ENSAIO: QUANDO COMEÇA A VIDA?

 

O momento do início da vida é uma questão por demais debatida em vários fóruns, principalmente nos meios científicos, filosóficos, jurídicos, políticos e religiosos. Essa questão levanta a poeira do debate atualmente no país, principalmente porque no plenário do Supremo Tribunal Federal, Corte Constitucional brasileira, discute-se sobre a constitucionalidade da norma estatuída na Lei nº 11.105/2005 – Lei de Biossegurança, que permite a utilização de células-tronco embrionárias congeladas por mais de três anos e mediante autorização dos doadores do material genético em terapia, obtidas de embriões humanos produzidos in vitro e que não se prestam à utilização nos respectivos experimentos.

A resposta à indagação do título interessa, fundamentalmente, em face da questão ética e jurídica que a envolve. Ou seja, falar-se em começo da vida para determinados grupos e por extensão a toda a sociedade, significa, por exemplo, definir a aceitação ética e legal para uma possível prática do aborto. Esse é o tema mais sensível, principalmente quando se levam em consideração aspectos religiosos.

 

A constitucionalidade da norma está sendo tratada no Supremo Tribunal Federal porque o então Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, imbuído das suas convicções católicas, propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN 3510/2005, questionando o artigo 5º e seus parágrafos que, ibsis litteris, preceitua:

 

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

        I – sejam embriões inviáveis; ou

        II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

        § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

        § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

        § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

 

Segundo as razões do então Procurador-Geral da República, esse artigo e seus parágrafos ferem frontalmente os princípios constitucionais do respeito à vida e à dignidade humana, pois, ainda segundo o Procurador, a vida tem início no momento da fecundação.

 

É aqui que começa a discussão: na conceituação. Afinal, o que vem a ser fecundação, para tê-lo como critério para definir o início da vida?

 

Antes de se perscrutar acerca das teorias que acercam o tema, vale preliminarmente conhecer alguns conceitos básicos:

 

ESPERMATOZÓIDE: Gameta masculino; célula haplóide (que possui metade dos cromossomos homólogos) reprodutiva produzida nos testículos.

 

ÓVULO: Gameta feminino, célula haplóide destinada a ser fecundada pelo espermatozóide.

 

FECUNDAÇÃO: União do gameta masculino, espermatozóide, com o gameta feminino, o óvulo.

 

ZIGOTO ou OVO HUMANO: Célula diplóide (possui um conjunto duplo de cromossomos homólogos), resultante da fecundação, que ainda não sofreu divisão celular (É o óvulo fertilizado). A divisão celular ocorre no instante seguinte à fecundação.

 

EMBRIÃO: É o organismo humano nas primeiras fases de desenvolvimento, depois que o óvulo fertilizado, ou zigoto, começa a se dividir. (É o organismo humano até oito semanas de vida intra-uterina).

 

FETO: É o produto da concepção a partir do terceiro mês de gravidez até o fim de sua vida intra-uterina.

 

Para se entender o conceito de FECUNDAÇÃO, fundamental para a compreensão do problema da definição do início da vida, e, com isso, poder opinar sobre as diversas teses apresentadas quanto ao momento inicial da vida, é de fundamental importância que se conheça, em paralelo, as principais teses acerca do início da vida. Quais sejam:

 

1- TEORIA GENÉTICA OU DA FECUNDAÇÃO: Essa é a teoria adotada pelos cristãos, por conseguinte pelo Procurador Cláudio Fonteles, e pela maioria dos pesquisadores, que assegura que a vida começa a partir da definição do código genético, ou seja, a partir da fecundação. A fecundação é o momento em que o gameta masculino, espermatozóide, penetra no gameta feminino, óvulo, impregnando e definindo o indivíduo com todos os seus caracteres genéticos através do ADN – Ácido Desoxirribonucléico. Com o código genético definido tudo o que acontecerá depois será simples conseqüência do natural desenvolvimento e fornecimento dos nutrientes pela mãe. É esse código que define a vida em potencial. Ou seja, o zigoto (ovo humano – resultado da fecundação) inexoravelmente desenvolverá todas as características da vida humana. Portanto, é com a fecundação que se começa a vida.

 

2- TEORIA DA NIDAÇÃO: Nidação é o momento em que o embrião se fixa na parede do útero – único ambiente em que poderá se desenvolver. Isso ocorre a partir do 4º dia da fecundação. Segundo essa teoria é a partir desse momento que os movimentos celulares começam e dão origem aos órgãos. Essa teoria justifica a pílula do dia seguinte e a posição dos pesquisadores de células-tronco em embriões congelados.

 

3- TEORIA EMBRIOLÓGICA: Para essa teoria a vida começa a partir da 3ª semana, ocasião em que o embrião adquire individualidade, pois, antes disso, ela pode se dividir e dar origem a outros indivíduos.

 

4- TEORIA NEUROLÓGICA: Essa teoria aplica o conceito de morte para definir o conceito de vida. Logo, se a morte é a cessação ou o fim das ondas cerebrais, então, por conseguinte, o início da vida é o surgimento das ondas cerebrais. Isso só vai acontecer na 8ª semana de gravidez.

 

5- TEORIA ECOLÓGICA: Para essa teoria a vida começa quando o feto pode viver fora do útero. Para isso é necessário que os pulmões estejam prontos, ou seja, a partir da 25ª semana de gravidez.

 

6- TEORIA FISIOLÓGICA: Para essa teoria a vida começa quando o indivíduo nasce e se torna independente da mãe, com seu sistema circulatório e respiratório definidos. Ou seja, para essa teoria a vida só existe a partir do nascimento, ou expulsão do feto da barriga da mãe. 

 

7- TEORIA METABÓLICA: Para essa teoria não é pertinente falar-se em origem e fim da vida, pois a vida é um processo em constante continuidade, sendo os gametas apenas meios para desenvolvimento da cadeia vital. Ou seja, nasce-se e morre-se sempre. Isso ocorre quando, por exemplo, nos processos de regeneração das células – vida; ou quando uma célula deixa de produzir suas funções vitais, ou ainda, quando ocorre a completa exaustão das células vitais - morte.

 
NOTA DO AUTOR: O debate que está acalorado em sede do plenário do Supremo Tribunal Federal, e que, por decorrência, é uma discussão de todos nós brasileiros, oscila navegando entre as diversas teses, ora atendendo as expectativas da teoria da genética (alegrando os cristãos), ora atendendo as expectativas dos teóricos embriologistas ou pesquisadores das células-troncos (alegrando os que podem se beneficiar do resultado dessas pesquisas). Do debate da nossa "Suprema Corte" haverá de sair uma decisão vinculativa com efeito prático para todos os brasileiros, pois fincará definitivamente - ou pelo menos enquanto esse for o rumor dos povos - uma jurisprudência (entendimento político-jurídico balizado) acerca da questão.

Este ensaio, como o próprio nome diz, tem caráter eminentemente básico e introdutório, sem maior detalhamento dos conceitos próprios da ciência biológica. Por conseguinte, este singelo trabalho de pesquisa não pretendeu açambarcar e esgotar todo o objeto do assunto em pauta, até porque isso seria, no mínimo, uma arrogância, em face da complexidade da matéria. Entretanto, por conter noções básicas e conceitos fundamentais, serve para, num primeiro momento, ter-se uma idéia sobre a questão e, quem sabe, instigar para maiores aprofundamentos.

O que não pode acontecer, e esse foi o principal motivo para a elaboração dessa pesquisa, resultando neste ensaio, é que, num mundo tão globalizado como o que vivemos cujas informações estão democraticamente à disposição de todos, estando o tema em pauta para discussão, estampado em todas as páginas de jornal, impressos e eletrônicos, é dever de cidadania ter-se uma opinião a respeito. Mais vale essa observação se o tema estiver diretamente ligado à vida cotidiana das pessoas, como é o caso. Questões correlatas como "gravidez indesejada ou precoce"; ou, ainda, questões relacionadas ao “aborto” ou às “pesquisas com células-tronco” estão na ordem do dia do nosso país e estão diretamente relacionados com o objeto deste ensaio.

 

 

Brasília, 21.12.2008

 

Roberto Dourado
Enviado por Roberto Dourado em 21/12/2008
Reeditado em 21/12/2008
Código do texto: T1347168
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