Amor
Relação entre: O primo Basílio, Eugênio Grandet e Madame Bovary.
Este trabalho tem por objetivo fazer uma pequena comparação entre as obras realistas: O Primo Basílio, Eugênia Grande e o filme Madame Bovary. A relação ocorrerá a partir da análise do tipo de amor que se observa nos relacionamentos das personagens: Luísa, Emma Bovary e Eugênia.
O amor dessas três mulheres será analisado a partir da divisão que os gregos apresentam para a palavra amor, uma vez que para eles o sentimento “amor” é separado em, pelo menos, três vocábulos:
Agapi: amor divino;
Filia: amor fraternal;
Eros: amor carnal.
Além disso, serão realizadas algumas observações sobre a escola literária Realista, bem como sobre os autores Eça de Queirós, Honoré Balzac e Gustave Flaubert, escritor do livro Madame Bovary que inspirou o filme de mesmo título.
No fim do século XVIII e início do século XIX a palavra chave era Liberdade. O Romantismo busca uma forma de afastar-se do clássico, abrindo caminho para a modernidade. O publico alvo da literatura era de origem burguesa e estes não aceitavam os padrões clássicos, por isso a nova escola literária prima pelo individualismo, subjetivismo e evasão.
Na metade do século XIX o movimento estético realista, na França, procura representar a realidade de uma forma objetiva, em oposição ao idealismo platônico dos românticos. Esse movimento foi o primeiro a retratar a vida das classes média e baixa, com o objetivo de mostrar uma postura anti-romântica, com ênfase no homem comum, isto é, opondo-se ao idealismo e ao subjetivismo, que se desligam da vida comum.
A narrativa Realista busca descrever os ambientes, reproduzir a linguagem coloquial, mostrar a família e o regional, além da objetividade na descrição e análise dos personagens. Por tudo isso, pode-se dizer que romantismo e realismo são antíteses.
Honoré Balzac, escritor de Eugênio Grandet, foi precursor do Realismo literário. Ele criou um detalhado retrato da sociedade francesa através dessa obra. Em 1857 Gustave Flaubert, publica Madame Bovary, onde retrata a mentalidade burguesa com seu exame das emoções de uma mulher de classe média. Em 1871, Eça de Queirós busca uma nova expressão de arte, onde avalia a condição psicológica de tipos humanos, procurando o esclarecimento de problemas sociais. Em O Primo Basílio, Eça de Queiros (1976) observa a influência do meio social na vida das pessoas, além de fazer uma crítica aos costumes da época.
Sobre as mulheres: Luísa, Emma Bovary e Eugênia Grandet.
A mulher sempre foi vista como uns seres inferiores, dessa forma as figuras femininas, normalmente, assumem dois papeis: ou de mulher frágil que é dependente, emocional e financeiramente, dona de casa e mãe ou de mulher fatal, traidora e sensual, que destrói lares.
Luísa à maneira de Madame Bovary, é adultera, pois o casamento foi para ambas uma mera obrigação social. Eugênia é uma solteirona rica, mas não pode usufruir o que tem, devido ao excessivo controle exercido pelo pai. Ela também deve casar-se, afinal era o que se esperava de uma dama. Pode-se dizer que o casamento nesse período era a solução para a inferioridade emocional, intelectual e financeira das mulheres.
A questão da família burguesa decadente é retratada nessas três obras Realistas, com o objetivo de fazer uma crítica à sociedade e aos ideais Românticos. Em todas as obras o casamento é visto como uma instituição falida, pois a própria burguesia, que assegurava esses ideais, está em decadência.
Uma possível razão para tratarem a mulher como um ser inferior e, por isso, dependente é explicitada na bíblia sagrada, em Gênesis, onde diz que Deus fez o homem e a mulher, mas a mulher não foi digna da confiança dEle.
“A mulher viu que a arvore era bonita. Ela pensou que seria bom ter conhecimento. Aí apanhou a fruta e comeu; e deu a seu marido” (...). Apesar disso, você terá desejo pelo seu marido, e ele a dominará“. (Gênesis 3.6 e 16)
A ironia presente no retrato dessas três damas incita uma reflexão no que diz respeito ao “Amor”, pois cada uma delas, a sua maneira, procurou esse sentimento, mesmo que de forma ilícita.
A partir de agora, passo a falar um pouco de Luísa, Emma e Eugênia, frente aos tipos de amor que elas buscaram:
Ao ver o filme Madame Bovary, nota-se a constante busca de Emma pelo amor. O casamento com Charles Bovary é o início de sua odisséia. O marido é um homem bom, que trata-na com zelo. O sentimento dele é quase paternal, por isso digo que é um tipo de amor Agapi, visto que ele coloca Emma como um ser divino.
Emma busca o amor, mas não aquele Charles proporciona. Para ela o amor precisa ser pleno, ou seja, a união das três formas de amor (agapi, filia e Eros). Por isso, os amantes são uma tentativa de encontrar o sentimento pleno, que ela tanto idealiza.
Com seu primeiro amante Rodolphe, Emma encontra o amor que é do tipo Eros, ou seja, uma emoção totalmente física e carnal que também acaba por não ser pleno. A princípio esse amor é o mais atraente para Emma, pois dá uma satisfação momentânea, chegando a fazer com que ela queira fugir, mas ao final esse amor mostra-se enganoso e acaba por findar-se.
Seu segundo amante, Leon, proporciona o amor mais singelo, calmo, ou seja, filia, que é apenas uma forma de amor e, por isso, não tem plenitude. León, assim como os outros, representa apenas uma das faces do sentimento, dessa forma não consegue resistir aos infortúnios da vida.
Nenhum dos homens que Emma teve foi capaz de dar-lhe o amor em sua plenitude, então, a única saída pra ela foi morrer, pois no plano terreno esse sentimento não pôde ser vivido inteiramente, restando-lhe apenas a busca do amor num plano superior.
Na obra de Eça de Queirós, O Primo Basílio, a personagem Luísa casa-se com Jorge, um marido ausente, que representa um amor fraternal, rotineiro e distante.
“Luísa, no entanto, passava pior: tinha de repente, sem razão, febres efêmeras; emagrecia, e as suas melancolias torturavam Jorge”(pág: 226)
Luísa sente-se sozinha e cansada da rotina. Ela quer sair dessa monotonia, a forma que encontra é a traição. No adultério ela busca pelo amor pleno (agapi, Eros e filia). Seu maior desejo é encontrar o amor total, por isso, o primo Basílio, recém chegado, torna-se um meio para buscar esse sentimento, pois, para ela mais importante que ter uma pessoa que a amasse era conhecer o amor em sua completude. Isso pode ser observado na crítica que Machado de Assis faz a obra:
“(...) aparece-lhe o primo Basílio, que a amou em solteira. Ela já não o ama mais, quando leu a noticia da chegada dele ficou muito” admirada “; depois foi cuidar dos coletes do marido”.
Assim, os primos passam a se encontrar no “Paraíso”, lugar de perfeição para Deus, mas que também foi o lugar do pecado original, que distanciou o homem de Deus:
“Então o Deus eterno pôs o homem no paraíso...” (Gênesis 2.15).
“(...) meu amor ─ dizia Basílio ─ por um feliz acaso descobri o que precisávamos: um ninho discreto (...) quando vens meu amor? (...) Batizei a casa com o nome de Paraíso. (pg. 125)
Como não poderia deixar de ser, Luísa sofre as conseqüências de sua traição, assim como Eva.
O romance em vários momentos apresenta uma canção. Essa melodia está presente quando Luísa entrega-se a Basílio pela primeira vez. Também quando no teatro ela se decepciona com o amor.
O banimento do “Paraíso” ocorre quando Juliana, uma das empregadas de Luísa, descobre as cartas enviadas pelo amante. Ao ser expulsa do “Paraíso”, ou seja, quando é descoberto o seu amor furtivo, resta-lhe a morte.
Por tudo isso Luísa só pode ser verossímil do ponto de vista do amor que está acima dos preceitos sociais. O fim de Luísa é o fim do próprio romantismo, ou seja, das idealizações, para dar lugar ao Realismo.
“... dizendo baixo a D. felicidade:
─ Continue as suas orações no céu. Deus é imperscrutável em seus decretos.
Na alcova, Julião estivera tomando o pulso de Luísa; olhou então Sebastião fez-lhe o gesto de alguma coisa que voa e desaparece...”. (pág: 287)
Quando Luísa adoece não há mais música, como num funeral, ou seja, ocorre o fim de todos os seus sonhos, de alcançar o amor pleno.
No romance de Honoré Balzac, Eugênia Grandet, a personagem Eugênia, ao contrário de Luísa e de Emma, não busca o amor pleno no adultério, na verdade, ela é a única que encontra esse amor pleno, que engloba os três formas de amor (agapi, filia e eros).
Eugênia passa quase toda sua vida sendo controlada pelo pai, um homem bastante sovina. Ela é o retrato de um ser ingênuo, em cujo amor ainda não penetrou. A chegada do primo Carlos é o ponto de partida para despertar esse sentimento adormecido dentro dela. Para ela Carlos é ao o amor pleno, pois acredita que só nele encontrará a felicidade.
“Foi então que começou para Eugênia a primavera do amor. Após a cena da noite, durante a qual a prima entrega seu tesouro ao primo, seu coração seguira o caminho do tesouro”.(pág 122)
Os dois trocam dois únicos beijos e isso é o bastante para que Eugênia acredite que Carlos é o seu único amor.
“(...) depois desse beijo trocado no corredor, as horas corriam com imensa rapidez para Eugênia (...)” (pág: 127)
Quando Carlos parte para as Índias, Eugênia permanece alimentando o sentimento que sente por ele.
“As mulheres, contudo, permanecem imóveis (...). Assim fazia Eugênia. Iniciava-se seu destino. Sentir, amar, sofrer, sacrificar-se (...)” (pág: 133)
O pai de Eugênia morre, ela herda uma grande fortuna. Com isso, muitos pretendentes aparecem, mas ela continua fiel àquele que acredita ser o amor pleno, Carlos.
Passam-se muitos anos quando Carlos envia lhe uma carta. Nela ele afirma que “... o amor no matrimônio é uma quimera...” (pág: 172), ou seja, para ele não existe amor, mas uma troca de interesses. Nem as palavras duras fazem Eugênia perder o amor que sentia por Carlos, ao contrário ela adormece esse sentimento dentro de si.
Eugênia casa-se por uma necessidade social, fica viúva e retoma o ritual de acender o fogo da lareira.
“A sr ª de Bonfons ficou viúva aos trinta e três anos, rica, (...). Apesar de oitocentas mil libras vive como vivera Eugênia Grandet”.(pág: 183)
Carlos é para sua prima a personificação do amor, como este amor lhe foi negado, a única saída é adormecê-lo novamente.
Tanto Emma, quanto Luísa não encontram o amor pleno, ou seja, a união do amor agapi, do Eros e do filia, já Eugênia encontra esse sentimento. Enquanto as outras morrem para encontrá-lo no plano espiritual, Eugênia, adormece o sentimento dentro de si, pois Carlos é o próprio amor. Emma e Luísa não encontraram o amor, por isso não tiveram razão para viver, Eugênia encontrou Carlos, que lhe deu razão para viver.
Por tudo isso, Eugênia liga-se à imagem de nossa senhora, um ser puro, perfeito e fiel. Assim sendo, ela representa a mulher virtuosa porque foi fiel e soube suportar o destino que lhe convinha, ou seja, de ter o amor, mas não poder usufruir dele. Por isso, ela liga-se a imagem da mulher frágil e dependente que merece viver.
Emma e Luísa ligam-se a imagem de Eva, pois são considerados seres ambiciosos e ardilosos que merecem morrer porque não foram fieis, ou seja, não souberam compreender que o amor pleno não lhes pertencia. Dessa forma, elas representam o tipo de mulher fatal que desperta o desejo da carne e que deve morrer (sofrer) por que não souberam ser submissas.
Sabe-se que o amor é um tema universal e atemporal, de tal modo que as três obras estão impregnadas por essa temática. O sofrimento pelo amor ocorre em todas elas, ainda que com desfechos um pouco diferentes. Isso acontece porque o amor constitui um jogo continuamente realizado pelo ser humano. Mudam as regras, os personagens, mas a ânsia de encontrar o amor permanece.
Por isso, arrisca-se dizer que essas três obras possuem uma pincelada desse sentimento e, por isso, acredito que é preciso buscar entender o que se passa com essas três personagens que desfilam heroicamente pela literatura. No entanto, só será possível desvendar seus mistérios quando encontrarmos uma resposta para o que realmente é o amor.