LÚDICO, EDUCAÇÃO, CORPO E MOVIMENTO: NOVAS POSSIBILIDADES, OUTRAS IMPLICAÇÕES

Há muitas maneiras de intervir para e/ou em alguma coisa. De acordo com o tema acima que ligações importantes têm o lúdico, a educação, o corpo e o movimento? A princípio essa pergunta parece de simples resposta, talvez até fosse se não houvesse tantos entraves permeando os aspectos citados. E que novas possibilidades e outras implicações são essas?

Se for pensar ou tentar refletir mais profundamente, desde os tempos mais remotos, o lúdico, a educação, o corpo e seu movimento, consciente ou inconscientemente sempre estiveram naturalmente implicados na vida de cada pessoa, sem ter que ser imposto, sem virar modismo, apenas se brincava, de qualquer coisa, com qualquer coisa, até um osso depois de bem “ruído” se tornava um carrinho. Corpo e movimento parecem óbvios, e a educação idem. Isso dizendo do jeito mais natural possível, embora o objetivo desse texto seja exatamente vislumbrar esses aspectos hoje colocados como faltosos.

Vou iniciar pela educação e reportar-me a Freud (1914), em um texto intitulado “Interesse educacional da psicanálise”, ele deixa claro que se torna difícil ou impossível o ato de educar as crianças, pelo fato de nós, adultos, não conseguirmos sondar suas mentes, porque nós próprios deixamos de entender a nossa própria infância. Freud nesse mesmo texto fala sobre os impulsos naturais da infância que os adultos preferem negar, como por exemplo, a curiosidade sexual, a disposição para as perversões etc. E na tentativa dos adultos suprimirem os instintos forçosamente não os faz extinguir ou controlar, pelo contrário, deixam as crianças predispostas as doenças nervosas.

Então, parece que a educação pensada pelos adultos torna-se impossível para a psicanálise, já que procura acabar com a realidade infantil. Que bom que isto está melhorando.

Já em outro texto, Freud (1914, p. 88), intitulado “Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar” ele vai tocar na questão da personalidade dos professores: “... é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres”.

Essa citação de acordo com o tema remete a questão do modo do professor agir ou ser, mas um ser natural e não forçado, um ser criativo que está de bem com sua criança interior, um ser que se trabalhou para isso, assim talvez seja mais fácil lidar com o lado lúdico, a educação, o corpo e o movimento e conseguir uma boa relação com seus alunos.

Um outro psicanalista que eu tenho prazer em citar e que se interessou pelo lúdico é Winnicott (1967), este diz que: “A psicoterapia tem lugar no encontro de duas áreas do brincar: uma a do paciente, outra a do terapeuta. A psicoterapia acontece quando duas pessoas brincam juntas”.

Winnicott, ainda diz que se o paciente não brinca o terapeuta precisa trazê-lo à possibilidade deste brincar. Esta possibilidade vislumbra trazer para fora o que estava escondido como, por exemplo, as competências de uma criança, um adolescente, um adulto, uma pessoa de mais idade, ou outras coisas que estão escondidas na pessoa.

Fazendo uma comparação com esses dois teóricos antes citados e com os teóricos mais atuais percebo semelhanças que não se negam mesmo com a distância no tempo, dá a impressão que o tempo não passou tanto, pois muitas coisas ainda incomodam muito ou não se “acomodam” de uma maneira que seja conveniente a todos, se é que isso é possível.

Um dos teóricos atuais como J. Huizinga (2000), defende que o jogo é mais antigo que a cultura e que não é para ser sério, mas divertido, porém isso não quer dizer que o jogo não leve a nada, pelo contrário, o não ser sério, é não ser totalmente limitado e regrado, ou seja, o jogo é um divertimento sério no sentido de abranger as várias esferas sociais e fazer parte da vida em geral. E diz Huizinga (1999): quando joga, o jogador é absorvido pelo jogo. Enfatizando, ainda a importância do jogo em sala de aula, ele caracteriza como “desmancha prazeres” o jogo que é imposto, até sem muita explicitação, acaba por tornar-se indisciplina, pois revolta os alunos o que acaba por não atingir os objetivos que poderiam ajudar na aprendizagem ou no entusiasmo para tal.

“Partindo para um outro autor que também enfatiza o lúdico como modo de enriquecer a aprendizagem, Marcelino (1997), no texto: A sala de aula como espaço para o “jogo do saber”, ao falar sobre o que ele denomina de” jogo do saber”, ou seja, a tentativa de recuperar o caráter lúdico do ensino/aprendizagem, algo que seja prazeroso e que não seja furtado das crianças esse direito. Porém, ele ressalta que até das crianças o direito ao lúdico está sendo furtado em nome do futuro.

E quando no âmbito da sala de aula esse lúdico é permitido, se dá de modo fugaz, sem significado, apenas como algo para preencher... Um espaço vazio?

Então Marcelino defende o lúdico em sala de aula, mas como algo sério, como uma vivência partilhada, vivida no aqui e agora com tudo o que advém disso. O autor também adverte sobre um erro que é “fantasiar de lúdico” a educação, ou seja, se utilizam de uma variedade de recursos tecnológicos que nada tem a ver com o verdadeiro sentido de educar a partir do lúdico, da criação, da utilização do corpo para tal.

Falando de corpo essa palavra se originou do sânscrito garbhas que significa embrião; do grego Kapós = fruto, semente, envoltura e do latim corpous = tecido de membros, envoltura da alma, embrião do espírito. É fato que sempre houve uma dicotomia corpo/mente, porém e felizmente está havendo mudanças que conspiram para uma visão da importância do corpo e movimento para um processo ensino-aprendizagem coerentes e que visualizem o homem em sua totalidade. E uma criança que teve desde a mais tenra infância uma boa consciência de seu corpo e das possibilidades de expressar-se através deste, terá maior facilidade de distinguir entre o eu e o outro, o mundo interior e o mundo exterior, melhor desempenho escolar, pois tudo isso está também ligado à noção de esquema corporal que segundo Le Boulch é a organização das sensações relativas ao seu próprio corpo em relação aos dados do mundo exterior. A aquisição do esquema corporal é o ponto de partida para várias possibilidades de ação, incluídas aí a educação, a aprendizagem da leitura, da escrita etc. Mas tudo isso tem que ser trabalhado por meios inclusive de brincadeiras que explorem o corpo, da dança, dos jogos, da música, do teatro, de técnicas de relaxamento e tantas alternativas que podem ser inventadas e reinventadas pelos profissionais para todas as faixas etárias, pois há adultos que não tiveram a consciência corporal inicial. E como há!

Para Vitor da Fonseca: “... a ausência de espaço e a privação de movimento é uma verdadeira talidomida da atual sociedade, continuando na família (urbanização) e na escola. A total não-aceitação da necessidade de movimento e da experiência corporal da criança põe em causa as atividades instrumentais que organizam o cérebro.”.

Então as novas possibilidades são tantas: o espaço maravilhoso que os cadeirantes estão tendo de poder se expressar através de movimentos de seus corpos, vivenciando consciência corporal, ou seja, vão além de seus limites; trabalhar com animais para ajudar crianças com dificuldades de aprendizagem, de acordo com estudos de Law e Scott (1995), que propuseram desenvolver programas nas salas de aula onde haveria contato e cuidado com animais domésticos e observaram grandes ganhos, citarei dois: facilidade para resolver problemas, maior interação social de modo geral. Mais possibilidades? Teatro nas escolas, dinâmicas de conscientização do corpo, trabalhar a auto-imagem...

Tudo isso implica em resultados positivos para a pessoa como um todo. Também implica, por outro lado, em mudanças e nem todos estão dispostos a isso, quando me refiro a todos, incluo o sistema em geral, pois mudar requer disposição, compreensão, conscientização, distribuição de renda, capacitação e daí por diante.

E até o momento não tenho o que criticar sobre o que li a respeito do tema, tenho sim é que me agregar a esses autores nas suas idéias, até porque na minha experiência com crianças e brinquedos, jogos e brincadeiras, desenhos, pintura, corpo, movimento, onde sempre fui convidada a participar com as crianças de suas brincadeiras, descobertas, fantasias etc. e sempre pude apreender delas os mais profundos sentimentos e angústias, assim como também aprender com elas coisas que as teorias não me nortearam em determinado momento, mas sim minha sensibilidade para resolver tal situação. Através do seu brincar as crianças que atendo projetam seus conflitos e mágoas e poder ajudá-las é maravilhoso. Estar para ajudá-las e estar com elas isso é ser psicóloga, também, além de muito mais.

Patrícia Carvalho de Andrade

Referências bibliográficas

- Apostila de jogos e brincadeiras como forma de intervenção. Vários autores, apostila elaborada pelo professor João Luiz da Costa Barros.

- Freud, S. Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar. 1914. In: Freud, S. Obras Completas. RJ. Imago, 1974. P. 281-88. V. 13

- Pediatria moderna. V. XXXIV. N° 4. 1998

- ________________V. XXXVI. N° 1/2. 2000

-http://www.abpp.com.br/artigos/32.htm

Patricia Carvalho
Enviado por Patricia Carvalho em 30/05/2009
Código do texto: T1623069