É a modernidade um trino deus?

A trindade do Estado Moderno é o tema deste ensaio e para realizá-lo apresento como referencia a obra “consequências da modernidade” de autoria do Sociólogo Britânico Anthony Giddens. A partir do texto poderíamos refletir sobre o fenômeno da modernidade e da globalização de maneira geral. Entretanto, preferi dedicar minha elucubração somente sobre suas dimensões e suas implicações nas sociedades atuais.

Mas afinal, que coisa é modernidade? Que poderes traz consigo? Que rastros deixa por onde passa? E de que se alimenta esse ser desconhecido e veloz? Os teóricos quando tratam dessa temática, via de regra ou se debruçam sobre a janela do capitalismo a exemplo dos marxianos, definindo ser as causas econômicas as grandes responsáveis pela mutação que o mundo tem passado, ou sobre a janela do industrialismo entendendo, como fazem os Durkheimianos, que o advento da indústria trouxe implicações tão grandes, que acabou por traçar os novos rumos da humanidade. Ora, de fato tanto o capitalismo quanto o industrialismo são fatos determinantes dessa nova condição, acontece que não são os únicos conforme a teoria “tetradimensional” Giddensiana.

O industrialismo que se configura como uma das molas propulsoras da modernidade pelo uso de suas fontes inanimadas de energia de toda ordem (elétrica, vapor, carvão) na produção de bens de consumo, não deve ser visto apenas como um brinquedo feio, sujo e barulhento que nada tem haver conosco, pois ele é de fato o resultado da interação humana com os recursos naturais e maquinaria. Parafraseando Giddens, “não se faz industrialismo só com máquinas.”

O advento da máquina e o aumento na produção de bens a partir desse instrumento impactaram significativamente na vida das sociedades pós século XVII, sobretudo pelas implicações que trouxe ao meio ambiente. Muito embora, por muito tempo, a Sociologia e o senso comum não tenham dado a devida importância a este aspecto.

O desenvolvimento industrial, motivado pela segunda guerra, provocou também a divisão internacional do trabalho (no tocante a tarefas, especialização regional dos tipos de indústria, capacitação e produção de matérias-primas). A guerra por sua vez favoreceu a industrialização de algumas áreas desprovidas de indústria e a desindustrialização de outras, principalmente as dos grandes centros capitalistas sufocados pelas teorias de John Maynard Keynes, pelas altas tarifações e pela mão-de-obra “cara”. Com essa estratégia, a exploração de mão de obra barata do terceiro mundo por exemplo e o descompromisso destes estados-nação com os impactos ambientais tornou-se um atrativo muito grande para as multinacionais.

Associada ao capitalismo, que fomenta a competição e se centra na relação de trabalho assalariado sem posse de propriedade com quem tem a posse da propriedade privada de capital, essa produção industrial em larga escala vai buscar novos consumidores em outros horizontes. Vai esticar seus braços de “polvo” para alcançar o objetivo onde quer que ele esteja e para isso, se fez necessário a introdução de mecanismos atualizados para permitir esse intercâmbio.

Um destes mecanismos é a introdução de “fichas simbólicas” (como dinheiro, cartão de crédito, cheques) e de sistemas peritos que proporcionarão o “desencaixe” das instituições de um lugar para “reencaixe” das mesmas em outro; em função da separação tempo-espaço, possibilitada pelo uso de tais fichas simbólicas e também pela confiança nos sistemas abstratos.

Assim, as fronteiras dantes tão fixadas, tornam-se hodiernamente cada vez mais maleáveis. Digo isso não no sentido da soberania de cada Estado, pois essa tem se tornado cada vez mais respeitada sobre tudo por conta da força bélica que faz dos Estados modernos, quer de terceiro, quer de primeiro mundo, mais equipados do que todos os exércitos das civilizações anteriores no controle e monopólio da violência.

E para quê serve esse poder bélico? Por mais contraditório que nos possa parecer, em tese, serve para afastar a ameaça da guerra e manter a soberania dos Estados-nação. E aí vale a máxima de Publius Flavius “si vis pacem para bellum” (se queres paz, prepara a guerra). Estes Estados, caracterizados pelo fluxo de armamentos de tecnologias diversas, caracterizado pela industrialização da guerra e utilização desta como recurso político, permitiu alianças entre superpotências, a ocorrência de guerras orquestradas e a “onipotência” desse Estado perante seus súditos e perante outros Estados, normalmente inferiores a ele em poder de fogo. É portanto a Onipotência um dos poderes dessa trindade que aponto. Nessa perspectiva, começamos a tratar de uma só vez da terceira e quarta dimensões modernas qual sejam poder militar e finalmente a vigilânica, que os Estados-nação tem desenvolvido no controle da informação e na supervisão da sociedade.

A vigilância que caracteriza esse fenômeno é o elemento que torna o Estado um ser “onisciente”, controlador e sabedor de tudo. Essa vigilância de que aqui tratamos não é apenas a vigilância direta do Vigiar e Punir de Foucault, mas também a vigilância indireta que embora seja maior que a do primeiro tipo, passa quase imperceptível diante de nós. É, portanto a supervisão das atividades da população, sobretudo na esfera política.

A modernidade, como todas as fases históricas, é marcada por descontinuidades. Não aquelas descontinuidades da transição de um período para outro em si, mas do conjunto de descontinuidades que são específicos de cada fase e distintos de todas as outras. As da modernidade dizem respeito à velocidade do ritmo acelerado das mudanças que ela provoca, dizem respeito à natureza das instituições que dela erigem e dizem também respeito ao escopo de todas as mudanças causadas na busca da interconexão global dos povos. O poder de alongamento das instituições modernas e o distanciamento espaço-temporal embutido neste, dão ao Estado condição de “onipresença” lhe permitindo a façanha de estar em vários lugares simultaneamente.

A sociedade moderna ao mesmo tempo que cria condições de segurança e confiança no sistema de suas instituições, gera em paralelo o perigo e o risco por possuir uma face sombria que esconde em si elementos negativos como o totalitarismo e oportunismo. É por esta face obscura, que a necessidade da reflexividade se torna aguçada.

Agora, também eu, me debruço sobre essa janela, na expectativa de vislumbrar qualquer indicio de uma conseqüência positiva desse trino deus tão desenfreado quanto o “carro jangrená” (para citar ainda Giddens), sem saber se a névoa que me cobre os olhos neste momento oculta a beleza e a tranqüilidade de um belo dia ensolarado ou me omite as trevas e perigos de uma noite longa e tenebrosa.

REFERÊNCIAS:

GIDDENS, Anthony: As conseqüências da modernidade.Tradução de Raul Fiker.São Paulo:Unesp,1991.

GIDDENS, Anthony: Sociologia.Tradução de Sandra Regina Netz. 6ed. Porto Alegre: Artmed 2005.

Gabriella Damasceno (acadêmica de Direito)