Um amor no bar do canal!
Quando nos conhecemos ela disse que gostara de minha companhia, sem compromissos, somente ocasional. Ocasional? Pensei eu, o que seria ocasional? Mas como a vida nos prega peças, decidi deixar de lado as formalidades sociais, dei-lhe o braço e no Café do Canal, tomamos um vinho e conheci seu quarto na pousada.
Havia estado outras vezes em Paraty, e novamente procurando a história perfeita, para o romance que estava escrevendo, e naquele dia, não tinha sido diferente, até encontrá-la, ali meio sem rumo, numa Paraty deserta, por entre as pedras do caminho da Praça da Matriz, onde ensaiavam um teatro para a festa do Divino, que seria na semana seguinte. A imagem ficou marcada em minha mente, ela sob as bandeiras e casas coloridas, preparadas para a festa, e eu ali, meio bobo, meio estático ante aquela visão Divina, perdida numa Paraty, mergulhada como o próprio nome em Tupi, um Mar Branco de belezas.
Uma criança passou correndo em minha frente e despertei do transe que ficara, não passara alguns segundos e lá se ia ela rumo a não sei onde, só e com seu colorido, sua calça jeans e uma jaqueta sobre os ombros que sustentavam uma mochila igualmente colorida. Eram nove horas da manha e eu acabara de tomar meu café e caminhava meio sem rumo, em direção ao porto, para acompanhar o vai e vem dos barcos e turistas. Não resisti e aproximei-me dela, com meus olhos recusando-se se desviar de seu rosto e perguntei-lhe se queria ajuda, ela queria informação sobre uma pousada que indicaram para ela. Era a primeira vez em Paraty, era professora e estava preparando um roteiro cultural sobre a cidade para uma próxima visita, dessa vez com alguns alunos do curso que ministrava.”... uma visita de alunos, adolescentes”, falou outra coisa, mas minha mente ainda vagueava e só consegui me concentrar no caminho que indiquei para ela. Perguntei se viera só e ela respondeu que sim. “Não me reconhecia mais, perguntei-lhe se precisava de um guia”, disse sorrindo. “È claro que estava preparado para um sonoro não e já preparava para dar meia volta e continuar minha trajetória rumo ao porto, apesar do céu um pouco nublado.” – Porque não..?" Disse ela, eu engoli meus pensamentos e combinamos nos encontrar, após ela se instalar na pousada. Escrevi num papel meu telefone. Ela dobrou o papel sem reparar no que escrevi e me olhou firme esticando sua mão. Foi nossa combinação.
Dei continuidade a minha caminhada, agora meio desconcentrado, o tempo parecia parado, estacionei-me no canhão velho frente à igreja e fiquei parado olhando os barcos e gaivotas, imaginando quando a veria novamente. Só então lembrei que não pegara o telefone dela.
Retornei meio frustrado, o barco que poderia me levar já tinha partido, e teria que esperar até as treze horas para outra oportunidade, caminhei de volta pelo passeio do porto e sentei-me na grama, em frente à igreja antiga e fiquei tentando produzir algo, mas na minha mente não vinha outra coisa senão a imagem dela, desistiu de escrever alguma coisa e segui caminhando pela rua, retornei a Praça da Matriz, para dar uma olhada nos objetos de artesanatos e na banca de cordel, que estava sendo exposto no local, o tempo passou depressa.
A tarde chegou rápido, coroando de dourado as ruas, agora com mais pessoas caminhando, os preparativos para a festa estavam em andamento e não podia perder mais tempo, afinal, a cidade não dorme e cada instantes mais turistas, mais rostos desconhecidos numa cidade conhecida em todo lugar. Já rabiscara algumas notas em meu bloco, que passaria para o meu laptop quando retornasse a pousada, estava começando a me concentrar novamente no meu objetivo real e observava as luzes se acendendo, iluminando as paredes coloridas das casas, e as barraquinhas sendo abertas, preparando-se para mais uma noite em Paraty.
O telefone celular tocou, e atendi a uma voz feminina e açucarada, “Era ela pensei, só pode ser ela”, quase em voz alta, o numero eu não identificara, como era celular e do Rio de Janeiro. Marcamos no Café do Canal na Avenida Otaviano Gama, tive que fazer quase um mapa para ela, mas no final ela se encontrou, seguindo o passeio beirando o canal. Estava mais ansioso, afinal eu estava pertinho do Caborê e o inicio da noite um tanto fria, pedia um vinho para coroá-la definitivamente, como noite e como especial, que já dava ares de ser.
Ela chegara primeiro que eu, apesar do meu passo apressado, “Estava ansioso, como adolescente.”, a primeira imagem dela ainda presa refletida na minha mente. Lá estava ela, de pé em frente ao balcão do bar, que ficava de frente para a rua, de longe podia sentir o magnetismo de sua presença, meu coração bateu forte e minha mão suou. Respirei fundo, é realmente ela me impressionara. Ela acenou quando me viu, e trocamos um aperto de mão e um beijo de cumprimento no rosto. “Conseguiu realizar seu roteiro?” perguntei para iniciar a conversa, encaminhei para o centro do bar, que é um misto de café e pizzaria, e convidei-a para sentar. Apresentamos-nos formalmente. E pude perceber que a primeira impressão que eu tivera era pequena em relação a que estava tendo agora. Conversamos por horas, ela me contou um pouco sobre ela, seu trabalho com a escola, e sua obra social e sobre a idéia de elaborar o passeio cultural. Falei um pouco sobre mim e sobre meu trabalho, sobre os livros e contei a ela sobre a impressão que ela me causara, quase fazendo um desastre cultural, brinquei, tentando me soltar um pouco.
Pedimos vinho e tomamos com um pão italiano, especialidade da casa, que ela imediatamente adorou, ainda me pergunto quem não gostaria, deviam patentear aquela iguaria. E pedi a ela que incluísse em seu roteiro, aquele lugar, que certamente adorariam, e ficamos ali curtindo uma musica maravilhosa, sendo dedilhada no violão. Não vimos o tempo passar e já estávamos na terceira garrafa de vinho. Caminhamos alguns minutos mais e paramos próxima a pousada onde ela estava e ficamos na portaria conversando, as luzes da rua refletidas nas palmeiras do canal, davam um ar romântico e me senti envolvido. O cheiro dela, era indescritível, a proximidade nos colocou frente a frente novamente, como se o instante nos testasse, e os dois parecendo fortes. “O vinho me traiu”, cheguei mais próximo e lhe dei um beijo no rosto, bem próximo a boca, como resposta ela segurou minha Mao e nos beijamos ali mesmo.
Subimos para seu quarto e ficamos nos beijando e nos tocando, como dois amantes, exploradores, sentidos e respeitosos, um não querendo atravessar o limite do outro. "Não consigo parar de pensar em você. Quero continuar o que ainda não começamos", ela disse me olhando fundo. Eu sorri. Sempre gostei de paradoxos. E tiramos as roupas e transamos ali mesmo, de pé no quarto, sobre a mesa, na sacada, guardando a cama para mais tarde, pois sabíamos que seria o último lugar que ficaríamos, e provavelmente bem quietos, o vinho tinha essas características, e tanto eu quanto ela, gostaria de saborear até o ultimo instante, até a última taça.
Deixei-a adormecida na cama e desci silenciosamente, e encaminhei para minha pousada. Não quisera ficar lá, apesar de sua insistência, afinal, ainda teríamos outra oportunidade, e eu não queria estragar aquilo.
Acordei com o som do telefone celular, estridente, a voz dela do outro lado, me dava bom dia, “estou indo embora”, ela dissera tinha ocorrido um problema na escola em que lecionava e teve que correr, já estava na rodoviária de Paraty, ia pegar um Van para o Rio de Janeiro. “Liguei para me despedir e dizer que a noite fora maravilhosa” dissera.
Eu ainda sonolento, sentei-me na cama e olhei as horas, eram oito horas da manha, muito cedo para despedidas, muito tarde para uma caminhada pensei. Eu gostara dela, seu jeito livre de olhar o mundo, mostrando uma maturidade além do que aparentava, tinha ela trinta e cinco anos, cinco a menos que eu. Tinha um jeito pouco apressado de olhar o mundo. Os cabelos longos e ruivos “Que um dia foi loiro” ela diria, os olhos por trás dos óculos, e a calma, principalmente a calma era o que me fascinou . Uma calma típica dos que sabem o que querem e não têm medo disso, dos que sabem que nem sempre foi assim. Era aquela calma que eu procurava, mas eu era muito apressado, queria resultados rápidos e talvez seria esse o ponto que devesse trabalhar melhor.
Hoje é domingo, no Largo da Matriz, turistas e moradores se misturam, alguns em busca de artesanatos, boas fotos, outros um bom local para mergulhar, e talvez alguns poucos, buscavam a paz e tranqüilidade para amar. E no meio disso tudo estava eu, vivendo um pedaço daquilo, como se a história nunca tivesse sido minha. Faz dois dias que ela foi embora e ainda sinto uma saudade alucinada de nós. Uma bandeira desprende-se do barbante e olho por detrás da lona que certa a praça, tentando encontrar, alguém que sei que não estará lá
Retorno para o meu quarto para juntar minhas coisas e preparar para retornar. No espelho do meu quarto, vejo refletido um rosto sorridente, sobre a cama, meu laptop cintilava na página do Word, o romance, enfim terminara, com uma ajuda ocasional, sem compromisso como ela diria. Sentado em frente à janela, aguardava o taxi que me levaria à rodoviária, de volta para a realidade, ou irrealidade? Afinal, vivera momentos maravilhosos naquela Parati, e aguardava ansioso o retorno, para encontrá-la, no tão sonhado passeio cultural que viria um dia de um roteiro que estava sendo montado.