Se Você não se acha uma pessoa digna para cumprir grandes missões, pode ter certeza de que há grandes missões dignas querendo lhe achar para se cumprirem. – Voafra, contadora de histórias e professora de educação moral e cívica motivacional..
 
Há pessoas incomuns destinadas a cumprir grandes missões, mas há também grandes missões destinadas a serem cumpridas por pessoas comuns. – Jorge, vendedor de livros sobre autoestima no trabalho operário.
 
Tão importante quanto se estar indo numa grande missão é ter uma grande missão indo através de si. –Antero, poeta, andarilho e cantor para trabalhadores rurais de cana-de-açúcar.
 
 
Embora ser um simples e anônimo empregado ou trabalhador informal não seja costumeiramente visto como uma missão de vida, é de se crer que muitas missões nobres para o Universo são mais facilmente cumpridas na condição de empregado. Isso ao largo da característica escravocrática intrínseca a toda relação patrão-empregado, que é uma evolução da antiga relação senhor-escravo. [É próprio de toda condição de vida social que, formalmente, alguém tem de mandar e alguém tem de obedecer.]
Algumas profissões subordinadas podem facilitar o cumprimento de missões altamente estratégicas à boa engrenagem de qualquer formação social. Exemplos: professor, enfermeiro, secretária, atendente, recepcionista, gari, cozinheiro, garçom, empregado doméstico, segurança, babá, ascensorista e, extensivamente, policiais, funcionários públicos etc.
Outras missões são mais bem cumpridas quando se está na condição de patrão, especialmente quando “trabalhos de equipe” são vitalmente necessários. Neste caso, não importa tanto quem é o patrão nem quem é o empregado, mas, sim, o trabalho mostrado ou os bens produzidos em prol da sociedade, ou até mesmo em prol da ruazinha onde eventualmente esteja instalada a quitanda.
Observe que uma pessoa quando está concentradamente envolvida com um trabalho, fica um pouco outra pessoa, normalmente na versão melhor de si mesma, às vezes bem diferente dela mesma em estado de ociosidade. É quando ocorre o casamento harmonioso entre pessoa humana, pessoa laboral, pessoa espiritual e até pessoa transcendental.
Além da sua função social, o trabalho tem sua função moral, que nos impele à melhoria de nós mesmos através da concentração dos sentidos sobre um fazer qualquer útil a alguém, mesmo que esse alguém seja diretamente uma simples pessoa jurídica comercial, ou, lato sensu, a uma parcela mínima ou máxima da sociedade.
A missão comum e única de todos nós: amar. Amar, apesar das nossas eventuais condições expiatórias ou provacionais pessoais, ambientais, históricas ou particularmente profissionais ou funcionais. E para Deus não importa se o trabalho é remunerado ou se é voluntário. O que mais importa é o resultado dele para os planos divinais aqui na Terra ou mesmo na comunidade onde o seareiro dedica seu suor.
O amor social através do que se faz profissionalmente, é também um caminho para a celestialização de nossas condições de vida, ainda que estas sejam, a princípio, infernais. É um caminho para minimizarmos, a nosso favor, os rigores do destino.
Mas, a infernalidade ou também a celestialidade em relação ao ambiente laboral está mais dentro do próprio trabalhador do que na relação com o patrão ou com o trabalho em si. É questão de perspectiva. É questão de ver, de cima, o propósito maior que o motiva a estar ou continuar naquele ambiente de produção industrial ou mercantil durante algum tempo ou durante toda a vida profissionalmente ativa.
O mesmo trabalho pode ser para uns uma escravidão; para outros, uma diversão; para outros, uma missão; para outros, uma escada de ascensão dentro da própria companhia ou no grande mercado de trabalho; para outros, enfim, um caminho para a liberdade ou para servir a Deus.
 
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Se você não nasceu inclinado ou “chamado” pela vida para uma missão humanitária bem definida, crie a sua própria. Não precisa necessariamente ingressar na Legião Estrangeira ou no Greenpeace. Há muitas missões simples, anônimas e comuns que podem ser assumidas voluntariamente por todos, inclusive atrás de um balcão de loja.
Os grandes missionários da Humanidade vão para o céu. Os sem-missão definida têm mesmo é de ir à luta
[1], no trabalho continuado, tipo o das formiguinhas, ajudando a granel, aqui e ali, onde o sistema laboral permita e dentro da regras empresariais, seja como um bancário, seja como um funcionário público do setor de atendimento.
Enquanto isso, nas horas extra-expedientes, pode se dar um plus de sentido a sua vida como cidadão e como integrante de uma empresa bem maior, inteiramente voltada para o social, que é a “Companhia de Jesus”
[2].
Campanhas, quermesses, jantares de adesão, shows de arrecadação de fundos de apoio (no palco ou na plateia), chás beneficentes, campanhas de agasalho, mingau das madrugadas, campanhas públicas ou privadas de erradicação da miséria, aulas beneficentes e outros engajamentos de promoção humana garantidamente também vão agradar ao Grande Líder. No mínimo, vão dar um sentido mais proveitoso a nossa existência, além da eventual satisfação e missionaridade que percebamos em nossa anônima lida empregatícia.
Pequenos trabalhos individuais ou de equipe também somam ponto para a nota da unidade no Grande Liceu da vida humana em sociedade. Quem sabe se na média final não ficaremos com um 8 ou até um 9? Tem trabalhador-missionário por aí que, mesmo no serviço de apoio mais anônimo e aparentemente sem expressão, chega ao exame final e recebe nota 10, porque lhes são acrescidos pontos por bom comportamento, com direito até a menção honrosa e a aproveitamento dos pontos excedentes para a próxima unidade!
De qualquer atividade útil, honesto e interativo, remunerado ou voluntário, pode-se tirar lucro ou proveito para a grande seara de trabalhadores, especialmente os de última hora, na grande seara, que se estende em toda parte, a partir da próxima esquina, a partir da próxima sala, recepção, setor ou repartição pública ou privada. “Quando o trabalhador está pronto para servir [cristãmente], o serviço logo aparece”.
 
O que caracteriza um fazer qualquer como parte de uma grande missão não é o fazer em si, mas, sim, o propósito.
Destaque-se que, para muitos, tentar ser um pacato cidadão, que só cuida mesmo de ser uma boa pessoa, já é um esforço meritório, já exige um bom jogo de cintura. O importante é que, mesmo nos dias conturbados e agitados em que vivemos hoje em dia, cheios de pressas e pressões e menos de preces, não se fique o tempo todo só na janela vendo a banda passar, achando que batendo seu cartão de ponto diariamente e cumprindo inteiramente sua jornada empregatícia está bom. Não. Há algo mais. Deve haver algo mais além da mecanicidade do trabalho, por mais mecânico que ele eventualmente seja em si. “Não somos máquinas. Homens é o que somos”
[3].
 
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O trabalho subordinado pode ser uma boa missão, se não de vida inteira, mas que seja vinicianamente eterna enquanto dure cada vínculo empregatício (ou enquanto o empregado não muda de posição e passa a ser empregador).
O que também deve importar, além da produção para a lucratividade empresarial é, através do trabalho, formal ou informal, público ou privado, conhecido ou anônimo, ajudar no crescimento múltiplo da pessoa física ou jurídica a quem serve, num primeiro plano, e, mediatamente, ajudar no crescimento da sociedade.
Ser subordinado, mas não submisso ao laboralismo desumanizante. Sentir-se personagem importante no contexto da fábrica, mesmo na função de contínuo ou office boy. E sentir-se representante de um grande papel social em relação à vida extramural da companhia. Entrar e sair feliz após bater o cartão de ponto e saber que está indo para outras missões igualmente momentosas para sua vida e para a vida de outras pessoas, quer familiares, quer comunitárias, quer da grande sociedade.
 
A curva de ascensão financeira do patrão sempre cresce mais do que a do empregado, mas quando este gosta do seu trabalho, dá para iniciar sua jornada diária como se estivesse ajudando na construção de uma grande catedral. E a obra não é necessariamente a própria empresa, mas é a clientela interna e externa da empresa, e se realiza seja nas tarefas complexas, simples, repetitivas, burocráticas....
Todavia, há de se entender e estender essa comparação para a construção simultânea de mais duas catedrais além da laboral: a doméstica e a de si mesmo. As três construções têm de ter a mesma dedicação, o mesmo apuro e o mesmo zelo, como bem exemplificam as mulheres mães, esposas, donas de casa, quando estão em casa, e competentíssimas profissionais, quando estão na empresa. Que isso tudo até ocorra em tempos diferentes ou quase paralelos, de forma útil e evolutiva, mas é crucial para a felicidade plena.
Apesar da constante necessidade de se reivindicar um ambiente de trabalho mais justo e melhoria das condições contratuais, nada impede que haja um clima de amizade e de solidariedade recíprocas entre patrão e empregado, no dia a dia aziendário.
Apesar da forte consciência de classe e maturidade sindical que dão uma roupagem cada vez mais profissional e legislativa à relação de emprego, ainda se pode antever, na intimidade do ambiente de labor, a satisfação pelo dever cumprido. É a certeza do beneficiamento ao progresso individual dos clientes diretos e indiretos do negócio, por mais simples que este seja.
O trabalho é um meio de transformação e de aperfeiçoamento do negócio maior de todos nós, que é viver, e viver em sociedade, de forma livre, mas obediente às regras gerais da própria sociedade, sem necessidade de um estado policial para tanto. É o que preconizam as “cláusulas” do livro “Do Contrato Social”, de Jean-Jacques Rousseau, publicado em 1762. Segundo ele, o contrato social é “uma livre associação de seres humanos inteligentes, que deliberadamente, resolvem formar um certo tipo de sociedade, à qual passam a prestar obediência mediante o respeito à vontade geral”. A observância de cada cidadão às cláusulas da boa convivência em qualquer ambiente social, mesmo em relações hierárquicas, é a melhor das missões coletivas, naturalmente, de forma autossustentável. Isso pelo menos enquanto não haja conflitos ou inarmonias desequilibrantes no convívio intercolegal ou com o patrão ou chefe (ou enquanto não haja necessidade de cortes para redução de despesas).

 
 
Não existe, pelo menos entre as atividades econômico-profissionais humanas, “forma livre” sem problemas, o que seria o êxito do anarco-capitalismo. Adam Smith, um grande preposto do liberalismo clássico, já preconizava a necessidade de todos, exatamente todos, sermos egoístas nas convivências sociais, confiando que a “mão invisível” do mercado cuidaria do resto mantendo o equilíbrio e a prosperidade geral. Seríamos egoístas num bom sentido!
Já Thomas Hobbes, mais radical, em seu livro “Leviatã”, pesou a mão acusando todos os seres humanos de serem egoístas por natureza. Segundo ele, todos nós viveríamos em guerra, e morreríamos, se não fosse um contrato social garantido pelo Estado (era um defensor da Monarquia). Este aparece mais do que os contratantes, mandando e desmandando na vida pública e particular de todos nós, a fim de garantir o cumprimento pacífico das cláusulas do aludido “documento”.
[4]
Hoje o problema não é um contrato social para observância de todos. O problema é saber quem participou da redação desse contrato. É saber se esse contrato é legítimo. É saber se ele atende aos interesses do povo em geral ou se só aos interesses da minoria que detém a maioria dos bens de consumo e serviços, consequentemente a grande maioria do dinheiro circulante no mundo. Lembremo-nos de que só um por cento da população detém noventa e seis por cento das riquezas materiais do nosso mundo! E mesmo que ele seja coincidente com os anseios populares, será que não tem sido um mero “contrato de gaveta”?
De qualquer forma, tenhamos nosso próprio contrato social, para observância por nossos eus interiores. Dêmos ênfase na proteção de nossos interesses maiores de crescimento multinivelar, não só no que diz respeito a nossa renda salarial, mas também aos trabalhos por fora que devemos fazer para ajudar aos outros, em grandes, médias, mini ou micromissões de paz e solidariedade. Não podemos assinar o contrato social, no caso, o contrato de trabalho pensando apenas em fazer o jogo da empresa lucrólatra por natureza, que só pensa em si. Não podemos pensar somente no vil salário, na vil promoção, no vil egoísmo smithiano, utópico. Temos que montar e ter um contrato bem firmado e rubricado por todos os nossos eus. Em prol de interesses maiores ligados aos prazeres e satisfações da alma e de propostas solidarísticas extramurais. É uma espécie de cerca de proteção dentro de qualquer outro ambiente produtivo, mesmo eventualmente dentro de uma empresa envenenada por interesses aparentemente escusos, com redes de intrigas ou fofocas, máfias, corrupções, assédios morais ou sexuais etc.
Há respiradouros naturais (e extranaturais) para todos os que se predispõem firmemente a procurar seus propósitos maiores, em qualquer lugar do planeta, por mais abafado que eventualmente esteja seu domínio emocional ou moral (talvez apenas por causa do condicionador de ar que esteja precisando de conserto ☺).
Nossas missões de paz e solidariedade sejam sempre invioláveis. Não importa a frente de trabalho em que estamos pelejando, porque sua porta está na nossa própria consciência. E nesta só entra para permanecer quem nós quisermos.
Em síntese, no autocontrato social de cada um deve haver duas cláusulas obrigatórias: o da ética relacional e o do amor missioneiro, para o exercício dentro e fora dos portões da azienda.


[1] Comparação com o título do livro “Meninas Boazinhas Vão Para o Céu. As Más Vão à Luta”, da psicóloga alemã Ute Ehrhardt.
[2] Esta “Companhia de Jesus” não tem nada a ver necessariamente com aquela antiga ordem jesuíta dos livros de história.
[3] Charles Chaplin, em seu filme “Tempos Modernos”
[4] A síntese desses dois pensamentos talvez tenha sido a intenção (mas só a intenção) do Neoliberalismo, que originalmente defendia a presença estatal nas relações de mercado apenas como disciplinadora, não como asfixiadora.
Josenilton kaj Madragoa
Enviado por Josenilton kaj Madragoa em 08/02/2009
Reeditado em 25/12/2010
Código do texto: T1428824
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