As causas, os efeitos, e os intelectuais
Quando nos lembramos de como estava a situação da pobreza no Brasil há algumas décadas notamos que a distância entre ricos e pobres tem se tornado cada vez mais antagônica. Está cada vez mais difícil para a classe considerada pobre elevar seu nível de vida. Pior, os pobres estão se tornando miseráveis. Mas esse raciocínio não é nenhuma descoberta. Qualquer senso comum é capaz de perceber isso, de sentir isso. E então vem a pergunta: por que é que os intelectuais e os profissionais públicos e privados, ou seja, o pessoal técnico e científico encarregado dessa situação, não consegue solucionar ou ao menos construir um caminho viável para a solução?
Acontece que, ao invés de tentarmos sanar a causa, tentamos sanar o efeito. Principalmente quando tratamos da criança e do adolescente. É comum constituirmos órgãos específicos que tratem dos direitos e deveres da criança e do adolescente, mas a dificuldade se encontra no fato de que o enfoque na infância e adolescência fica muitas vezes travado na própria criança e adolescente. Os pais, ou quem quer que seja o responsável por determinada criança ou adolescente, ficam criticamente fora deste enfoque. É evidente que a interferência pública ou privada na vida desses pais é uma questão muito delicada, tanto porque não há recursos suficientes para se empreender tentativas de soluções quanto porque enfocar os pais, e, no fim, a família em si, ainda consiste no enfoque ao efeito e não às causas.
Não dispensando a importância determinante do fator psicológico, o fator determinante para a situação em que se encontra a maioria de meninos e meninas de qualquer cidade do país é o fator econômico. Pode parecer redundante, vago ou até mesmo vulgar colocar as condições econômicas em primeiro plano para qualquer tentativa de solução para as crianças e os adolescentes atendidos pela assistência social, porém, temos que ter claro tudo o que abrange uma condição econômica. A economia grosso modo consiste nas relações de produção, distribuição e consumo de bens e serviços entre pessoas. Se não são garantidos às nossas famílias os direitos básicos de nossa constituição, direitos que as inserem nas relações econômicas, qualquer tentativa de sanar as atuais condições de nossos atendidos será fadada ao completo fracasso.
Isso nos leva a um momento crucial em nossas propostas para uma cidade melhor. Se nos indignamos com a condição em que se encontram nossos meninos e meninas - e isso reflete o estado de coisas de suas famílias, o que transparece o estado de sua comunidade, ou melhor, de sua classe -, precisamos constituir, então, propostas de cunho político, no sentido de se promover direitos políticos, de se consolidar políticas públicas. Acredito que projetos políticos, em conjunto com toda a rede, com o poder legislativo, podem fazer muito para evitar diretamente a reprodução da atual e amarga realidade de nossas cidades. Do contrário, estaremos apenas medicando os efeitos de uma enfermidade desconhecida enquanto que a causa subsiste e multiplica o número dos enfermos.
Mas se duvidamos que a solução para essas situações dependa de nós e acreditamos que essa realidade está longe de ter um fim, então por que lutamos? Por que estamos aqui trabalhando por eles? Não é por que queremos transformar essa realidade, emancipá-los, promover sua cidadania e garantir seus direitos sociais e políticos? Então o que estamos esperando? Somos profissionais, trabalhamos para esse fim. Se estamos longe de um resultado permanentemente eficaz, precisamos rever nossos projetos, buscar outra visão, reivindicar mais e nos indignarmos mais. É a essa nossa vocação.