Preto em tons vermelhos
Ela modelou os cabelos em um coque no alto da cabeça e permitiu que dois cachos vermelhos lhe caíssem na nuca.
Olhou-se no espelho e tentou sorrir da forma que se fazia mais bonita. Bem pouco. Muito leve. Superficialmente de fato alegre. Balançou a cabeça desejando desbotar sua imagem no espelho e caminhou até a janela com um sorriso mais bonito que o do espelho.
A saber sobre o dia lançou a mão para fora e sentiu o frio. Só depois olhou para o céu, cinza negro e belo, como só o cinza conseguia faze-lo.
Recolheu as tintas no caminho, pisou em alguns papéis com desenhos secos, três vermelhos, dois pretos e alguns cinzas e pretos manchados de vermelho. Nenhum se explicava a ela, porque não seria necessário. Nenhum se explicava a si mesmo porque não entendia de onde surgira e para quê serviria. Eles todos se confortavam no chão, sobrepostos e sujos. Eram pisados e se limpavam nos pés dela, tornando-os uma mistura sentimental de cinza, vermelho e negro.
Para organizar os objetos, colocou-os desordenadamente espalhados em lugares e cantos que não deveriam pertencer coisa alguma. Só parou quando se sentiu confortável, com os objetos distribuídos pelo quarto tal qual ela mesma em suas idéias.
A chuva foi expulsa para fora ao cerrar-se a janela. Ela se sentou na cama e ficou a observar a água escorrer no vidro. Observou que ao escorrer a água levava um pouco da imagem junto consigo, criando um aspecto figurativo da imagem do real que a janela mostrava.
Imaginaria a janela como um de seus desenhos cuja tinta escorria devido a chuva. Tinta cinza, negra e vermelha escorrendo com a água pela janela. E assim, escorrendo, ela sentiu-se muito mais artista. E muito mais confortável, enfim.
Olhou-se novamente no espelho e esperou, imaginando que fosse falar algo. E desistiu.
(...)