Autonomia ou Liberdade.

Observando os elementos comuns de afirmação de uma determinada ideologia, noto que sempre será comum definir critérios de liberdade, justiça e outras convenções que deverão ser absorvidas pelo senso comum.

Há na liberdade, ofertada nestes ciclos de alternância, condicionais que nada mais são que a parte inegociável no controle da sociedade por uma classe dirigente, que esta nova abordagem promete libertar.

É muito comum ouvirmos: “Liberdade com responsabilidade”. A responsabilidade devida é tão somente a estrita observação aos limites convencionais correntes, ou seja, a liberdade oferecida.

Social e naturalmente, somos em primeiro momento animais perceptivos, isto é, registramos eventos e fenômenos a partir da nossa percepção sensorial. Esta constatação, embora óbvia, é pertinente à medida que ver não é o mesmo que observar; e sentir não é o mesmo que perceber.

Então o conjunto de nossos sentidos, associados às características racionais, culturais e a alguns costumes, irá formar o conjunto de instrumentos das relações intelectuais. Que só deverá ser levado em consideração quando este conjunto representar elemento de autonomia e independência.

O motor de todas estas relações passa pelo questionamento efetivo de sua própria posição, e da sua direção rumo à construção desta autonomia. A liberdade coagida sempre será menor que a autonomia conquistada.

O homem social, urbano e contemporâneo vive necessariamente no estado de direito, que exige uma negociação coletiva através de uma estrutura legal que tem como finalidade compulsória tornar perene o espectro político a que serve no momento.

Diante disso a liberdade oferecida muito provavelmente não admitirá confrontação sem nenhum tipo de restrição.

A sociedade não existe sem agricultores, da mesma forma sem os médicos, por estarem necessariamente ligados a sobrevivência dos homens; mas sempre haverá quem conteste a necessidade da existência de um filósofo ou mesmo de um artista.

A autonomia é a possibilidade real da existência, se o indivíduo unicamente replica comportamentos, partilha opiniões sem questionar as finalidades, talvez ele esteja cobrindo as posições de um determinado estereótipo, mas não estará próximo de se descobrir como sujeito de suas próprias escolhas.

Se a liberdade existe, de fato, ela se encontra bem depois de uma autonomia consciente, de uma responsabilidade maior do indivíduo de ser além do estereótipo.

Não há poder que não busque a legitimidade, ainda que por oposição, e o homem que pensa é potencialmente a matriz de questionamentos, devido a sua persistente busca de uma via original para interpretar o momento em que vive.

A liberdade, então oferecida pelos estados ou pelas instituições que o constituí, será tão somente um contrato com as partes claramente convencidas que as garantias ali definidas poderão ou deverão ser cumpridas. Neste contrato há o reconhecimento documental através da cidadania desde o nascimento até depois da morte, quando o homem é só o seu espólio e as leis reconhecem isto.

A liberdade tal como é praticada nos modernos sistemas políticos é um fetiche, que tem servido para desenvolver homens, conhecimentos para ratificar essa neo-servidão, que irá se chamar democracia.

Tal situação não se sustenta sem opositores, que como tal serve para legitimar a dinâmica instituída. Estes regimes preferem ter um embate intelectual, que pelo nível do interlocutor lhes garantirá alguma consideração, da parte dos homens que deverão criar alternativas para a adaptação, através de uma relação de notoriedade com a sociedade.

Sobre este homem que atingiu um patamar de representação e notoriedade em sociedade, cabe anotar que, existe uma realização atemporal, que se prolonga para além da própria existência, em beneficio de um projeto de mundo melhor, que é um projeto de homem melhor; que bem poucos conseguem cumprir.

Geralmente o que ocorre é a assimilação de um nível acima, que confere um conjunto de privilégios e uma série de benefícios, uma relação viciada, cuja paga é o assentimento dos valores democráticos vigentes. O que ratifica um sistema de poder é a formação de um corpo inteligente para endossá-lo e desenvolve-lo.

Provavelmente todo homem, apartado da condição de sobrevivência, imagina constituir um legado perene, construir a partir de suas habilidades, um patrimônio que o remeterá e aos seus a uma condição de benemerência; que irá representar uma evolução importante entre seus concidadãos e para os seres humanos de uma maneira geral.

Ao questionar o ideal de liberdade atual, não há como deixar de posicionar a inversão da evolução material. Se dispondo de melhores condições materiais, o chamado homem moderno buscasse, além da compulsória acumulação, o alargamento das vias da compreensão do seu próprio tempo e se portasse com a responsabilidade de um crítico e com a disposição de um empreendedor, talvez ele se fizesse sujeito e não uma convenção, que é o estereotipo dos homens que perseguem o tempo invés de construí-lo.

A inversão observada é que uma vez que nosso ator atinge alguma autonomia material, ele avança em direção a um novo limite, e assim a sua atividade vai deixando para trás a própria finalidade. A autonomia que a segurança material deveria gerar transforma-se num fetiche de conquista e acumulação onde parece que o motor ou a alma é um caráter da conquista e não um componente humano na realização.

Hoje diversas nações desenvolvidas têm a sua classe média com seu ideal de indivíduo comprometido devido à “responsabilidades” sociais. Um contingente enorme de pessoas esta trocando seus pequenos prazeres pessoais pela catarse dos desejos de consumo coletivo, chegam a se considerar felizes por pagarem suas contas, e se deprimem se não corresponderem ao novo padrão de consumo vigente.

A notoriedade cedeu lugar à celebridade, o saber categórico cedeu à informação superficial e as novas mídias celebram os volumes de informação que colocam a disposição dos indivíduos, apesar de ainda não conseguir classifica-las de modo qualificado e efetivo, o erudito é um ser em extinção. Neste campo talvez haja quantidade, mas seguramente não há qualidade.

O que algumas gerações reconhecem como talento, o ‘status quo’ agora renega; e celebra a técnica e a formulação do conhecimento em série, obtido através da prática acadêmica. Assistimos dia a dia a construção de novas teses e a derrocada de outras; chama-se hoje de ciência a aventura de tentativa e erro que outrora era o empirismo.

A muitos anos e com poucos instrumentos o filósofo disse: “Só sei que nada sei”; hoje, com uma incomensurável capacidade de recursos, talvez dissesse ; “Só sei que sou um tolo”.

Vivemos ainda uma época de dominação, onde o mais forte, o mais sábio, o que melhor se relaciona constrói alianças para predominar; mas há ainda uma necessidade de justificar esse domínio, de autenticar esta servidão, de forma que o dominado sinta-se parte efetiva da nova ordem. É necessário criar um conjunto de instituições de controle e legitimação desta nova organização.

A contra posição ao controle é uma situação de distensão, que permitirá a este homem usufruir de alguma liberdade de modo que se sinta indivíduo, quando de fato é massa.

.