GANCHOS: NEM SEMPRE O SILÊNCIO FOI RESPOSTA
O livro “Brasil: nunca mais”, de D. Paulo Evaristo Arns, cita: “A imagem do brasileiro, conformado, acomodado, submisso, que sempre se procurou vender, não corresponde ao registro da história”. A repressão a artistas, idealistas, trabalhadores, e minorias foi cruel, mas vozes sempre denunciaram a violência do Estado, do capitalismo mercantil, industrial e neoliberal. O fascismo arraigado nos governos municipais age com truculência. A barbárie enrustida nos déspotas de gabinete usa o povo de escudo em defesa de erros fúteis, e as propagandas de desenvolvimento escondem ranços de corrupção e violência. Numa perspectiva local o município de Governador Celso Ramos sofreu revezes.
A primeira greve de Ganchos ocorreu na Armação da Piedade em 30 de julho de 1784. Pescadores descontentes com as condições de trabalho e agressões se rebelaram sob a liderança do arpoador João Pereira Ruivo. Brancos e negros lutaram juntos contra o exército e o capital mercantil. Massacre: mortes e prisões. Ruivo levado ao Rio de Janeiro foi condenado e torturado. Para que não houvesse rebeliões o governo a época passou a retirar das famílias membros para lutar no sul. O comércio de crianças feito por ingleses aqui era omitido pelas autoridades. “Não macular a imagem do Brasil frente ao mercado internacional” – era o lema!
Em 1905 paralisação no Porto de Ganchos. Resistência dos pescadores ao “dízimo do pescado”, que o Distrito de Armação e Ganchos pagava ao Município de Biguaçu. O movimento grevista foi duramente repreendido. Desta vez não se usou apenas da força, mas a penhora dos bens dos pescadores. Muitos faliram. Nos anos 1960 o deputado catarinense Paulo Stuart Wright organizou os pescadores artesanais e as colônias de pescadores. Anos depois a ditadura militar prendeu ilegalmente, torturou e o assassinou. O corpo nunca foi encontrado.
Em 1963 emancipação de Biguaçu. Não se deixou, porém, de ser um bairro afastado. A ditadura militar piorou a economia de Ganchos. Os recursos destinados aos artesanais foram para armadores destruindo a pesca artesanal. Política patrocinada pelo governo de Celso Ramos. Nos anos 70 o agricultor Pedro Wollinger e outros trabalhadores fundam o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Gov. Celso Ramos. O movimento sindical o lança candidato a vereador pelo MDB sob pressão da ARENA. As manobras governistas e oligárquicas, porém, sempre fizeram da terra um cativeiro. O sindicato pereceu.
Lassale dizia: “o povo é forte, mas desorganizado”. Freire na “pedagogia do oprimido” salientava o aprender com os próprios erros. Mas, continua-se observando em cada brasileiro o coronel da república velha: “autoritário e racista”. Essa condição se transfere aos governantes.
Em 1984/86 invasão da tropa de choque da polícia militar tentou sufocar a brincadeira do boi – é o começo da especulação imobiliária em Gov. Celso Ramos. A violência do Estado fez com que a população reagisse distorcendo a evolução da cultura. Nos 1990 e início dos 2000 houve diversas manifestações contra as caras tarifas de ônibus, e as condições de bem-estar dos transportes. Em 2008 quem ousa discutir o plano diretor “participativo” e buscar alternativas para Gov. Celso Ramos é rotulado “descontente”, “reacionário”, “anti-desenvolvimentista”, para não citar palavrões, ameaças, e perda de espaço. O gancheiro, mistura de muitos povos desde tempos imemoriais, corre o risco de ficar sem terra, mar, e identidade.