::: Lá debaixo da árvore . . .

Um tom acinzentado predomina na vegetação, a terra é seca, cobre-se de arbustos com folhas miúdas e hastes espinhentas. Troncos que mais parecem esqueletos de madeira estão espalhados por todos os lados, aqui e ali se destacam pontos com diversos tons de verde. O Sol está a pino, arde a 32 graus, o vento levanta uma poeira avermelhada. Adiante, tem uma árvore solitária, com sua copa razoavelmente grande, faz uma boa e refrescante sombra. Em meio ao intenso calor, é um alívio chegar àquele lugar, principalmente depois de andar um bom pedaço.

– É a seca. Esse tempo aqui é triste, sorte que tem esses pé de planta, que é verde por vida: Algaroba, pé de manga..., diz Seu Irênio Rocha, 63 anos, depois de observar a área ao redor, lá no final da Rua do Velame, em Umbuzeiro.

Com a expressão da face marcada pelo tempo e com o olhar ao longe, o agricultor fala com a autoridade de quem conhece aquela paisagem desde a juventude. Seu Irênio reconhece as plantas que permanecem esverdeadas durante todo ano e aquelas que “ressuscitam” quando a chuva faz inundar de verde alegria as matas e roças.

Ainda debaixo daquela sombra, que agora sabemos, graças ao Seu Irênio, ser de uma algarobeira, se observa algumas crianças brincando. O som do ambiente é formado por risadas e gritos dos pequeninos, pelo canto de uma variedade de pássaros e zumbidos de um inseto ou outro que voam por ali. De repente, o ruído, ainda distante, de uma buzina quebra a harmonia daquilo que se ouvia até então. Os pequeninos se alvoroçam.

– Êta! Ra-pa-du-raaaaa!, grita Amanda Nunes Silva, de nove anos, a criança mais alta do grupo, que chama atenção pelos seus belos e graudos olhos verdes.

– É, lá é vem!, comenta em tom mais baixo, a pequena e magrinha Larissa Renata dos Santos, também de nove anos.

O som da buzina vai ficando cada vez mais alto e próximo. Vem se aproximando um senhor, conduzindo uma carroça que é puxada por um jegue. Enquanto se aproxima apertando a buzina, o homem grita com uma voz rouca, mas vigorosa:

– Êta coisa boa! Rapadura boa e mel!

Ah! É um vendedor de rapadura, que a meninada identifica de longe, como as crianças dos bairros populares de Salvador reconhecem o sino chacoalhado pelos vendedores ambulantes de sorvete. É o Seu João Felipe da Cruz, de 71 anos, bastante suado e com a pele queimada pelo Sol forte. Lá vem ele, com seus óculos de armações quadradas e um boné azul, cantando para chamar a atenção de quem passa e de quem reside no povoado.

Seu João Felipe mora no município de Presidente Dutra, distante oito quilômetros de Umbuzeiro, lá no povoado Barro Branco. Ele é lavrador, trabalha todos os dias em sua pequena roça e, às vezes, na roça de outros, mas aos sábados – não todos – sai de casa às seis da manhã para vender rapadura e mel. Vende os produtos desde 1986 e, aos 71 anos, mostra que o trabalho não apenas lhe garante a ajuda para suprir as despesas da casa, mas lhe dá prazer, mesmo com toda dificuldade que a lida possa lhe impor.

– A gente luta moça!, disse, enquanto atendia a pouca freguesia, informando que uma barra da rapadura tradicional, por sinal bem grande, custa R$ 4,00 e que a rapadura com gergelim custa R$ 5,00.

Depois das vendas, toca a carroça, usando um galho fino e longo para atiçar o jegue.

Ainda ali, debaixo da sombra da algaroba, a vida continua desfilando. Vê-se o cotidiano de Umbuzeiro. Pode-se ver muitas coisas, desde a vegetação, com sua diversidade de componentes até a forma como a vida é vivida por cada pessoa, como Seu João Felipe.

(Fragmento do meu livro-reportagem: Povoado de Umbuzeiro - Histórias de Sertanejos da Região de Irecê - Bahia)

Ticiana Bitencourt
Enviado por Ticiana Bitencourt em 14/06/2009
Reeditado em 14/06/2009
Código do texto: T1648502
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