Notas Breves Sobre L. Wittgenstein

“A filosofia não é uma teoria, mas uma actividade”.

L. Wittgenstein

“A tarefa da filosofia é ensinar à mosca o buraco de saída da garrafa”, afirmou Wittgenstein. Ou seja, é necessária uma libertação, um trajecto que inove, uma procura sem regresso. Libertação da concepção filosófica tradicional da linguagem. Romper com a ideia de que a linguagem é um espelho: da essência imutável da Realidade e da Razão. Ontologia e epistemologia confundem-se, “todo o real é racional e todo o racional é real” (Hegel). Wittgenstein critica essa pretensão do discurso filosófico em se apresentar como a representação espelhar da racionalidade do real. Nenhuma linguagem é reveladora de qualquer essência, por vários motivos. A realidade é devir, diversidade, alteridade, e a linguagem um jogo possível, “o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem” (W.).

Conhecer estes jogos de linguagem, o modo como eles funcionam, as regras que se utilizam, os usos que os aplicam, as instituições que os sustêm, é abrir o tal caminho à "mosca" que se encerrou no interior da metafísica. É preciso libertar a linguagem de qualquer referencial transcendente, libertar a filosofia da sua obsessão de se apresentar como discurso privilegiado – cuja raiz é platónica -, tarefa esta que é de ordem terapêutica, clínica, analítica. Só uma outra forma de filosofia será capaz de cumprir com eficácia tal exercício de cura.

Não há nenhum referencial transcendente. Na origem não era o "Verbo", pela simples razão de que não há o "Verbo". Na origem está a acção, uma multiplicidade de práticas, de quotidianos, de usos, de ferramentas. De contextos. Linguagens diferentes, necessariamente diferentes para corresponderem às regras e finalidades organizadas em formas de vida irredutíveis umas às outros.

Insista-se: os jogos de linguagem são ilimitados e heterogéneos como os modos de vida, funcionam nos seus contextos, dão respostas às finalidades, são usos linguísticos que se adequam à multiplicidade das práticas sociais. Ao polimorfismo dos jogos de linguagem corresponde o polimorfismo dos “jogos” vivenciais. “Ordenar, interrogar, contar, conversar, pertencem tanto à nossa história natural como andar, comer, beber, jogar” (W.).

O uso da linguagem é uma prática, o que significa negar qualquer sentido trans-histórico, o que significa negar qualquer conteúdo imanente à palavra, isto é, um conceito unívoco que a sua definição enunciaria. O que subsiste são apenas exemplos que fazem parte de uma lista que revela como a palavra é utilizada.

A tarefa de uma nova filosofia é de facto terapêutica, curar a vocação tradicional filosófica de produzir um discurso (e um metadiscurso) que se apresenta como “ qualquer coisa de único e sublime, como um dádiva dos deuses ou uma faculdade transcendente que faria o homem participar num mundo imaterial e imutável (espiritual, ideal): a linguagem é empírica, complexa, evolutiva, faz parte da história natural e cultural dos humanos”. Mais, o processo de evolução assimilou a existência da linguagem como um produto do acaso - – sabemo-lo hoje, por exemplo, a partir das investigações no âmbito das neurociências.

A “verdade” é, pois, uma palavra que faz parte de um jogo, um jogo de linguagem que lhe atribui um determinado sentido, de acordo com o seu uso num contexto específico. Determinadas culturas não conhecem essa palavra, não jogam este jogo de linguagem. Mas outros jogos de linguagem.

Há em Wittgenstein uma ruptura radical com o modelo platónico-aristotélico. Com ele abrem-se vias - que, como sempre, se cruzam com outras – tanto no sentido da pós-modernidade (por exemplo, Rorty), como no sentido da crítica desta (por exemplo, Apel).