Em busca da felicidade



Felicidade é um daqueles conceitos que não tem feição definida e que vai assumindo contornos diferentes diante de cada indivíduo.  É tão incerto, tão amorfo, tão inefável que, não por outro motivo, de quando em vez, acaba-se até duvidando de sua existência. Falar sobre essas impressões extremamente subjetivas, ao menos para mim, é como tentar descrever a oitava cor do arco-íris.  Ela, com certeza, deve existir, só que nossos olhos não conseguem vê-la; há uma limitação sensorial que não capta a existência de sua realidade.  Contudo, quando não se consegue falar sobre algo por não se ter pleno acesso às fontes originárias de suas causas ou sobre os predicados de sua natureza, melhor traduzir, o quanto possível, os efeitos que parecem disso emanar.

Parece-me óbvio que a felicidade exista.  Ao menos, até onde sei, todo mundo, em algum momento, sentiu-se feliz.  Não falo de leve contentamento ou amena alegria.  Em alguns instantes, por mínimos que sejam, se instaura uma sensação de felicidade.  A questão que remanesce é saber o que possa gerar uma tal sensação e, ainda, quais meios existem para provocar esse efeito e, por fim, que posturas assumir ou instrumentos utilizar para preservar sua manutenção.


Conhece-se o que seja miséria quando se identifica o que compõe a diferença entre o que se possui e o que se deseja.  E isso não se restringe a questões de natureza material.  Ao contrário, é tão ou  mais perceptível em outros aspectos da vida.  Há uma inferência generalizada de que ninguém exista que seja feliz com o que tem e isso, obviamente, decorre do fato de que a natureza humana apresenta essa peculiaridade de, uma vez satisfeito algum anseio, outro novo desabroche.  Sob esse prisma, a felicidade é a sensação de conquista de algo que se deseja - desconsideradas, aí, ambições desmedidas que assumam caráter obsessivo.  Entretanto, assim como o momento da conquista passa, a sensação que isso gera também se vai.  Eis porque é muito difundida a idéia de que felicidade não exista, mas sim, momentos felizes.


Há também a percepção de felicidade que ocorre com um certo retardo.  Isso se evidencia quando se dá evento inverso da conquista, no caso, a perda.   Conquanto as circunstâncias sejam ordinariamente efêmeras, há momentos que notamos algum efeito deletério em nossa vida e passamos a dar valor àqueles momentos em que ainda se tinha o quanto perdeu-se. Daí vem o dito “eu era feliz e não sabia”.  Então, percebemos o momento feliz, mas estéril, porque não foi aproveitado enquanto existia.


Penso que, assim, buscar a felicidade seja um exercício constante.  Por certo, a melhor forma ainda é valorizar tudo quanto se tenha de bom.  Tomar consciência de que sempre há algo de bom e positivo que compõe a existência de cada um.  Entretanto, isso não basta.  Não vejo como abrir mão de acalentar anseios e desejos cuja obtenção ou realização trariam, potencialmente, algum sentido de plenitude e satisfação.


Portanto, creio que exercitar o direcionamento da consciência na identificação do que é bom no presente, aliado ao aprendizado do gosto pela luta e o trabalho, através da persistência e movido pela esperança em futuros benfazejos são excelentes posturas para quem busca, realmente, a felicidade.  Afinal, quem não vê nada de bom e não acredita que possa melhorar a própria vida, definitivamente, é um pobre infeliz.

 
Contudo, não há como simplesmente dar as costas à realidade que nos cerca, porque existem, sim, indivíduos que justificadamente não identificam mínimas benesses no presente e, ainda, estejam de tal forma enredados em suas tragédias particulares que não lhes se afigura a menor possibilidade de uma melhoria de vida no futuro.

Em outras palavras, admitir a existência da felicidade pressupõe, necessariamente, que a infelicidade também seja algo concreto.  E, por certo, não seria razoável dizer-se que “a infelicidade não existe, mas sim, momentos infelizes”.  É evidente que há infortúnios tais que assolam uma existência de forma tão profunda e perene que, contra eles, são possíveis pouquíssimas reações – ou nenhuma, às vezes.


É nesses desvãos da vida humana que surge o ensejo para a fé em algo divino, maior, transcendental e que, em si, represente algum tipo de esperança num outro plano de existência onde a felicidade seja possível.  Não cabe, aqui, insinuar nenhum tipo de proselitismo religioso.  Mas é inevitável que se reconheça que, sem abraçar a alguma fé, o indivíduo infeliz fica fadado a não ter meio de conforto para as dores que são inevitáveis ou insanáveis. O último reduto onde possa buscar a felicidade, assim, seria a concepção de que a vida é eterna e ultrapassa os limites que confinam a sobrevivência do corpo.


Portanto, os crentes – seja lá qual for as fé que professem – ainda detêm esse resquício de ânimo para ansiar a felicidade e, em seus enlevos de comunhão com sua crença, encontram lenitivos que, a seu modo, também lhes permitem ser felizes.


Aos incréus, contudo,  caso sejam confrontados por algum impasse que lhes inviabilize a mínima chance de esperança, restam o lamento da convivência com o infortúnio ou a via drástica de pôr fim à própria vida.  Imagino que em tais situações extremas – e só nelas aqui se cogita – esses sejam, de fato, os mais infelizes dos seres.