Lida do escritor inoperante.*
Ando pensando muito nas minhas narrativas. Estou a considerá-las imaturas e limitadas. Acabrunha-me ardentemente as construções pobres e precárias. Portadoras de linguagem escassa e restrita. Frustra-me também a ciência de que poderia executar melhor o meu ofício. Entedio-me facilmente com meus edifícios de narração. Sou uma péssima engenheira literária. Meus arranha-céus são tristemente feios. Feios e sem consistência. Por que não habita em mim o mesmo espírito que habita a carcaça de um bom engenheiro? Faço-me esta indagação todas as manhãs. Não sinto-me verdadeiramente feliz ao escrever algo. Pois este algo nunca é suficientemente bom. Ou capaz de emocionar. Capaz de emocionar-me. Ausentam-se de meu arcabouço as palavras, estas irrompem-se em uma fuga infinita. Por vezes disponho-me prontamente a correr atrás das mesmas, capturando-as e prendendo-as ao papel. Outras vezes, quando no porto de partida, tudo logo assume o ponto morto, vencida eu pelo cansaço. Tenho preguiça, tenho preguiça. Só escrevo por necessidades patológicas de expressar-me. Pelo amor indubitável à palavra impressa, escrita. Só este move-me, ou melhor, só este que ainda disponibiliza-me um milintre de sanidade. Ele que habita meu ser por inteiro, ele quem dita as ordens por aqui. Ele que, em uma implacável e árdua corrida, habita o sangue, logo, o plasma, as hemácias. Este que perpassa e encontra-se invariavelmente em minhas veias. Este que diz se irei dormir em uma noite de Domingo ou não. Este que interrompe tarefas e afazeres diários. Este que toma-me compulsoriamente. Esmagando-me o direito à opinião própria. É ele quem manda, já disse. Todavia, não reclamo, não questiono-o. Afinal, é ele quem faz todo o serviço. Não esforço-me sequer um pouco - já disse, sou preguiçosa – e nem o poderia. Não posso e não desejo competir com o mesmo. Eu perderia decerto. Ele é infinitamente melhor que minha frágil e inoperante pessoa. Não imponho-me em uma posição contrária a este autoritarismo. Sou fraca, débil. Restrita, burrinha, limitada.
Então, acho que resta-me apenas a sanidade. Esta grandiosa companheira.Tão companheira, que só não tomei uma cerveja com a mesma, porque não bebo. Mas se bebesse, ah se eu bebesse. Na certa, intensas histórias à minha camarada. Ela é só o que resta-me. A sanidade. Ou pelo menos aquilo que disseram-me ser sanidade.
*Título semiparafraseado da Poesia "Lundu do escritor difícil" de Mário de Andrade.