A verdade de cada um

Numa visão Taoísta, a verdade assume dois aspectos: uma verdade natural, divina e suprema que cada um pode pressentir ou intuir; e uma verdade pessoal que representa a aplicação cotidiana e efetiva no modo de ser individual.

 
Isso remete, necessariamente, à reflexão de que, a despeito de imaginar-se a existência de uma verdade original e imutável, do ponto de vista relativo do ser humano, não lhe é possível absorver e depurar o todo de que faz parte. Nesse passo, nenhuma verdade é absoluta porque o que é relativo não pode assimilar o todo, dada sua própria relatividade.

Analisando sob o ponto de vista de interpretação da verdade natural, basta enxergar que toda propositura que conforte na dor, incite à melhoria de caráter e estimule ao serviço em favor do próximo é positiva, conquanto construtiva para o indivíduo. Por outro lado, qualquer propositura que ameace, acuse ou chantageie é negativa, uma vez que se trata de um dogma.


Já quanto à visão de uma verdade essencialmente humana, inerente aos atos comezinhos e às interações sociais e políticas, tudo depende de como se absorvem as informações sobre os fatos. Em princípio, os fatos deveriam falar por si, contudo, a conclusão sempre dependerá da interpretação que nasce da verdade que cala fundo em cada um.


Nesse passo, tem-se que o indivíduo é tão mais esclarecido, tanto mais desenvolva seu próprio senso crítico, de maneira que possa distinguir informações fidedignas das que não o são. Saber não deixar-se levar por factóides. Não se deixar cegar por cortinas de fumaça.


Nas inter-relações pessoais, é inconteste que cada um dá sua própria versão dos fatos e da vida, segundo suas particulares experiências e com base na formação que tenha acumulado ao longo de sua existência. Cada indivíduo, assim, é um ser único, que vislumbra as ocorrências à sua volta e dá tratamento específico às informações e conhecimento que tenha condições de absorver.


Não é tão incomum que haja, na mídia em geral, uma verdadeira batalha de informação que mais vale-se de desinformação, porque eivada de versões parciais e tendenciosas, que omitem aspectos relevantes, maquiam pontos pouco atraentes, exageram no enaltecimento de valores intencionalmente pré-concebidos.


Da mesma forma, mesmo os registros históricos oficiais, como se sabe há muito, são somente a versão dos que venceram e, portanto, invariavelmente omitem ou distorcem as razões, os motivos e as realizações dos que foram vencidos.


Não menos temeroso é o conhecimento que se transmite através de gerações por meio da arte. Partindo da premissa que a arte imita a vida e, por conseqüência, reinventa a realidade, na medida em que a vida, também imita a arte, por certo que perpetuar visões e conceitos mal fundamentados (a despeito de eventuais boas intenções), também representa que o artista acaba sendo, igualmente, um difusor de informações e idéias cuja confiabilidade é relativa.


Em suma, toda e qualquer avaliação da realidade passa, necessariamente, pelas impressões pessoais de quem a avalia.


Cada um defende uma verdade pessoal que lhe pareça justa e que, ao mesmo tempo, lhe acuda os interesses particulares; e não aquela que se sobreponha a quaisquer interesses. Dificilmente haverá isenção tal que possa distinguir qual o valor ou princípio que deva prevalecer sobre os demais. Até porque, mesmo a isenção exacerbada nada tem a ver com justiça. Afinal, Pilatos agiu com isenção extrema e, com certeza, não foi o que se poderia chamar exatamente de justo.