais. Em tudo, HEGEL aplica a Idéia chave de seu pensamento: que tudo que existe foi formado através do processo dialético. Ou seja, que tudo é formado a partir do confronto entre tese x antítese = síntese.
Nessa obra, HEGEL volta às reflexões anteriores e deixa um pequeno vislumbre do rumo que seu pensamento tomará. Na primeira parte, fala sobre a “Sua” Lógica como instrumento de análise do Saberes de cada Ciência. Na segunda parte, dedica-se à Filosofia da Natureza, onde procura ordenar dialeticamente (tese x antítese = síntese) os estudos dos Físicos e doutros cientistas, esmiuçando suas teorias e buscando compreender filosoficamente os caminhos que são usados, os obstáculos enfrentados, as mudanças e como se desenvolve o acréscimo de compreensão sobre as mesmas sobre seus Objetos de estudos. Aqui, não seria errado usar o termo “Epistemologia”, para definir sinteticamente sua obra.
Primeiramente estuda a Mecânica no que ela tem de rigor e expressão matemática. Depois, a Física, vista sob a luz dos processos dinâmicos e, por fim, adentra no campo que chama de “Física Orgânica”, na qual estão embutidas a Biologia e a Geologia. Só na terceira parte é que se debruça sobre a “Filosofia do Espírito (ou Consciência), quando, então, expõe seu “método” dialético como sustentáculo do desenvolvimento cultural. Nesse ponto, busca compreender como acontece o “Movimento Contínuo (ou Devir)” do Individuo e da Sociedade em que ele está inserido. Como ambos constroem suas Liberdades. Volta, então, ao ponto em que o Espírito (ou Consciência) se firma como Individuo, desfrutando da Liberdade de não mais estar “preso” ao Todo. Porém, essa “Liberdade” NÃO pode ser desfrutada individualmente (ou Subjetivamente), pois ela só acontece de fato quando outros indivíduos “livres” interagem
Recorte – aqui, cabe a questão: e por que não? Por que não se pode ser livre subjetivamente? HEGEL silencia quanto a isso, mas o autor deste artigo arriscará a opinião de que também a Liberdade é Relativa, pois só existe em oposição ao “Aprisionamento” dos outros. Assim sendo, a interação com outros “livres” serve para consolidar a situação de Oposição, posto que, se apenas um Individuo fosse livre essa condição não poderia sequer ser conceituada, ou denominada: Liberdade.
E é, já na família, que o Individuo encontra a primeira Negação de sua Liberdade e Individualidade. Escapou do Todo, mas não é um Individuo. Será antes, o filho de fulano, o irmão de beltrano etc. Quanto à sua liberdade, verá que foi tomada pelas normas e interesses familiares. Porém, é na família, por outro lado, que ele será visto como Individuo apto a integrar um agrupamento. Mas a família é restrita por ser um agrupamento pequeno e sempre dominado pela hierarquia de parentesco, que suprime do Indivíduo a sua realização como tal. Ele sempre será, como se viu, o filho de fulano etc. Então, será somente no ESTADO que se dará a síntese entre Indivíduo e Coletividade. Aqui, os interesses e a hierarquia familiar se anulam e o Indivíduo recupera sua condição de Sujeito (Já não será o “filho de beltrano”, mas será o Sr. Fabio, por exemplo). E para assegurar essa Individualidade, “o Sr. Fabio” vale-se do DIREITO, das LEIS, que formam o arcabouço do que se chama Pátria. Então, legalmente, passa a ser reconhecido como um Indivíduo.
Recorte – é oportuno notar que HEGEL não alude à questão da liberdade do Indivíduo. Tanto na família, quanto no Estado, ele trocará parte dela pela segurança de pertencer a um agrupamento. Mas, note-se, que o que interessava a HEGEL não era discutir a liberdade, mas a individualização daquela “parte” que em certo momento se “desprendeu do Todo”.
Esse é o papel fundamental do ESTADO (das Leis) para que se assegure a plena individualização “daquela parte desprendida do Todo”. Esse Indivíduo agora é legal e socialmente (e, principalmente, em seu foro intimo) diferente e distinto da Primitiva Amalgama em que estava contido. É livre do antigo “Todo”, embora renuncie a parte de sua liberdade, como se viu.
Por fim, será oportuno discorrer sobre o papel da Arte, da Religião e da Filosofia sobre o Espírito (ou Consciência). A Consciência (ou Espírito) obedecendo permanentemente à ordem para que se reencontre consigo, vai além da matéria e busca noutras esferas esse encontro com ela mesma e com o Absoluto.
Escreveremos primeiramente sobre a Arte. Nela, o “Saber” se mostra como a face transcendente do Homem, que, através dela, livra-se da escravidão que o ata à matéria. Liberta-se (pressupõe e deseja) até da Morte, pois sua obra lhe sobreviverá por muito tempo. Todavia, o tipo de Arte determinará, por si, o quanto de liberdade o artista terá para esquecer-se das determinações do físico. Por exemplo, no caso da Escultura ou da Arquitetura, o Homem sofre o jugo da maleabilidade e resistência da rocha, do concreto, do aço etc. Já na música e na pintura, esse jugo será mais suave com o conseqüente aumento da liberdade do Artista, posto que ele já não dependa tão diretamente da matéria concreta. Porém, ainda assim, terá certa clausura por ter que seguir algumas regras elementares e necessárias para ser compreendido (e, admirado). Apenas na Literatura a liberdade será quase total; pois, ainda que existam as regras ortográficas, métricas etc. ao tirar da palavra o caráter de som e lhe dar apenas a incumbência de ser o veiculo que transporta pensamentos, emoções, sentimentos etc. automaticamente estar-se-á dando-lhe abrangência infinita, vez que sua carga (os pensamentos, emoções, sentimentos etc.) também é infinita. Contudo, a Arte é apenas um momento do Espírito, o qual tem que se acomodar ao material (pedra, cor, palavra etc.) que utiliza para expressá-la. Ou seja, a ARTE é EXTERIOR ao ESPÍRITO. Ela, a Consciência, pode concebê-la intimamente, mas a executará externamente. O Espírito “terá que sair (sic) de si”.
Já na Religião, acontece o contrário. Não será o Espírito que “sairá de sua toca”; será o deus em que acreditar que virá (principalmente através de pregações, rituais e quejandos) até ele. Todavia, a relação com a divindade, em certas crenças, também não dispensará a “ida” do Espírito até o deus que se mostra em forças da natureza, animais e outros. Aliás, esse fato pode ser observado até na Grécia Clássica, quando os deuses, claramente antropomórficos e arquetípicos, não permitiam qualquer abstração pessoal ou subjetiva. Já em religiões, digamos mais evoluídas, como o Judaísmo, ou Cristianismo e o Islamismo fica claro que é a deidade, por ser Abstrata, quem “caminha” (mesmo, como já se disse, através de pregações de terceiros, rituais e outros) até o crente. Para HEGEL, aliás, nesse quadro, a melhor expressão é o Protestantismo, que por não ter qualquer ritual permite que cada Indivíduo conceba o “seu” deus. Seria, então, o máximo de proximidade entre o crente e o divino. A Consciência e o Divino, intimamente ligados, permitindo que o Homem transcenda sua condição através dessa experiência subjetiva (ou individual, ou pessoal). Mas, precisamente, por se realizar no plano individual a Religião também não passa de um momento (ainda que duradouro) do Indivíduo. E, por essa condição é que não permite que o Espírito se integre ao Absoluto; o qual, o crente busca como um IDEAL e NÃO como a Realidade Presente. Na Lógica (Dialética) corresponderia ao “Para Si”.
A Totalidade, ou o Absoluto, só poderá ser alcançado após ser ultrapassada a barreira que poucos e raros vencem (afinal, o mundo fenomênico [ou da matéria] lhes é o suficiente): Filosofia. Será ela que sintetizará as duas etapas citadas anteriormente:
1ª – Em Si (na Arte) – quando o Espírito imerge totalmente na exterioridade. Ou, vulgarmente, “deixa seu casulo”.
2ª – Para Si (na Religião) – quando o Espírito aguarda passivamente (ainda que não pareça) a “visita” de qualquer deus que o faça transcender e, com isso, atingir a Verdade.
O verdadeiro Pensamento em Ato (ou em ação, sendo utilizado efetivamente) mostra que tanto a Subjetividade (ou individualidade, ponto de vista pessoal), quanto a Objetividade (ou opinião generalizada, de consenso geral) são meras fases provisórias. Também demonstra que a “Verdade” é inseparável ao Processo de Construção do Verdadeiro. Isto é, enquanto a Consciência busca apreender (captar) o Verdadeiro, a Verdade buscada já está presente nesse Processo de Aquisição, de Esclarecimento. E o “Pensamento em Ação” (ou a especulação intelectual, racional) sendo o material que se utiliza para a construção da Filosofia, indica que só ela é que pode juntar o Exterior e o Interior e, então, a Consciência (ou Espírito) compreende que tudo emana (sai) e retorna para ela. Não que o Tempo, a História a as Ações sejam ilusões, ou quimeras. Não, não são. São as “matérias” que o Espírito utilizou para vencer as etapas de seu aprendizado. Na verdade, foram projeções do próprio Espírito que já gerava o Conhecimento de que ele próprio é o Absoluto.
Campinas, 15 de Junho de 2009
Ensaio elaborado a partir do texto final de BERNADETE SIQUEIRA ABRÃO, para o Livro “História da Filosofia” – Ed. Nova Cultural Ltda.