PROCURA-SE UM TEXTO

Estou tentando escrever e não consigo.

Às vezes as palavras fogem, o texto não se alinha e o pensamento divaga nas primeiras palavras impressas no papel. E nesta tentativa, moribulenta, como é a do homem no garimpo, as palavras, incapazes de formar uma frase, irão juntar-se às tantas outras jogadas no cesto já cheio de muitas descartadas.

Nesse vai e vem, uma pergunta se apresenta. O que fazer? Levantar, andar pela casa como um notívago vencido pelo medo da noite, por isso fica acordado, ou, como a maioria dos notívagos, sair pela cidade procurando inspiração que poderá estar num bar qualquer, numa cama de motel com alguém que nem sei o nome e que acordará sem saber o meu?

Não sei o que devo fazer.

Pensar num tema, dentre tantos outros que me fascina. Mas tudo que consigo é rabiscar novas sílabas que nunca formarão uma palavra.

Sou impotente sem paixão. É isso, perdi a paixão pelas coisas simples. Tornei-me complexo num mundo que dá valor a tudo. O ser humano virou mercadoria, a lei do mercado é o novo deus. “Chipizaram” as relações: namora-se virtualmente. Navega-se num mar onde as ondas não molham. O caminho é o site. Tudo, numericamente harmonizado num mundo do tamanho do mundo, mas que cabe numa telinha de 14, 15 ou mais polegadas para os mais afortunados.

Tento, juro que tento, entrar para esse clube. Mas nós não nos demos. Não entendo essa linguagem. Sou primata para tudo isso.

Onde vou parar? É preciso se conectar!

Estou tentando escrever e não consigo. As palavras desaparecem, o texto, desconexo, adquire forma. Mas que forma! Não vêem que é um texto abstrato. Picasso, com toda sua abstralidade, sentiria inveja. Monet teria que viver mais cem anos e pintar muitas Ninféias. Não teriam a criatividade que tenho; escrever isso só um louco. Tornei-me um louco?

Assim, nessa tentativa vã e a mente tomada por devaneios vindos sei lá de onde, como a criança nos seus primeiros passos, apóia-se a tudo que lhe possa sustentar, a mim só resta, tateando reminiscências guardadas no cofre da existência, como Nietzsche com seu Zaratustra, subir à montanha. E lá do alto, defronte ao abismo que se abre e o papel branco como a neve que cai e molha a moça que passeia, belamente como ao canto da sereia capaz de enlouquecer Ulisses, tento, humildemente, tal qual palhaço no picadeiro ou o equilibrista sobre a corda bamba, prender a atenção aos quais me dirijo. E sabedor das dificuldades impostas por um texto sem pé nem cabeça, nada mais me resta, a não ser, educado que sou, pedir desculpas e agradecer pela atenção dispensada. E como a um aventureiro, pego a estrada da inspiração para, quem sabe, mais a frente, noutra oportunidade, ou numa parada para o lanche, ter mais o que falar. E de mochila nas costas, dentro somente algumas canetas e um punhado de boas intenções, me despeço.

silvio lima
Enviado por silvio lima em 11/06/2009
Reeditado em 11/06/2009
Código do texto: T1644425
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