Plataforma

O ar quente e estagnado da estação envolvia o corpo do velho. Parado ali, sozinho, esperava o metrô bem a beira da plataforma, olhos fixos, congelados, contando os grampos que prendiam os suportes dos trilhos. Já era tarde, o trem estava por vir, talvez o último da noite. Completamente sozinho em um lado da plataforma, e com apenas duas jovens do outro lado, a estação parecia um monastério. Silêncio, marasmo, tédio. Poucas lâmpadas acesas colaboravam com o clima.

Pequenos estalos e zumbidos finos vindo dos trilhos anunciavam que o trem estava se aproximando. O velho ainda fixo nos grampos, despertou do seu transe. Viu bem distante a galeria se iluminando com o farol do trem. Olhou novamente para o trilho e pensou:

- Mais um passo. Quarenta ou cinqüenta centímetros fariam toda a diferença. Um pequeno movimento, alguns músculos se movendo, nenhum esforço demasiado, seria o suficiente para separar a vida da morte. Faria toda a diferença. Que tal experimentar? Será que dói? Será que dá tempo pra sentir alguma coisa? Um passo e acordo do outro lado? Que lado? Será que tem lado? Se eu ficar imóvel, tudo será previsível, meu amanhã será o mesmo. Meu mês será o mesmo. Meus poucos anos de vida serão totalmente previsíveis.

Estava tão concentrado em seus pensamentos, como em uma meditação, que o trem tinha parado e partido sem notar. Passou a meio metro dele e o velho permaneceu imóvel em seu transe reflexivo. As duas jovens que estavam do outro lado, perceberam que havia algo estranho. Contornaram por cima das plataformas e foram de encontro ao velho. Não passaria outro trem, a estação iria fechar.

Quando estavam a uns cinco passos do velho, prontas para perguntar se ele queria algo, o velho simplesmente perdeu a força nas pernas, flexionou os joelhos, o tronco se projetou para frente, o peso da cabeça e braços fez com que ele caísse da plataforma para baixo, em cima dos trilhos. Ao tocar os condutores eletrificados, seu corpo todo tremeu por uns dez segundos, se contraiu e parou imóvel. As jovens ficaram horrorizadas, congeladas. O velho não respirava mais, a morte foi instantânea.

Nem isso ele fez de vontade própria. Tinha toda a chance de dar, ele mesmo, o passo para frente do trem. Velho covarde, como tudo durante a sua vida, deixou o acaso resolver. Nem na última chance teve coragem... Velho covarde!