Neve em Curitiba
Era uma noite fria, daquelas que Curitiba estava acostumada a enfrentar. Lá fora a neblina não permitia que se visse além de poucos metros adiante dos olhos. Mesmo em ruas iluminadas só se percebia a presença de outros transeuntes pelo barulho de seus passos. Somente quando estivessem muito próximos é que se viam os vultos, não se distinguindo senão pelas vozes, pelo cumprimento soturno de quem vive num lugar de povo frio. É o que se dizia dos curitibanos, que não costumavam ser muito acolhedores com estranhos, em nada diferindo do clima. Os carros andavam com cautela, quase tateando o caminho, motoristas tentando adivinhar onde estava a rua. Carros no sentido contrário atrapalhavam a visão, pois a neblina espalhava a luz dos faróis de um jeito que quase cegava.
Ninguém em sã consciência sairia às ruas se não fosse obrigado. Plantonistas, motoristas e cobradores do transporte coletivo, jornalistas e jornaleiros, boêmios, travestis e prostitutas em busca de clientes desesperados o suficiente para buscar companhia naquela bruma. Estudantes de cursos noturnos não havia, pois estavam em férias. Até por isso a Curitiba de julho estava mais vazia que de costume. Gente que vinha somente no período escolar voltara para o curto descanso do meio do ano junto a seus familiares. E assim a cidade adormeceu, envolvida numa temperatura que o mercúrio dos termômetros registrava encolhido nas ampolas.
Amanheceu o dia dezessete de julho de mil novecentos e setenta e cinco. Um fenômeno climático raro estava acontecendo. Flocos de neve começaram a cair do céu e, aos poucos, foram cobrindo os telhados, os carros e os gramados. Os curitibanos, eufóricos, saíram às ruas para constatar que a neve não era tão fria quanto o gelo que se formava nas poças de água e nas goteiras dos telhados. Logo estavam fazendo bonecos de neve, guerreando com as pelotas brancas que jamais teriam oportunidade de ver por aqui. Diz a Wikipedia que, antes, Curitiba só vira neve em 1928, 1942 e 1955 em alguns bairros. O fato é que depois daquele dia, já passados quase trinta e quatro anos, não se viu mais uma nevasca por aqui. Nos anos 80 houve ocorrências registradas somente pelo serviço de meteorologia, mas ninguém viu neve alguma nas ruas.
Nos dias seguintes houve geadas e muito frio. A neve acumulada nos telhados congelou e demorou dias para derreter. Outros invernos vieram, mas nenhum foi tão rigoroso quanto aquele de mil novecentos e setenta e cinco. E nenhum dia de frio em Curitiba marcou mais a vida do então menino, Jocelino, que a tudo assistiu da janela de sua casa, recuperando-se de uma caxumba.
Obs.: Este ensaio integrará o livro Curitiba - 316 anos de história, tradição e identidade, a ser lançado em 29/03/2009 pelo Instituto Memória (www.institutomemoria.com.br)
Era uma noite fria, daquelas que Curitiba estava acostumada a enfrentar. Lá fora a neblina não permitia que se visse além de poucos metros adiante dos olhos. Mesmo em ruas iluminadas só se percebia a presença de outros transeuntes pelo barulho de seus passos. Somente quando estivessem muito próximos é que se viam os vultos, não se distinguindo senão pelas vozes, pelo cumprimento soturno de quem vive num lugar de povo frio. É o que se dizia dos curitibanos, que não costumavam ser muito acolhedores com estranhos, em nada diferindo do clima. Os carros andavam com cautela, quase tateando o caminho, motoristas tentando adivinhar onde estava a rua. Carros no sentido contrário atrapalhavam a visão, pois a neblina espalhava a luz dos faróis de um jeito que quase cegava.
Ninguém em sã consciência sairia às ruas se não fosse obrigado. Plantonistas, motoristas e cobradores do transporte coletivo, jornalistas e jornaleiros, boêmios, travestis e prostitutas em busca de clientes desesperados o suficiente para buscar companhia naquela bruma. Estudantes de cursos noturnos não havia, pois estavam em férias. Até por isso a Curitiba de julho estava mais vazia que de costume. Gente que vinha somente no período escolar voltara para o curto descanso do meio do ano junto a seus familiares. E assim a cidade adormeceu, envolvida numa temperatura que o mercúrio dos termômetros registrava encolhido nas ampolas.
Amanheceu o dia dezessete de julho de mil novecentos e setenta e cinco. Um fenômeno climático raro estava acontecendo. Flocos de neve começaram a cair do céu e, aos poucos, foram cobrindo os telhados, os carros e os gramados. Os curitibanos, eufóricos, saíram às ruas para constatar que a neve não era tão fria quanto o gelo que se formava nas poças de água e nas goteiras dos telhados. Logo estavam fazendo bonecos de neve, guerreando com as pelotas brancas que jamais teriam oportunidade de ver por aqui. Diz a Wikipedia que, antes, Curitiba só vira neve em 1928, 1942 e 1955 em alguns bairros. O fato é que depois daquele dia, já passados quase trinta e quatro anos, não se viu mais uma nevasca por aqui. Nos anos 80 houve ocorrências registradas somente pelo serviço de meteorologia, mas ninguém viu neve alguma nas ruas.
Nos dias seguintes houve geadas e muito frio. A neve acumulada nos telhados congelou e demorou dias para derreter. Outros invernos vieram, mas nenhum foi tão rigoroso quanto aquele de mil novecentos e setenta e cinco. E nenhum dia de frio em Curitiba marcou mais a vida do então menino, Jocelino, que a tudo assistiu da janela de sua casa, recuperando-se de uma caxumba.
Obs.: Este ensaio integrará o livro Curitiba - 316 anos de história, tradição e identidade, a ser lançado em 29/03/2009 pelo Instituto Memória (www.institutomemoria.com.br)