Egoísmo: um diálogo entre um filósofo e a morte

De todos os diálogos que um filósofo pode ter, um diálogo com a morte certamente é um dos mais intrigantes. Certa vez tive o prazer de encontrar com ela, em uma noite escura, enquanto passeava nos arredores de minha casa. Relato-lhes a seguir nosso debate inusitado:

- Boa noite Brunno? - disse-me ela enquanto abria um sorriso largo, de caveira. - Sabe quem sou?

- Sim, sei. É aquela que todos temem, aquela sobre quem todos evitam falar, aquela que todos evitam. Te restou algum amigo, sra. Morte? - encarei-a de perto para ver se não mentia.

- Sobrou sim, Brunno. Você e eu, temos a solidão como amigo em comum; isso é fato. Mas me intriga o fato de uns fugirem desperados da Solidão, e outros a aceitarem alegremente, assim como fazem comigo. Por isso estou aqui a conversar contigo, ao invés de ceifá-lo com minha foice.

- Sua paciência é desnecessária, sra. Morte, minha hora chegará cedo ou tarde, mas fico feliz em ter companheiras de viajem tão inustadas quanto vocês duas. Morte e Solidão. Acontece que sou um acaso da natureza. Os homens em geral fogem de vocês e explicarei porquê. - olhei para o rosto cadavérico de minha companheira e percebi que seus olhos brilhavam de curiosidade, então prossegui. - O medo que os homens têm de vocês é o mesmo, mesmo que eles não percebam isso. É o medo do esquecimento, da anulação de suas existências, a morte não do pensamento, mas do ego. Dizer a um homem comum, que ele vai perder a memória em poucos minutos causaria o mesmo pânico que se ele soubesse que ira morrer. Da mesma forma se ele perceber que ninguém, absolutamente ninguém se lembra dele, o sentimento é parecido. Dessa forma é possível se sentir só mesmo entre milhões de pessoas, desde que nenhuma delas lembre de você. É o primeiro passo para a loucura.

Alvoroçada a Morte me pagou uma bebida em um bar próximo dalí e deu continuidade ao debate. - Me diga, Brunno. Se tudo gira em torno do Ego, porquê o altruísmo é uma virtude tão exaltada? - me olhou de forma desafiadora entre um gole de wisky e aguardou minha resposta em silêncio.

Por uma valoração distorcida - disse eu, repousando meu copo na mesa - Os homens tem o péssimo hábito de dizer uma coisa e fazer outra. Da mesma forma que o Diabo é a outra face de Deus, e o Bem e o Mal são faces da mesma moeda; o altruísmo nada mais é que uma faceta do egoísmo. O altruísta é admirado por isso, e pelo altruísmo seu ego é inflado... vê aquela mulher alí sentada? - discretamente apontei para uma mulher jovem sentada sozinha no bar, com um decote provocante e uma garrafa de vinho na mesa.

- Sim, a vejo. - a Morte olhava com indiferença para a mulher. - Tem cerca de 25 anos, não está esperando ninguém, veio à caça.

- Exato. E ela acredita que veio atrás de uma noite de diversão, mas provavelmente está em busca de alguém em quem possa confiar, casar, ter filhos e perpetuar sua existência. Se sentir útil, sobretudo; amada. O curisoso é que ela pode realmente acreditar que veio aqui em busca de uma simples noite... as pessoas preferem mentiras doces às verdades amargas de seus subconcientes.

- Então Brunno, creio termos encerrado nossa conversa. Logo o álcool irá alterar nossa seriedade e se você voltar dirigindo terei que te levar comigo. Sua companhia é boa, mas não é a hora.

- Tudo bem, mas antes me responda uma coisa. - pedi a conta e prossegui - Além de você, existe algo?

- Se eu dissesse estragaria toda a graça de meu ofício. No máximo só peço que não tenha grandes expectativas. - ao chegar a conta ela pagou se levantou e despediu-se - Até logo, amigo. Deixe algo de útil para os que virão depois de você.

- Até você pode ser humana, quando não se aplica a moral, minha cara, até breve.