Deve haver algo mais
DEVE HAVER ALGO MAIS:REFLEXÕES SOBRE DEUS
(Dorothee Sölle)
Comentários sobre o texto
A Luta com o desconhecido
Na passagem em que Jacó se vê as voltas com o combate até a aurora, combate este travado entre ele e um desconhecido, residem aspectos de enorme importância para a autora.
Segundo Dorothee Sölle, nas interpretações que analisou sobre esta passagem, havia sempre o interesse em se saber quem é Jacó. Inseriam a história enigmática na sua experiência de vida, penetram em seu lado claro e obscuro, em suas relações alternantes com os outros e consigo mesmo, enfim como alguém que briga com Deus.
Para a autora, a questão que mais a instigava era: Quem é Deus nessa história? Sua identificação com Jacó diminuía o interesse por ele e aguçava o interesse por Deus. Sua experiência nas transições obrigatórias da vida, a tornavam Jacó, fato este que levava seu interesse a dirigir-se ao outro, ao que assalta e quer matar, ao que abençoa. Através de Jacó, ela deseja saber algo sobre Deus.
As questões que a autora formula com agudeza de espírito são:
Quem é o Deus de Jacó? Quem assalta e quem abençoa?
Seu interesse pousou nos termos utilizados para referir-se ao combatente de Jacó: o estranho, o visitante noturno, o demônio que teme a luz do dia, o fantasma, o espírito que rouba e mata, o agressor, o inimigo. *
Os intérpretes desta passagem, em sua grande maioria, utilizam a referência a um anjo. “A luta de Jacó com o anjo” para eles a luta de Jacó é a luta com o anjo e mantém, assim, um plano mediano entre o demônio e Deus.
A autora faz referência a história de uma amiga, que em sua fragilidade humana recebe também a visita do estranho, numa comparação com a passagem da bíblia, atualizando assim a idéia do combate interior.
Levanta a questão da luta, do assalto, indagando-se sobre a chegada do amanhecer. Faz uma reflexão sobre a crença de que Deus coopera em tudo para o bem dos que o amam. E se detém a rever a força extraordinária expressa na atitude de Jacó, ao não desistir da luta e o que mais a impressiona, não apenas desejar vencer, mas conquistar a partilha, a parceria com Deus. Não mais o Deus como o conceito anterior, mas um novo Deus.Jacó deseja vencer e ser abençoado pelo seu oponente.
Suas reflexões repousam sobre a oração, concluindo que “lutar, debater-se, orar é um processo”. Assim, orar e lutar se complementam.
Quem é o Deus de Jacó e o nosso Deus? Eis as questões que prendem a atenção da autora. E conclui, portanto, que a resposta não está na teologia, mas na luta que podemos chamar de oração ou combate. Deus não nos assalta menos do que a Jacó, na oração nós nos apresentamos àquele que nos assalta.
(* Parece-nos que ai a referência se faz ao subconsciente. O fundo onde habitam os registros de crenças, valores, julgamentos, condicionamentos, o falso senso de separação que é inato no Homem ao se expressar na forma, nesta dimensão. Ao referir-se à noite, tem-se a noção do subconsciente que jamais vem à luz, permanece na escuridão de nossa ignorância, mas ao permanecer se faz presente em nosso dia a dia, se projeta em nossas escolhas e nossas atitudes, interfere em nosso proceder e determina caminhos por nós então percorridos. Há que se considerar os valores, a cultura, como determinante variável, na existência humana.).
Excelente texto, rico material para reflexões proativas.
Priscila de Loureiro Coelho
Consultora de Desenvolvimento de Pessoas