Para gostar de ler.
A relação com literatura como manifestação artística, apresenta características únicas, seja na sua abordagem ou, ainda, nos efeitos que proporciona. Existe uma atenção bastante pronunciada com relação à produção dos textos, quanto ao estilo, a forma e a utilização dos recursos na modalidade empregada, a saber, prosa ou poesia.
Esta preocupação tem acrescido valor relevante para o resultado obtido pelos produtores de texto. Entretanto, este é apenas um dos componentes da equação. O autor trabalhando sobre matéria determinada buscando capturar o interesse e apresentar um enredo que entretenha e provoque conseqüências para seu leitor.
Qual leitor?
O leitor é uma generalização entre inúmeros interesses e finalidades diante de um texto; na verdade, a leitura se dá por circunstancias tão diversas que as considerações sobre sua prática dificilmente caberiam numa definição consensual.
Conhecemos o leitor em formação, que busca através de leituras leves e ligeiras uma forma de introduzir-se na prática da leitura enfrentando poucas dificuldades. Nesta fase enredos lineares e personagens de baixo nível de complexidade facilitam o entendimento e estabelecem uma relação mais acessível à realização do autor.
A seguir teremos um leitor mais instrumentalizado com um número maior de leituras, porém, ainda incapaz de identificar elementos de narrativa e enunciado. Ele realiza a leitura seguindo o curso determinado pelo autor, mas não é capaz de atentar para as intertextualidades, elementos polifônicos, opções narrativas e as dimensões mais complexas do texto; sejam no fluxo narrativo ou na gênese das personagens.
Este leitor estabelece predileções de autoria e gênero, é capaz de dominar os recursos expressivos em determinado gênero literário, mas não encontra a mesma naturalidade fora da sua esfera de predileções.
Seguindo temos o leitor diletante, quase um bibliófilo. Ele transita por uma variedade de gêneros literários detém um interesse maior pela gênese e suas predileções consideram obras e uns poucos autores; mostrando uma relação importante. Este nível leitor está buscando uma experimentação diferenciada com a literatura.
Neste nível de leitura há uma relação direta com clássicos, livros e autores indicados, a época da produção tem relevância circunstancial e busca primordialmente a aquisição de uma acumulação literária de valor relevante.
O próximo leitor é o bibliófilo que tem um interesse concreto e tem a literatura como uma das suas principais atividades cultural. Ele possui um incontestável volume de leituras, aprecia alta literatura e está atento a crítica literária. Estamos diante de um leitor mais crítico que faz uma leitura de prospecção e investiga dentro das intertextualidades de forma natural, como conseqüência da leitura.
Ele é massa crítica na consolidação do exercício literário, está instrumentalizado para investigar a obra, e lê com interesse particular.
Apesar da curiosidade e interesse que ele tem em comum com alguns níveis de leitores ele busca uma relação pessoal, que provavelmente se funda no percurso das leituras individuais de cada leitor.
Não devemos desconsiderar as leituras que apóiam a formação e a graduação, que sendo leituras objetivas, acostumam o leitor a uma leitura linear que não contesta o seu conteúdo.
Esta modalidade traz a leitura como prática acumulativa, que apoiar uma determinada prática, uma forma de instrumentalizar determinadas áreas de conhecimento ou capacitação.
Apresentados alguns tipos de interesses para a leitura cabe ainda considerar a diversidade de textos disponíveis para o exercício do leitor.
Inicialmente, tratemos da prosa, que sendo uma modalidade de expressão literária direta e linear conduz seu leitor pelas vias construídas pelo autor, restringindo à materialização obtida pelos recursos de sua imaginação na construção da cena descrita.
O leitor submete-se ao curso de leitura do autor realizando elaborações a partir das intertextualidades disponíveis dentre seus recursos.
Este conceito é genérico, não poderia ser de outra forma, uma vez que este texto não se propõe a aprofundar estes temas. A alta literatura tem alguns exemplos de construção de textos que não corroboram com tal afirmação, porém, estes textos caracterizam as exceções no percurso.
A poesia estabelece seu curso para além do texto, seja na forma quanto as modalidades clássicas tradicionais, onde a elaboração é tão relevante quanto o que o texto pretende comunicar; seja na forma livre, onde também há grande valorização para os recursos empregados, figuras de linguagem, construção da pauta rítmica e a expressão obtida no curso da leitura. Porém, a poesia realiza um reconhecimento pelo que sugere, é necessário prospectar além do texto o que o autor inscreveu em suas camadas mais profundas.
Esta leitura é difusa, pois o texto, devido ao emprego dos recursos estilísticos, sugere inúmeras leituras e conecta-se com uma prática que conduz seus amantes a uma leitura mais elaborada, com a utilização de maiores recursos de análise.
As intertextualidades e citações são elementos de destaque na elaboração do efeito de reconhecimento que todo autor busca imprimir nas raízes do seu trabalho. O leitor almeja uma relação pessoal, um diálogo e ao perceber aspectos que relacionam determinado texto com uma leitura anterior sentindo-se mais próximo do autor, reconhecendo uma leitura, uma obra, um determinado autor, que estabelece uma relação de familiaridade.
Exemplo: Umberto Ecco em “O nome da rosa” faz uma homenagem a Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, desde a escolha dos nomes das personagens, seguindo pelo tema e imagens construídas no romance tudo sugere o universo concebido e explorado pelo autor do Sherlock.
Após esta percepção, fica fácil para o leitor perceber que tipo de trama o herói de Ecco está desvendando. O leitor situa-se e desfruta deste reconhecimento como um segredo.
Este é um recurso comum, que costuma render altas vendagens quando determinado gênero se esgota ou então quando um autor deixa lacunas a serem exploradas por outros autores.
Para gostar de ler, talvez seja necessário determinar níveis de textos e leituras, romances de formação, contos lineares de reconhecimento, como matéria introdutória para um determinado curso e leitura. Tínhamos a coleção Vaga-lume que proporcionou a iniciação de inúmeros leitores, daí em diante as iniciativas deram-se esparsas e não conseguiram estabelecer uma relação de interesse e relevância para a formação de novos leitores.