Amor incondicional

Em seu livro “A Águia e a Galinha” , Leonardo Boff define o amor incondicional como aquele que não coloca condições para ser vivido. Não há a necessidade de parentesco, de raça, de religião, de ideologia e de trabalho. Amor que é energia, para qual devemos nos entregar sem exigir recompensa ou retorno.

Abordo o texto de Leonardo Boff para introduzir algumas considerações a respeito do padrão de amor que nos é imposto pela sociedade. O amor incondicional descrito pelo autor acima se revela o oposto do modelo de amor que geralmente vivenciamos.

Somos levados a encarar o amor como uma relação de pura troca. Só amamos uma pessoa, se ela for como queremos que seja. Trata-se de um amor que sugere a posse ao invés da convivência.

Deixamos de ouvir nosso coração, para garantir a nossa posição perante o grupo ao qual pertencemos. Não nos entregamos ao amor incondicional, pois tememos ser chamados de tolos, porque não nos permitimos deixar cair a máscara, com a qual nos revestimos para garantir nossa sobrevivência.

James C. Hunter, em seu livro “O Monge e o Executivo” , explica esse amor como sendo derivado da palavra grega philos, ou fraternidade, amor recíproco. Uma espécie de amor condicional, do tipo “você me faz o bem e eu faço o bem a você”.

Em contrapartida, o mesmo autor nos fala do amor agapé, que corresponde ao amor incondicional, baseado no comportamento com os outros, sem exigir nada em troca.

Há mães e pais que cobram dos filhos o amor e a atenção que lhes deram. Não é raro ouvirmos uma mãe se queixando de um filho ou uma filha quando não se comportam da maneira como ela espera: “Eu passei noites acordada cuidando de sua saúde, dei duro para oferecer o melhor para você e agora é assim que você me retribui, dando só desgosto e preocupação”.

Gente! Ninguém pede para vir ao mundo. Nenhuma criança fica doente por vontade própria. O esforço que fazemos para dar boas condições aos nossos filhos é algo temos que fazer porque os amamos e não porque estamos investindo em alguém, que mais tarde será o resultado de um projeto de ser humano que idealizamos.

Se você cuida do seu filho por obrigação, se trabalha para lhe garantir um bom futuro esperando que ele lhe retribua, você não está lhe dando amor. O que existe aí é uma relação de troca, um negócio.

Essa questão do amor que espera retribuição está presente em muitas situações. Quantas namoradas e namorados, esposas e esposos cobram de seus parceiros constantemente coisas como: “Eu mudei a minha vida pra ficar com você”, “Deixei de realizar meus projetos profissionais pra te acompanhar”, “Fiz de tudo por você!”.

A questão é que o amor incondicional não exige que as pessoas mudem ou se anulem. Se você teve que mudar para conquistar o seu amor, você não está vivendo um amor verdadeiro, pois a outra pessoa não terá se apaixonado por você, mas por um personagem que você criou.

Ao mesmo tempo você estará se anulando, deixando de ser você e com o tempo isso começará a custar caro. Você começará a querer que a outra pessoa lhe retribua o sacrifício que está fazendo para ficar com ela e sentirá mágoa por ela não se comportar como você gostaria que se comportasse.

Os momentos íntimos nunca serão satisfatórios, pois você se sentirá incompleto, não terá certeza do amor do parceiro ou da parceira, pois aguarda uma troca, uma retribuição que não acontecerá.

A outra pessoa se manterá autêntica e não se transformará no modelo de parceiro ou parceira que você idealizou, a partir da postura que você tomou frente ao relacionamento, anulando-se, deixando de ser e fazer o que gosta, para impressionar e atrair a atenção da pessoa amada.

O ciúme, que já constitui elemento natural nas relações amorosas, acabará se tornando insuportável para você, pois o fato de você se anular em função do outro vai aos poucos minando seu amor próprio e sua auto-estima e você começa a se achar inferior às outras pessoas.

O medo de perder a atenção da pessoa amada cresce, pois, para você, qualquer um acaba parecendo melhor, mais bonito e mais atraente e sua insegurança fará com que você cometa ridículos por causa do ciúme, que se transforma em obsessão.

Para você que vive nessa situação, vai um conselho do saudoso John Lehnon : “A gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia é só mais agradável”.

Há também os casos de pessoas possessivas. Acontece quando o parceiro ou a parceira quer dominar a pessoa amada. Começa a exigir que ela mude e se molde as suas expectativas. Faz isso de maneira sutil, oferecendo presentes e carinho em troca de obediência, ou de maneira mais direta e, às vezes, utilizando chantagens emocionais e até a violência.

O antigo paradigma de rimar “amor” com “dor” faz com que a maioria das pessoas só valorize o amor que busca troca ou recompensa, aquele que necessita ser correspondido. Morrer de amor, sofrer de paixão, matar por ela, parece ser só o que vale. Com base nessa realidade as duplas sertanejas vendem discos e as emissoras de TV estouram em audiência com as novelas.

Prefiro rimar “amor” com “calor”, com “flor” e tudo mais que seja bom e bonito.

Carlos Drumond de Andrade, em seu poema “O amor antigo” nos fala que: “O amor antigo vive de si mesmo, não de cultivo alheio ou de presença. Nada exige nem pede. Nada espera, mas do destino vão não nega a sentença”.

Portanto, faça o que fizer, mas faça por amor! Faça porque você está com vontade de fazer e não porque espera que suas ações lhe tragam retorno no futuro.

Ame seus filhos simplesmente porque eles são seus filhos. Ensine-os a serem gratos pelo exemplo e não pela cobrança. Seja grato aos pequenos atos que seu filho pratica por você. Lembre de dizer a ele muito obrigado quando ele faz alguma coisa que você pede. Valorize aquele desenho colorido que ele faz num pedaço de papel, lhe traz com carinho e diz que aquele boneco, desenhado a partir de um círculo e pequenas linhas, é você.

Da mesma forma, não traga flores para sua esposa só porque você que ser liberado para jogar futebol à noite, sem queixas e reclamações.

Não mantenha relações nas quais já não existe mais amor e cumplicidade só porque você tem medo de ficar só. Relacionamentos assim não proporcionam alegria. Torna-se um trabalho, uma rotina. Nada de novo acontece, a criatividade morre e os momentos de prazer verdadeiro tornam-se cada vez mais raros.

Sheakspeare , em um de seus poemas nos diz que: “Depois de algum tempo você percebe a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se e que companhia nem sempre significa segurança. E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas (...) Aprende que só porque alguém não o ama do jeito que você espera que ame, não significa que esse alguém não o ame com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como expressar ou viver isso (...) Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores”.

A história nos dá exemplos de pessoas que viveram o amor incondicional. Jesus Cristo, com seu amor pela humanidade, curava a todos e ensinava o perdão a qualquer pessoa. Madre Teresa de Calcutá, com seu amor pelos pobres, recolhia os moribundos na rua, para que morressem com dignidade. São Francisco de Assis, com seu amor pelos animais, deixou uma vida confortável para viver em comunhão com a natureza.

Nós também podemos ser exemplos de amor incondicional. Não precisamos para isso entrar na história ou realizar mudanças radicais no nosso modo de viver. Podemos ser exemplos vivendo o amor incondicional no nosso cotidiano, com os nossos familiares, nossos amigos, nossos vizinhos, com o trabalho que escolhemos realizar. Acima de tudo, seremos mais felizes se amarmos incondicionalmente a nós mesmos e a vida.

Afinal de contas, Jesus falou: “ama teu próximo como a ti mesmo”. Se não nos amarmos e não estivermos felizes com nós mesmos, dificilmente poderemos amar ou fazer feliz outra pessoa.

Não falo aqui somente do amor que exige relacionamento e convivência, mas de todo amor que seja possível de existir. Aquele gesto de compaixão que se faz ao permitir que os órgãos de um parente próximo que faleceu sejam doados, mesmo para pessoas que talvez nem cheguemos a conhecer, mas que se beneficiarão dessa atitude para o resto de suas vidas.

Falo do amor que demonstra quem ajuda os necessitados através de doações espontâneas, mesmo que eles muitas vezes estejam do outro lado do mundo.

Falo do amor que muitos voluntários em causas diversas demonstram ao se dedicarem gratuitamente a uma questão humanitária.

Amar é querer que o outro esteja bem. O amor não tem fronteiras, não tem amarras, não tem obrigações. Ele é um sentimento nobre, que nasce na alma do mais pobre ao mais afortunado. O amor é como o sorriso: ninguém é tão pobre que não o possa dar e nem tão rico que dele não necessite.

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Alcione Alvez
Enviado por Alcione Alvez em 12/03/2009
Reeditado em 28/06/2016
Código do texto: T1482359
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