TIMOR-LESTE. Um pequeno grande país

"Entre gente remota edificaram/ Novo Reino que tanto sublimaram”  
Camões, Os Lusíadas, I,1

  A ilha do Timor tem minúsculas dimensões. Oblonga como uma baguete (pão francês), tem apenas 473 km de comprimento e 106 km em sua parte mais larga, cobrindo uma superfície total de somente 33.917km². Faz parte do Arquipélago de Sonda, na Insulíndia, integrando o conglomerado insular do sudeste asiático, no oceano Índico, próxima e a norte da Austrália.
     A ilha, assim como a maior parte do complexo insular que hoje compõe a Indonésia, foi descoberta pelos portugueses, que lá chegaram em 1512 em busca de sândalo, madeira nobre usada em movelaria fina e perfumaria, que abundava em praticamente toda a superfície da insula, e tinha enorme valor comercial.
     Em 1651 os holandeses apossaram-se da metade oeste da ilha, assestando em Kupang o centro das atividades administrativo-defensivas para a Companhia das Índias Orientais, o que somente bem mais tarde, mediante sucessivos tratados assinados às arrecuas, entre Portugal e Holanda, veio a sancionar a ocupação, com a divisão da ilha em duas metades: Timor-Oeste ou Timor Holandês e Timor-Leste ou Timor Português, situação que perdurou inalterada até 1975, aquando da descolonização das antigas Províncias Ultramarinas portuguesas, ocorrida após a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 25 de abril de 1974, que redemocratizou o país. Impõe-se frisar que, em 1945, sob o comando do general Sukarno, a Indonésia veio a obter a independência da Holanda, constituindo-se em uma república, com sede em Jacarta, que abrangia todo o território da ex-colônia, incluindo o Timor-Oeste, mas não manifestou qualquer pretensão sobre o território português de Timor-Leste.
     Formalizada a descolonização, Portugal retirou a administração da ilha, passando o poder à Frente Revolucionária de Timor-Leste - FRETILIN, que proclamou a república em 28 de novembro do mesmo ano (1975). A independência, porém, foi efêmera, eis que o governo da Indonésia, já sob as ordens do general Suharto, invadira a ilha, anexando-a como a 27ª província Indonésia, ação que foi imediata e veementemente repudiada pela Assembléia Geral da ONU, em resolução aprovada aos 12 de dezembro de 1975.
     Iniciou-se, então, um longo e massacrante período de sofrimento, perseguição, morte e genocídio do bravo povo maubere, que resistiu, heróica e estoicamente, à invasão e usurpação de seu território, recém-independentizado de Portugal.
     A repressão indonésia, calcula-se, resultou na morte de 200 a 300 mil timorenses, afora grande número de outros que de lá fugiram para escapar da fúria genocida do governo de Jacarta. Proibiram a fala e o ensino do português, impingindo ao povo seu idioma dialetal o bahasa indonésio (crioulo malaio-holandês); tentaram proibir, com notável reação dos autóctones, a religião católica e impor o islamismo (a Indonésia, veja-se, é o maior país muçulmano do mundo), transformando igrejas em mesquitas; mudaram nomes de ruas e instituições e implantaram o regime do terror e da delação, pelo que muitos timorenses foram sumariamente mortos, num verdadeiro morticínio étnico. Uma política de genocídio que culminou com a destruição de centenas de aldeias pelos bombardeamentos do exército indonésio, que utilizou toneladas de napalm contra a resistência timorense, implicando a destruição (queima) de boa parte das florestas do país, a fim de impedir o refúgio dos guerrilheiros na densa vegetação local.
     Durante anos o Timor-Leste permaneceu totalmente fechado ao mundo, a modo esconder as vergonhas infamantes das atrocidades cometidas e promover a lenta dizimação de seu povo e o soçobro irresignado dos que sobrassem. As guerras são o mais eloquente elemento patenteador da irracionalidade humana.
     Tão logo consumada a invasão indonésia, Portugal encetou renhida e implacável luta diplomática junto à ONU que nunca reconheceu a anexação pelo regime expansionista de Jacarta para garantir o direito de independência de sua ex-colônia, que infelizmente pouco ou quase nada sensibilizou as potências dominantes, as quais se mantiveram lenientes e silentes, incluindo os EUA, aliados da Indonésia. Nosso país, igualmente ex-colônia lusa, também lusoparlante e ostentando papel de destaque no contexto das nações e enorme responsabilidade geoestratégica, conquanto tenha votado e assinado a resolução da ONU muito pouco se empenhou para a validação prática, real, dela, emanada de deliberação soberana desse foro supranacional, que mais não fosse, pelo menos em defesa da elevação e difusão da lusofonia, de que é a maior expressão.
     Um único país, a Austrália, reconheceu de pronto a anexação do Timor-Leste à Indonésia, e diga-se já por que: em troca da concessão, pelo governo de Jacarta, da exploração pelas companhias prospectivo-extrativas australianas, do riquíssimo lençol petrolífero suboceânico do Mar de Timor, vigente até hoje.
     Em 1999 os governos de Portugal e Indonésia começaram, então, a negociar a realização de um referendo sobre a independência do território, sob a supervisão de uma missão da ONU. A percepção, por parte da ala radical do exército indonésio, de que era iminente a conquista da independência pelo Timor-Leste, levou-a a recrutar e treinar milícias armadas locais que espalharam o terror entre os habitantes, o que não impediu que, em consulta plebiscitária, quase 80% da população votassem pela independência. Com o recrudescimento das ações violentas de terrorismos e assassinatos, a ONU decide criar força de paz internacional e intervir na região, forças essas que foram comandadas com excepcional habilidade e bom êxito pelo diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello (já falecido). Em vista do fato consumado, o parlamento indonésio, em sessão de 19 de outubro de 1999, viu-se forçado a homologar o referendo popular e anular a anexação de Timor-Leste.
     Durante as lutas de resistência à ocupação muitos nomes se destacaram, quer pela bravura, resignação, resiliência, quer pelo enfrentamento e liderança que assumiram no aceso dos combates, bastando por citar os do bispo Carlos Ximenes Belo e do jornalista José Ramos Horta, galardoados com o Prêmio Nobel da Paz, em 1996, e o do líder maior inconteste do movimento de resistência maubere, José Alexandre “Xanana” Gusmão. Preso em 1991 e condenado à prisão perpétua pelo regime opressor, Xanana cumpriu nas masmorras de Jacarta, com invulgar sobranceria e firmeza, à distância, o seu papel de comandante, até sua libertação, ocorrida logo após a entrada das forças de paz. Adite-se, aqui, que Xanana, além de líder carismático do povo do Timor-Leste é homem de grandes estudos e cultura, poliglota, escritor e poeta reconhecido. Travou duros combates com o fuzil e com a pena.
     Ao entrar em Dili, a capital, os soldados da força de paz encontraram um país totalmente incendiado e devastado, com a maior parte de sua infra-estrutura (bancos, escolas, repartições, delegacias, igrejas, mercados transportes, iluminação, abastecimento d'água, hospitais) e conjuntos arquitetônicos inteiros, alguns de belíssima e histórica feitura, herdados do período colonial, queimados, saqueados, arruinados, a ponto de Xanana Gusmão, atual presidente do país, ao entrar em Dili, após libertado da prisão, haver exclamado, entre estupefacto e resoluto: “Eu achei que íamos ter que começar do zero. Mas é muito pior do que eu pensava.”.
     Mas não há bem que sempre dure ou mal que nunca se acabe, diz o brocardo popular, e em abril de 2001 os timorenses elegem, em pleito livre e liso, o novo líder do país, consagrando Xanana Gusmão como o primeiro presidente timorense e, ainda em 2001, é eleita a Assembléia Constituinte. Em 20 de maio de 2002 Timor-Leste tem sua independência oficialmente reconhecida, colimando objetivos tão duramente alcançados e tão longamente anelados. Nascia, assim, o mais novo país “deste rotundo Globo”, a redizer Camões, tomando o nome em tétum de Timor Lorosae (Timor do Sol Nascente).
     O mais jovem país do mundo ocupa, como já visto, a metade oriental da ilha de Timor, além do encrave de Ocussi-Ambeno, na costa norte da banda ocidental (indonésia), a ilha de Ataúro, a norte, e mais algumas ilhotas ao largo da ponta leste da ilha. Suas fronteiras terrestres com a atual Indonésia foram fixadas em definitivo, em 1914, em tratado firmado entre Portugal e Holanda. Mantém fronteira marítima com a Austrália no Mar de Timor. Constitui-se em território de grande importância estratégica, dada sua situação entre influentes nações, tais: Austrália, Indonésia e Filipinas, além de dar acesso à China.
     Mas, para muito mais além disso, eis “que outro valor mais alto se alevanta” (ainda a redizer o poeta-mor da língua portuguesa) nos dias correntes!: sua imensa riqueza em petróleo, elemento essencial no dia-a-dia das sociedades. Costumamos dizer, e já o inscrevemos algures, que o “Mar de Timor sobrenada um mar de petróleo”, o que faz voltar para ele os olhos cobiçosos e sôfregos das grandes potências, que veem-no, assim, com indisfarçável má-vontade e até ímpetos de detenção de seu desenvolvimento e crescimento. Estado independente, democrático, soberano e progressista, seus interesses, por óbvias razões, colidem, frontalmente, com ambições e interesses imperialistas da grande potência regional, a Austrália (e de seus aliados, os EUA e Inglaterra) - recorde-se: o único país a reconhecer a anexação - e da própria Indonésia.
     As tarefas e desafios são gigantescos, mas não inalcançáveis. Negociar acordos bilaterais com a Austrália e internacionais com outras potências para a correta e auspiciosa exploração de petróleo e gás é uma delas. Neste ponto, defendemos a ampliação dos laços de fraternidade, amizade e idioma comum que historicamente mantém com o Brasil, visando à entrada da Petrobrás na disputa pela prospecção petrolífera, sabido de todos ser nossa estatal do ramo a que detém maior conhecimento e experiência em extração de óleo em águas profundas. Mas não nos parece haver grande movimentação nesse sentido, o que é uma lástima. O Timor-Leste é hoje um país pobre e destroçado pela crueldade de seus vizinhos-algozes, porém detentor de riqueza incalculável, representada pelos recursos naturais que detém, máxime de petróleo e gás, que, se bem explorados e conduzidos o farão um país rico e respeitado em muito pouco tempo, como já anteviu o Secretário Geral da ONU, Kofi Annan.
     Um outro aspecto que queremos ressaltar é o da escolha soberana e igualmente por consulta popular, do idioma de Camões como língua oficial, juntamente com o tétum, língua nacional, refutando ofertas e facilidades oferecidas pela Austrália, caso viesse a optar pelo inglês como língua oficial, fazendo, simultaneamente, algumas veladas cominações ao novo país, em caso contrário. É o único país de língua oficial portuguesa no Novíssimo Continente e o caçula dentre os membros componentes da CPLP.
     Para finalizar, alguns dados relativos a essa jovem nação, que já integra a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa-CPLP, desde sua independência. Capital: Dili. Área total 18.615 km². Regime político: república parlamentarista. Situação geográfica: essencialmente sob esse aspecto o país enquadra-se no chamado sudeste asiático, porém, sob o prisma bioétnico mais se aproxima das ilhas vizinhas da Melanésia, razão porque hoje se o considera como parte integrante da Oceania e, por conseguinte, uma nação transcontinental. O país é muito montanhoso e tem clima tropical. Sua população é hoje estimada em derredor de um milhão de habitantes.
     Há um grande esforço governamental para avivar e incentivar a educação e a cultura no país, para o que participam ativamente Portugal, principalmente, com o envio de centenas de professores da língua portuguesa, assim como o Brasil, em menor proporção, estimando-se que em quatro anos todo o ensino oficial em Timor-Leste será feito em português. Amplia-se o número de escolas e a Universidade Nacional do Timor é uma realidade em crescente expansão. É cada vez maior o interesse pela Língua Portuguesa no país. A religião dominante é o catolicismo, que se expande e incrementa após a independência. Moeda corrente: é o dólar americano, mas já se cogita, em curto espaço de tempo, criar uma moeda nacional. Além do petróleo e do gás, são também elementos da economia timorense o café (de excelente qualidade), coco, trigo, arroz, soja, mandioca, manga, milho, pesca e outras culturas de subsistência. Exportações: café, sândalo, copra (amêndoas de coco secas de que se extrai o copraol, usado em medicina e cosmética) e mármore. Grande é a expectativa de excelente potencial turístico, que já começa de se insinuar e que poderá vir a ser, num futuro não tão distante, um dos sustentáculos econômicos do novel país.

Nota: na foto acima casas tradicionais do Timor-Leste que estão sendo requalificadas para a instalação do "Museu da Resistência Timorense"
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Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 25/05/2009
Reeditado em 30/05/2012
Código do texto: T1614582
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