Elitismo Democrático e Participação Politica
1. Introdução
Ao se discutir Democracia, deve-se levar em consideração a leitura descritiva e prescritiva. Tanto um ponto de vista (o que é), como o outro (o que deveria ser). A cidadania, tal como concebemos, é composta de três direitos: civis, políticos e sociais. Portanto, envolve uma rela noção de igualdade. O que este trabalho tenciona fazer é voltar o olhar para a cidadania através de um recorte da participação política e da representatividade dentro da Democracia e dos marcos conceituais de democracia deliberativa e representativa, seus avanços e impasses.
2. Marcos conceituais
2.1. John Stuart Mill
Mill faz uma defesa da Democracia Representativa. Para ele, pontos importantes seriam o caráter nacional tornar-se ativo com a representatividade. Acredita também que só através das reivindicações que se consegue algum beneficio e, além disso, isto teria como conseqüência o desenvolvimento da inteligência.
A participação política, mesmo de maneira indireta – representativa – é algo fundamental, também, pois: “(...) Deixar as coisas para o governo, como deixá-las ao acaso, é sinônimo de não se preocupar com elas, e de aceitar os resultados, quando desagradáveis, como caprichos da natureza”. (p.29).
Sendo assim, o parlamento tem grande importância, pois é nele que há espaço para o plural e a maior chance de representação de todos os indivíduos. Ele é o lugar de discussão pública, onde os indivíduos ficam sabendo o que está sendo proposto pelo Legislativo.
Mas, como a população teria essa consciência de que é preciso participar e saber a maneira adequada de participar? Mill acredita que a educação seria o caminho para dar aparato à população e daí se ter uma participação política e, conseqüentemente, um governo capaz de satisfazer a todas as exigências do estado social:
“(...) o único governo capaz de satisfazer a todas as exigências do estado social é aquele do qual participou o povo inteiro; que toda a participação, por menos que seja, é útil; que a participação deverá ser, em toda parte, na proporção em que permite o grau de desenvolvimento da comunidade (...)”. (p.38) (grifo meu).
Esta participação também é importante, porque diante dessa pluralidade, é mais difícil chegar à ditadura da maioria, idéia melhor desenvolvida por Tocqueville.
2.2. Alexis de Tocqueville
Para Tocqueville, a maneira de evitar uma possível tirania seria a soberania do povo, através da participação. À tirania se chega através de dois caminhos: ditadura da maioria; individualismo.
Um dos grandes problemas do governo representativo é exatamente o risco que se corre de suprimir a minoria pelos desejos da maioria, o que não deixa de ser uma espécie de tirania da maioria imposta à minoria e, portanto, totalmente antidemocrática.
Democracia, aqui, passa a ter dois significados: o político (regime) e o social (modo das relações e condições sociais). Portanto, uma sociedade pode ser democrática em âmbito político e ser antidemocrática socialmente, como a Europa aristocrática.
Tocqueville fica apaixonado pela Democracia nos EUA, porque através de sua formação histórica e das associações, temos exemplos de Democracia social e participação política, esta última muito importante para o autor também.
2.3. Max Weber
Weber dá maior importância ao Parlamento, como forma de intervenção política e controle dos governantes, para não se chegar a um autoritarismo, que, segundo ele, só prejudica a política, por dois aspectos: ser antidemocrático e por não deixar espaço ao nascimento de novos líderes.
O Parlamento seria o campo fértil para lideres políticos e, sendo ativo, é palco de talentos genuínos e não talentos demagógicos, ou seja, talentos que realmente cumprem seu papel de representar e não apenas simulam intenções para angariar votos.
A dose de burocracia – característica do Estado Moderno – na política tem como pior efeito o afastamento de políticos natos para empresas privadas que remuneram e oferecem vantagens melhores.
A participação ativa na política exigiria, então, pré-disposições pessoais, deixando claro que apenas um seleto grupo teria tais potencialidades, mesmo que seja necessário ter condições favoráveis para que se desenvolvam. Aspecto, este, melhor abordado pela Teoria das Elites.
2.4. Teoria das Elites
Para os teóricos dessa linha de pensamento, a dicotomia social não está relacionada a oprimidos e opressores e sim a elite e massa e isto seria inexorável.
Parafraseando Marx, a história da humanidade seria a história da luta entre as elites, numa sociedade cíclica, em qual há revezamento entre grupos específicos no poder. É tirada, assim, a possibilidade da participação direta na política de boa parte da população.
Mosca, um dos seus representantes, contrapõe-se à teoria liberal, pois ela seria muito voltada ao indivíduo; ao Tocqueville, porque sua teoria é muito associativista e à teoria marxista, já que para a Teoria das Elites seria impossível não existirem classes.
2.5. Discussão Contemporânea
Finalmente, na discussão mais contemporânea, temos autores como Dahl e Schumpeter. O primeiro, em Poliarquia, faz um gabarito de pressupostos formais que garantem a democracia minimamente. Democracia é tida como um meio decisório político e, portanto, diz respeito aos interesses públicos. A democracia contemporânea pode ser considerada como manutenção radical das regras do jogo, pois é considerado que esta é a única possibilidade de consenso entre clivagens diferentes em sociedades heterogêneas (descobertas já no movimento teórico anterior). Em comparação com os Contratualistas/Jusnaturalistas a concepção de democracia moderna subverte profundamente seu conceito: para os modernos, o conflito é motor da história e, portanto, existe dentro da sociedade (não somente anterior ao pacto) e, além disso, é gerador de progresso.
De modo geral, esses são os autores que dão o tom da discussão sobre democracia nas últimas décadas no contexto intelectual político. É consenso entre os autores que a discussão incessante sobre as características e os tipos de democracia. O debate foi travado por muito tempo em relação à definição de democracia. Ao que parece Schumpeter, com seu modelo processual foi o vitorioso, já que a sua argumentação toca no ponto de que não é possível atingir o “bem comum”, porque, o mesmo não existe: a sociedade se apresenta como composta de múltiplos atores, que têm interesses distintos. Para embasar essa argumentação ele levanta cinco aspectos que devem ser considerados: 1) escala de valores dos indivíduos são diferentes; 2) não existe bem comum universal; 3) métodos escolhidos pra aplicar esse bem comum (se ele existisse) seriam diferentes, de acordo com que aplica; 4) pode-se atingir o bem comum por meio de um regime autoritário/totalitário (sacrifício da democracia); 5) vontade geral não emana do povo, pois o eleitor não é racional e informado (o eleitor médio é medíocre).
Diante desse pressuposto de que as diferenças e os conflitos internos à sociedade, o modelo schumpeteriano ficou conhecido como Democracia Competitiva. Representante da matriz liberal, este autor tem pensamentos semelhantes no campo político aos da economia. Se as crises cíclicas do Capitalismo é um filtro positivo, pois, traz junto com elas a inovação tecnológica; no campo político a competição também é positiva, pois propicia o progresso social. A competição é uma decorrência lógica dos projetos concorrentes/contrastantes existentes, que defendem interesses particulares (visto que o homem não é universal).
Apesar da alteridade de projetos, não existe uma ruptura do consenso social. Isso se dá porque a arena eleitoral refina a vida social: ressonância política, critério de maioria, mecanismos de validação são balizas desse processo. Ainda, é em cada pleito eleitoral que a sociedade pensa ela mesma. Pensamento este que é importante para a construção de programas políticos, que mudam conforme a agenda da sociedade (focada em problemas reais).
Nessa perspectiva, ainda, temos que destacar a importância dos corpos intermediários, ou seja, atores políticos coletivos que articulam e coordenam o poder, interferindo dentro dos partidos ou dentro dos processos eleitorais. São exemplos de corpos intermediários os sindicatos (forma mais clássica), as ONG’s, as organizações religiosas, ou seja, o que também é conhecida como sociedade civil.
Diante do exposto, não se pode criticar a concepção teórica da democracia moderna, nem tampouco, os mecanismos de sua engenharia institucional. No entanto, infelizmente, no campo da práxis, esse mecanismo não funciona plenamente, garantindo seus preceitos teóricos:
Diante desses três marcos históricos econômicos importantes, podemos pontuar a problemática acima explicitada:
1) 1ª. Revolução Industrial até 1ª Guerra Mundial: Capitalismo cresceu e proporcionou mobilidade social e benéssies, de modo geral, para toda sociedade;
2) Grande Depressão e 2ª GM (+/- 1960): necessidade de regulacionismo keynesiano (o Capitalismo já demonstrava indícios de não-englobamento de todos sem distinção);
3) 3ª Revolução Industrial (+/- 1970): globalização, neoliberalismo, expansão da exclusão social , assimetrias econômicas (com conseqüências sociais).
Neste cenário, se desenha o problema da legitimidade do Estado, que, continua sendo necessário para manter o contrato social, no entanto, não se pode negar que é necessário repontuar o pacto.
3. Democracia Participativa e Deliberativa: novas formas de participação política
Outros marcos conceituais importantes para a discussão de democracia é a Clássica diferenciação entre essas duas matrizes. Para a primeira, temos uma retomada histórica de seu aparecimento: democracia clássica grega. Todavia, é importante distinguir pontos singulares naquele tipo de democracia. O exemplo clássico era uma democracia exclusiva, ou seja, não incluía mulheres, estrangeiros e escravos. Apesar de participação direta, em assembléia, os considerados cidadãos eram uma minoria. Há de se considerar também que a democracia ateniense está diretamente associada à escravidão e a divisão social do trabalho entre práxis e poiesis, ou seja, respectivamente trabalho físico, realizado pelos escravos e trabalho intelectual, artístico e político, realizado pelos cidadãos. O primeiro, por ser realizado por escravos era desvalorizado socialmente e o segundo considerado nobre, visto que elementos que só reaparecem no Modernidade, como a racionalidade, o antropocentrismo e a valorização desses preceitos.
De acordo com Dahl, a diferença básica entre a democracia grega e a moderna é o tamanho. Sendo assim, ele diferencia essa nova fase da “democracia de massas” como Poliarquia, para poder especificar a qualificação de um sistema que conta com diversos interesses e não está próximo do ideal de democracia, que seria um tipo ideal. Como a extensão, dispersão territorial são características dessa fase da democracia, é impossível contarmos com um tipo de democracia de participação direta, ou seja, democracia de assembléia.
Mesmo que fosse possível a participação de todos os cidadãos, o tempo não seria suficiente: se cada um falasse por alguns minutos em uma assembléia e todos quisessem falar, as assembléias, somente para dar a oportunidade de todos se expressarem, teriam reuniões com uma extensão grande. Assim sendo, não seria possível dar prosseguimento às tomadas de decisões necessárias. Mesmo quando se pensa nas bases dos políticos eleitos para representarem seus cidadãos nas instâncias de assembléias, muito tempo é demandado para atender aos eleitores interessados, visto que, como já alertava Schumpeter, o eleitor mediano é medíocre e não se interessa por política.
Sendo assim, a representação se fez necessária na democracia moderna. A grande questão dessa discussão é: quem os representantes representam? A si mesmos? Ou aos grupos sociais cuja origem eles têm? Esse seria o maior impasse desse modelo de democracia.
Urbinati (2006) em um artigo trabalha com a idéia de o que torna a representação democrática. Para ela, a democracia representativa é uma forma de governo original, e não é idêntica a democracia eleitoral. Ela procura mostrar que a democracia direta é sempre a forma política mais democrática, e a representação seria uma segunda alternativa. A democracia representativa é um modo de a democracia recriar constantemente a si mesma e se aprimorar. A soberania popular, entendida como principio regulador (guiando a ação e o juízo dos cidadãos) é o motor central para a democratização da representação.
Segundo Urbinati, há três teorias da representação que tem sido interpretada de acordo com tais perspectivas: jurídica, institucional e política. Elas pressupõe concepções específicas de soberania e política e conseqüentemente, relações entre Estado e sociedade especificas.
As teorias jurídicas e institucional estão bem próximas, são baseadas na relação estado e Pessoa e são expressas em uma linguagem mais formalista. Essa perspectiva centrada no Estado, sugerida pela teoria jurídica, prefigura dois cenários possíveis: a representação não tem lugar no discurso de legitimação política por que significa transferir o poder de autorização do uso da força (o poder soberano) da comunidade como um todo para suas partes; de outro, os súditos apenas selecionariam os legisladores.
Esta duas teorias supõem que a identidade jurídica do eleitor é vazia, abstrata e anônima, sua função é nomear políticos profissionais para tomar decisões.
A Representação Política rompe com os dois modelos, pois concebe a representação dinamicamente, ao invés de estaticamente. Ela é uma forma de existência política criada pelos próprios atores (o eleitorado e o representante). A representação não pertence apenas aos agentes ou instituições governamentais, mas designa uma forma de processo político que é estruturada nos termos da circularidade entre as instituições e a sociedade. Sua gradual consolidação durante o século XX, com a adoção do sufrágio universal reflete a transformação democrática do Estado e da sociedade.
A teoria política da representação argumenta que, em um governo que deriva sua legitimidade de eleições livres e regulares.
Todavia, outra forma de análise da democracia é focar na ênfase deliberativa, ou seja, não apenas no fato de delegarmos aos nossos representantes o direito de optarem em nosso nome pelas opções política da arena política, mas, também na participação de todos os atores que assim desejem da especo público de debate.
A legitimidade da democracia deliberativa deriva, portanto, da discussão, pois: 1) os cidadãos repensam melhor seus próprios argumentos para expô-los ao público; 2) os cidadãos podem mudar de idéia conforme discutem e chegar a uma resposta mais lógica possível; 3) a maioria não é legítima por ser maioria, mas, porque o argumento foi o mais racional possível diante dos apresentados e por isso convenceu a maioria.
4. Considerações finais
Bobbio faz uma discussão acerca da Democracia diferenciada dos demais autores. Segundo Bobbio, a política não necessariamente está atrelada à razão, que para Weber, é característica da sociedade Moderna, especialmente a Ocidental. Pelo contrário, ela seria movida por paixões, pois: “o conceito de democracia denota unicamente o modo como são as decisões políticas, e não a substância efetiva dessas decisões: não se diz nada sobre a substancia efetiva da política desenvolvida com esse método. Democracia indica um como, e não um que”. (p.34). E, então, o julgamento variaria de acordo com os critérios adotados.
A escolha desses critérios seria extremamente difícil, por exemplo, usando-se a ética dos resultados, quais resultados levar em conta? Os imediatos ou os mediatos?
Sendo assim, na representação, “o deputado não pode agir por conta de seus eleitores, e sim em nome de toda a nação”. (p.32).
Bobbio ainda atenta para, então, o problema das maiorias e minorias. Segundo ele, num recorte histórico, as justificativas para a regra da maioria não recorrem a um caráter racional e sim a princípios ideais, os seja, a valores. Aproximando-se de Tocqueville, ele diz que a hipótese de que a decisão majoritária satisfaz mais os interesses coletivos do que uma decisão minoritária está embasada numa simples máxima da experiência.
O autor que mais sintetiza as opiniões acerca desse tema é O’Donnell. Ele dá continuidade ao pensamento já desenvolvido por Tocqueville, segundo o qual a democracia tem dois aspectos: o político e o social. Para uma democracia ser plena, a população deveria ter acesso a condições básicas para poder participar da política, seja ela de maneira direta, contradizendo a Teoria das Elites ou de maneira indireta, usando-se a importância da Educação citada por Mill, para que ela seja capaz de eleger melhor os seus representantes e reivindicar seus direitos.
Com a Educação e conscientização da importância da participação política, o privado que atrai, segundo Weber, mais os destaques políticos, deixaria de os atrair, ou pelo menos, não prevaleceria nessa disputa.
O grande problema, entretanto, da representatividade, é o da tirania da maioria, já que segundo Bobbio, não há uma cartilha de que critérios tomas para serem parâmetros de decisões. A melhor forma, usando as idéias de Tocqueville e Mill, seria, realmente, a participação política e a conscientização da importância dela, através da Educação.
Sendo assim, uma forma de conter esse dilema da tirania da maioria, seria a participação de quantas pessoas pudessem dos fóruns menores, em estilo de democracia deliberativa, juntamente com a educação política ressaltada por Mill.
5. Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. Três ensaios sobre a Democracia. São Paulo: Cardim e Alario, 1991.
_______________, MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Ginafranco. Teoria das Elites. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1998.
DAHL, Robert Alan. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo, EDUSP, 1997.
MILL, John Stuart. Considerações sobre o Governo Representativo. Brasília: UNB, 1980.
SCHUMPETER, Joseph Alois. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1979.
URBINATI, Nadia. O que torna uma representação democrática? Lua Nova. São Paulo, 67:191-228, 2006.
WEBER, Max. Parlamentarismo e Governo numa Alemanha reconstruída. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1980.