ENSAIO SOBRE A BELEZA
1) Considerações Iniciais
Em uma definição mais genérica, diríamos que o belo “é aquilo que tem formas e proporções esteticamente harmônicas, tendendo a um ideal de perfeição”, produzindo, por assim dizer, “uma sensação de deleite, admiração e serenidade”.
Dizia Sócrates que o belo é igual ao bem, alicerçando uma idéia expressa por Safos, escritora da ilha de Lesbos, quando disse: "Quem é belo, é belo aos olhos - e basta. Mas quem é bom, é subitamente belo." São Tomás de Aquino definia a beleza como algo que agrada a visão, apontando sempre para a integridade de sentimentos. Kant disse que belo é algo que agrada universalmente e diferenciava o belo do agradável: o agradável causa prazer enquanto que o belo antecede o prazer. Há de se atentar para a temporalidade da beleza e a sua submissão ao contexto social.
Ora, se o homem é um ser de história, vivendo em uma sociedade dinâmica e de valores tão voláteis, não poderíamos esquecer que o que é belo hoje pode não ser mais daqui a alguns anos a frente. E o homem como ser de cultura, inserido em um contexto de idéias e conhecimentos, vai transformando a si e a sua realidade, modificando assim visões sobre beleza, caráter, individualidade, humanidade, ou seja, a complexidade do emaranhado humano em geral.
É interessante notar que os conceitos de outrora não faziam referência exclusivamente ao físico: “quem é bom é subitamente belo”, ou “o belo é igual ao bem”. Lógico que havia ênfase no físico: “agrada a visão”, mas não tão somente. E creio que a ênfase mesmo seria bem maior nos sentimentos nobres do homem, pois eram eles que o tornavam universalmente belo. E essa é uma experiência comprovada. Quem de nós não já se identificou com uma pessoa extraordinária, de sentimentos nobres e suave no tratar, independentemente se era bela ou não? Aconteceu com alguns, com certeza.
Infelizmente, o que hoje se percebe é a inversão dos valores. O homem deste século, tão futurista e senhor de todo o conhecer, que ri daquele da Idade Antiga e Média, não prima por valores ou sentimentos ilustres. São outros os interesses e ideais de beleza desse homem. O que há é o esquecimento do que existe no íntimo do indivíduo, na sua essência, em seus pensamentos e idéias. O homem do “ter” toma, severamente, o lugar do homem do “ser”.
2) Beleza Interior: mero acessório ou bem primordial?
Muito foi dito sobre “beleza interior” desde os tempos longínquos, mas pouco se valorizou o que foi dito, sobretudo nos nossos dias de hoje. A vida se modernizou, se urbanizou e, agora, por último, se globalizou. Que Deus nos acuda quando o próximo movimento vier. Espero que não seja “se matou”, porque aí estaremos todos perdidos. Globaliza-se o mundo, cristalizam-se os valores, a sociedade se putrefaz, mas é a vida... e “é bonita, é bonita e é bonita”, pois mesmo com todas as dificuldades, viver ainda é a melhor das experiências.
Entretanto, odeio dizer, mas estamos todos perdidos em nossos valores. Nada mais é como costumava ser e não mais “será de novo do jeito que já foi um dia". Os valores, os caminhos por onde vai o mundo é sempre exterior ao homem, ou seja, o que está além do homem é o que o mundo valoriza. As relações andam sem qualquer intimidade, frias e vazias. É... não sabemos mesmo onde tudo isso vai desembocar, mas espero que tudo transcorra a contento.
Ah, tá, mas vocês devem estar se perguntando: “sobre o quê estamos falando?”. Calma... é apenas a introdução, pois o assunto requer muitas nuances. Quero abrir essa discussão sobre a beleza interior. Para que será que serve a beleza interior? Como o mundo de hoje aproveita-se dela? Para que a usamos? E caso usemos, de que forma fazemos isso? Nunca entendi porque um bem tão valioso pudesse ser tão menosprezado. Não é diferente do que se poderia esperar de uma sociedade que prima pelo o que se tem e não pelo o que se é.
Ninguém mais se interessa se você é um ser humano extraordinário, digno das maiores virtudes, de retidão de caráter, de espírito de justiça, trabalho e amor a condição humana de ser. Não interessam os cursos superiores em Harward ou mesmo na UNB; não importam os cursos de línguas, de contabilidade complexa, de matemática filosófica ou outro que pudermos estudar para engrandecer nossa mente com conhecimentos briosos. Você somente valerá algo se tiver um carro do ano do melhor modelo, jóias que brilham mais que o sol ou dinheiro para usufruir com os “pseudo-amigos” de sua rodinha social e, ah... sim, um corpinho em voga, claro! Quem ama o feio, não é mesmo?
Com essa visão exterior, em que tudo que se precisa está sempre fora do ser, não me espanto o esquecimento da beleza interior. O que é interior não importa para os vazios andróides do século XXI que, com o que possuem, compram “amigos” aos baldes nas liquidações da esquina. Mas a vida é um aprendizado: um dia, ou a saúde ou o dinheiro acabam. Nesse dia, aquele que é apenas o que tem mal terá quem o leve ao hospital ou acompanhe seus funerais quando se for. Sua ida será triste, solitária, tão pequena quanto o espírito dele, tão horrível e falsa como fora sua vida inteira.
Haverá de se lembrar que a única coisa que conseguiu carregar consigo após sua “passagem” são os espectros de sua alma, ricamente carregada com as manifestações de seu âmago, local cativo da beleza interior, o conjunto de características, virtudes, qualidades e defeitos que tornam o indivíduo rico em sua singularidade. Como fará sua passagem com honra e austeridade se não há ‘belezas’ em sua alma? Sua beleza interior é piada e ele foi palhaço da vida que teve. As pessoas apenas se aproveitaram dele e do que pôde oferecer. Nesta hora, neste dia, o arrependimento e o vazio o destruirão por completo. Eu me questiono se realmente vim até aqui para apenas ter uma vida ínfima como essa. Não quero isso de forma alguma.
É consternadora a situação de pais e mães que preferem ver filhos e filhas ao lado de pessoas de caráter duvidoso apenas porque elas possuem cofrinhos cheios de tostão. Os pobres homens de raciocínio e retidão de espírito, os sábios, os nobres de coração somente podem ser aproveitados se tiverem muito mais embaixo do colchão do que molas e espumas. A beleza interior é o que nunca deveria ser: um artigo complementar e opcional, não significando potencialmente nada para os tolos. Mas mesmo que os ignorantes arrotem bulhufas e se multipliquem a granel, haverão sempre homens com visão holística, completa e além das meras expectativas humanas – são para esses homens que Deus criou o “Éden” e, não muito tarde, eles o herdarão.
3) A sobrevalorização da Beleza Exterior
Outra questão importante que lembro quando falo da “beleza interior” é acerca da sobrevalorização da “beleza exterior”, fato que específico um pouco mais nos textos seguintes. A nossa sociedade recriou Vênus. É, meninos e meninas, a deusa da beleza já não é mais aquela que costumava ser. Os homens, com seus corações tolos e fúteis, convenceram nossa Vênus do que era completamente inútil. Hoje se fala em corpos fantásticos, silhuetas bem definidas, rostos de pêssego.
Busca-se o corpo mais esbelto, sem as gordurinhas localizadas indesejadas. A lipoaspiração virou mania e a barriga tanquinho, um sonho de consumo. E quem não tem tempo de garimpar, compra a fórmula de Nicolau Flamel e já faz seu próprio ouro em silicone: implanta, pois, peito durinho, coxas torneadas, panturrilhas estonteantes e bíceps que dão inveja ao próprio Sylvester Stallone, tudinho ali, a um passo do Plano de Saúde ou da cirurgia parcelada no cartão, no cheque pré ou no crediário próprio em 60 meses, ao gosto do futuro Robocop.
Não quero parecer aqui um ser superior que está além do bem e do mal: não é isso. Não critico os homens-silicone ou suas outras formas alternativas. Não critico isso, mas alerto para o motivo pelo qual se faz isso, visto que há casos em que as cirurgias são estritamente necessárias. Não critico os belos, mas me entristeço com o que eles fazem com a beleza deles. É muito bom ter um corpo top de linha: eu não discordo mesmo. É muito melhor deitar em um colchão de molas do que em um ortopédico, duro como uma pedra; isso é inquestionável. Mas devemos sempre admirar e cultivar as pessoas pelo o que elas trazem dentro de si, pois ainda que lindo, gostoso e malhadíssimo, um corpo é só um corpo. A beleza da alma, inerente ao ser, do seu mais profundo âmago é a que realmente importa.
Não falaremos com um corpo que não tem como falar diretamente: é a mente que se expressa e não o corpo tão somente, pelo contrário. Por acaso não é a mente que controla o corpo e seus movimentos? Logo se vê a influência que a mente exerce sobre este mesmo corpo, lembrando-nos que a riqueza do homem está dentro de si, nos seus pensamentos e atitudes, no seu caráter que reflete sua maneira de administrar sua vida e o universo ao redor de si.
Eu proponho uma experiência: pensemos que, acabamos de conhecer duas pessoas maravilhosas. São pessoas cordiais, honestas, interessantes e uma delas é, como dissemos, 'top de linha' e a outra, por sua vez, atributos semelhantes, sobretudo fisicamente, mas bem longe dos padrões de beleza preconizados atualmente. Ambas inteligentes, de senso aguçado e personalidade única.
Imaginemos ainda que estamos saindo com as duas pessoas ao mesmo tempo e com o passar do tempo, vemo-nos apaixonados pelas duas, como no magnífico filme Splendor: um amor em duas vidas. Certo dia, não muito longe, vamos pra cama com essas duas pessoas. Configuremos um quarto escuro onde luz nenhuma entra: escuridão total. Depois de entrar no quarto, começam os “rituais” de excitação: olhares seguem carícias, mãos leves que tocam a pele, lábios que se beijam ternamente. Eu pergunto: há como discernir a diferença substancial do corpo de uma e da outra pessoa? Nessa hora, um corpo não é apenas e unicamente um corpo? As duas pessoas, ambas detentoras de dois braços, duas pernas e todo o restante similar não evidenciam os mesmos sabores e sensações? O que as diferenciará uma da outra não é sua personalidade única e seu caráter inconfundível?
Pois bem, meu caros amigos, é exatamente este ponto ao qual quero me ater: a beleza interior permeia todas as coisas. Enquanto a forma e configuração mais geral das bocas que beijamos são as mesmas, as pessoas não o são, sendo ricamente diferentes entre si. A beleza do corpo físico em si é limitada pelo próprio corpo e, um dia, não espantem, ela vai acabar, no entanto, um coração belo será assim belo pela vida inteira e, muitas vezes, depois dela.
Não quero dizer que vamos sair por aí rejeitando todos(as) os(as) gostosos(as), mas devemos ter em mente que é o que eles(as) trazem em suas mentes e em seus corações aquilo pelo qual estamos procurando. De nada adiantará estar ao lado de uma pessoa tola, seca e vazia, por mais linda que se pareça.
Creio que até acabamos contribuindo para a alienação dos mais belos, pois com tantos desejos direcionados a eles, acabam por reduzirem-se a própria beleza, a modelo de Narciso que “acha feio o que não é espelho”, como disse, sabiamente, Caetano Veloso. Uma vez perdidos de si mesmos e do propósito principal da vida, existem deles que jamais se reencontram novamente e muitos morrem antes de perceberem sua “auto-perda”.
Espero, um dia, que reconheçamos as virtudes da “beleza interior”. Espero mesmo que voltemos a valorizá-la como outrora, quando a palavra de alguém valia muito mais que todo o dinheiro do mundo, em uma época em que “palavra dada era palavra empenhada”. Quem sabe não possamos aprender com os erros finalmente em vez de escondê-los debaixo das montanhas, pois os tapetes já estão cheios de mentiras e falsas esperanças: não há lugar pra nada mais.
4) O Belo e o Bom
“Quem é belo, é belo aos olhos e basta. Mas quem é bom é subitamente belo” – Safo
Nessa semana esperava publicar uma reflexão que escrevi há um tempo atrás, mas devido às questões levantadas pelo minha reflexão da semana passada, tive um insight interessante essa semana. Relendo meu primeiro insight – “Beleza Interior - Mero Acessório ou Bem Primordial?” – li e reli várias vezes a citação de Safo e resolvi escrever um pouco mais sobre o assunto, levantando algumas questões, inclusive de reflexões alicerçadas nos textos que tenho escrito.
a) Como na boate, como na vida...
Depois de uma semana, alguns comentários foram levantados sobre essa reflexão e pude verificar a opinião das pessoas. Dentre uma delas, chamou-me a atenção a de um amigo que veio a mim e disse: “Mas, Lú, na boate, por exemplo. Ninguém procura quem é bom, pois não temos como visualizar fisicamente essa característica, pois é com o tempo, com a experiência que poderemos dizer se uma pessoa é “boa” ou não. Na boate, vemos logo o que imediatamente agrada aos olhos. E é só pra ficar mesmo. Mas se o caso for namorar, aí as coisas mudam de figura. Nós queremos verificar qualidades, caráter, personalidade e todas as outras coisas que realmente formam um namorado.”
Eu fiquei raciocinando sobre tudo o que conversamos e fiquei me perguntando: se assim é, porque existe lá fora uma numerosa fila de homens dignos e honestos, verdadeiros cavalheiros, de bom caráter e boa índole, ricos em cultura e requintados no tratar e no portar-se? Não são essas as características preconizadas quando se procura o companheiro ideal? Cheguei a conclusão que meu amigo se encontra deveras equivocado. Essa é a nossa realidade, visto que somos de idade parecida, mas não a realidade dos jovens adultos de hoje, da mais nova geração Coca-Cola.
Creio que, em virtude de repetir-se o comportamento da boate sempre, inúmeras vezes, todos os finais de semana, estamos repetindo-o fora dela também. Ou seja, mesmo que o bom seja um ideal a ser conquistado, ele precisa ser belo. Se não agradar aos olhos e a mente, nada feito. Coitados dos feios!! Mas mesmo para eles tem sempre outras opções... na verdade, temos opções para tudo que diz respeito a essas questões. Os feios, ainda que não consigam os belos, conquistarão e serão conquistados por outros feios. Ninguém tem a opção de ficar sozinho. Então, no fim da conclusão, cada um tem a plena possibilidade de ser agradável aos olhos e a mente de outrem, lembrando que mesmo os feios sem qualquer conteúdo, também são fórmulas a serem evitadas.
Tenho sempre alertado aqui que eu não condeno o que é belo. É como eu disse antes: eu não critico os belos, mas sim o que eles fazem com a beleza deles. Mas o que alerto, quando digo que o comportamento das boates está ditando regras das relações hodiernas, refere-se ao fato de que estamos nos relacionando, mesmo quando procuramos um namorado sério, de forma similar quando ficamos com alguém na boate: apenas pela sua beleza externa.
Mesmo que seja na intenção de encontrar alguém para namorar, não olhamos para o fato de a pessoa ser íntegra, honesta e todas as características que dizemos priorizar quando o assunto é relacionamento. Nós queremos é que apareça alguém lindo de morrer, um Reynaldo Gianecchini da vida, com um corpo escultural e, de preferência, com largos bolsos.
b) A beleza de Cristo
Podemos até fazer um teste. Digamos que Deus nos deu a oportunidade de pedir pelo homem ou pela mulher ideal. E nos pergunte: Diga, como seria essa pessoa? Com certeza, a maioria de nós responderia prontamente: Ah, eu quero que ele(ela) seja lindo(a), que tenha os olhos verdes (ou azuis), que seja forte, musculoso para os homens ou que tenha o corpo de violão para as mulheres (...) e, por último, que seja uma boa pessoa, honesta, etc. Sei que muitos discordarão de mim, dizendo que eu tenho uma visão pessimista da coisa. Sei que nem todos reproduziriam as respostas acima, mas, infelizmente, uma grande maioria, sim.
Quando falei de beleza e de Deus, eu me lembrei de uma coisa muito importante. Por isso, a imagem de Cristo coroa essa minha reflexão de maneira cabível. Nós nos acostumamos a ver um Jesus de olhos azuis, pele branca como a neve, cabelos longos e castanhos, no entanto, estudos baseados na estrutura gênica dos povos de sua época demonstram o contrário: provavelmente, um homem de cabelos mais curtos, pele mais parda e olhos castanho claro a escuros.
Mas me digam: como colocar a figura de um homem como esses para ser adorado como o filho de Deus? Como conceber um Jesus feio, além dos padrões de beleza que prega a sociedade? Nunca, né? O filho de Deus tem que ser lindo, pois é o filho de Deus... o Pai dele não é qualquer um. Eu imagino o quando Deus deve ser decepcionado com esses filhos que permitiu viver nesse mundo, ocupados com as menores coisas e valorizando as desvalorizáveis.
E eu pergunto: o que é mais importante? A beleza de Jesus ou a beleza da sua mensagem? Sua beleza externa ou interna? Por que o adoramos? Por que ele tinha olhos azuis ou por que ele é o filho de Deus que veio ao mundo nos libertar? Não amamos Jesus Cristo porque ele é bom? Não amamos Cristo por sua capacidade de amar indefinidamente? E é engraçado... eu penso no que Cristo disse: “Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste” (Mt 5, 48). Quando Cristo disse isso, nos permitiu sermos como ele era, porque Ele é perfeito. E quando disse “Pai celeste”, nos colocou na incontestável condição de filhos de Deus.
Mas como podemos fazer isso? Como podemos nos ver como semelhantes a Jesus se valorizamos e damos crédito a tudo que Ele deu descrédito? E não falo apenas da efemeridade da beleza... falo de tudo como um todo. Jesus Cristo não era modelo de camisetas e nem muito menos era menino-propaganda de xampu. Se ele tinha cabelos compridos ou a tez branca, isso eu não sei, mas sei que não foi com eles que ele conquistou o mundo inteiro e sim com sua mensagem, seu amor único que rompeu todas as barreiras conhecidas e sua bondade absoluta. Revelando-se como bom foi que Jesus realmente tornou-se belo, porque têm-se na cabeça que o bom é belo.
Por que todas as fotos de anjos são lindas? Porque eles emanam bondade. Não foi o contrário do que aconteceu com Lúcifer? Não era ele o anjo mais belo de todo o céu? Era conhecido como a Estrela Matutina, o maior de todos de sua época, lindo como o sol. Mas sua ganância e desobediência o condenaram a uma vida sem Deus. De que valeu sua beleza se, dentro de si, tinha sentimentos feios e corrompidos? Daí, como era mal e perverso, começamos a descrevê-lo com chifres, pele escura e asas de morcego. É semelhante a Lúcifer que ficam os homens que se deixam corromper por sentimentos menores, por valores que vão de encontro ao que Cristo pregou, sejam eles homens lindos ou não. A maldade, a perversão e o desamor tornam qualquer um feio, horrível e triste.
c) Nem sempre o príncipe tem que ser “belo”
Estava me lembrando dos contos de fada diferentes. Sim... diferentes, essa é a palavra. Os contos nos quais os heróis e príncipes são os feios e terríveis, dignos de serem verdadeiros vilões a julgar-se por sua ‘configuração’ externa. Não consigo me lembrar de todos, mas quero enumerar aqui pelo menos três deles: Shrek, A Bela e a Fera e o Corcunda de Notre Dame, três clássicos exemplos de heróis bem fora do padrão de beleza dos príncipes.
Shrek é clássico atual da criançada. Como todos sabemos, ele é um ogro e como todo ogro é fedorento e feio. Ele é o herói da fábula e o amor da Princesa Fiona, com quem se casa. Tudo se faz para mudar o pobre Shrek e ele até toma uma poção para virar humano, apenas por seu amor pela princesa. Felizmente, ele percebe o que era realmente importante no final.
A Bela e a Fera... bem, quem não conhece o Gastão? O homem mais lindo da vila? Lembram como ele era mesquinho, cruel, maldoso? Lembram que ele foi o vilão do filme e não a terrível e assustadora fera? Quantos desse homens como o Gastão não existem pelo mundo? Muitos, não é mesmo? Pois você já sabe, fuja deles.
Por fim, lembrei-me de Quasímodo. Quem não se lembra do ‘Quasi”, como o chamava carinhosamente uma das gárgulas que o acompanhavam diariamente? Lembram como todos tinham medo dele por sua feiúra e devido ao fato dele parecer um monstro? Lembram como ele foi tratado no festival? Como o amarraram e jogaram coisas podres nele? É assim que todos nós fazemos com quem achamos feios, com aqueles que concebemos como monstros, indignos de uma palavra que seja nossa. Nesse momento, não somos iguais a todos os cruéis vilões das fábulas? E a beleza é algo que cega os olhos. Não foi por causa dela que a Rainha de Branca de Neve mandou matá-la? Tinha até esquecido esse conto clássico que demonstra muito bem essa questão, dentre muitos outros.
A questão que levanto aqui é o que Safo fala no fragmento acima: “Quem é belo, é belo aos olhos e basta.” Ou seja, quem é belo é por si só belo e pronto. Nada mais além disso. Já por somente ser belo basta aos olhos. Não anuncia coisas novas e nem acrescenta nada ao enunciado inicial. É a questão de ser belo e essa mesma beleza encerrar na pessoa uma questão já respondida. “Mas quem é bom é subitamente belo.” Esse é o coração do pensamento de Safo. Com esse enunciado ela estende a qualidade de belo a toda e qualquer criatura “boa”, no sentido de quem pratica o bem, tanto a si como aos demais.
Independentemente da beleza, de como se apresente a pessoa, ela se torna bela tão logo seja de bom caráter, de boa índole, de boas intenções. É essa beleza que devemos internalizar sobre todas as outras formas de beleza possíveis e imagináveis.
O bom precede o belo, sempre e para todo o sempre, porque quem é bom, agradável, delicado no tratar com as pessoas, independentemente como seja fisicamente, torna-se-á belo aos olhos de quem trata. No entanto, nem sempre o mais belo dos belos é realmente a boa pessoa que pensamos, O bom, em sua essência mais superficial, sempre vai ser belo, entretanto, ainda que o belo seja quem é, não significa que ele será realmente bom.
5) Cofee Break: Problemas da Malhação
Tenho pensado sobre o assunto da beleza nesses dias. É interessante como ele se tornou presente nos dias dos incansáveis homens e mulheres do século XXI. É incrível constatar como algo efêmero e inconstante exija tanto de nós e de nossos pensamentos.
Andei hoje pela cidade e pude verificar, no mínimo, a presença de 10 academias, desde as mais robustas até as mínimas. Já eram nove da manhã e algumas já estavam abarrotadas de pessoas, malhando seus corpos em busca da silhueta perfeita, do corpo gostoso que todo mundo deseja e pelo qual suspiramos.
É, meninos e meninas... a tal ditadura da beleza chegou e com força total neste nosso século vazio e sem sentido. Acho que estamos tão ocos por dentro, sem dar vazão ao que realmente importa que acabamos por substituir o que é importante pelo que consideramos assim o ser.
Mas voltando ao assunto das academias, - inclusive acho que vou montar uma. Quem sabe assim mudo de ambiente e ainda me enriqueço com isso – quero ressaltar que andam lotadas de gays, desde os assumidos aos enrustidos. Todos querem ter aquele corpo bombado que vai parar o povo na balada e que os outros desejarão feito loucos.
E quem não quer arder num corpo marombado ou lavar aquela roupa em um maravilhoso tanquinho? Se você é um dos puritanos que disse “não” a essa afirmação, deve estar ficando louco ou é um daqueles que amam demasiadamente o estilo “blasê” de ser, uma linha meio Clarice Lispector misturado com Florbela Espanca.
É... adoramos um bom tanquinho e ele nem precisa ser da Brastemp; um modelo mais barato e popular já dá conta do recado. E vamos para a academia bombar os tímidos músculos para sobressaltá-los, o que eu não discordo mesmo. No entanto, como tudo na vida, a ida a academia deve ter seu propósito pautado em outras coisas mais firmes e não unicamente em se sair de lá mais lindo e malhado.
Pensemos em nossos corpos como uma casa. Ora, quem constrói uma casa sabe que não pode construir a casa sobre o nada. Tem-se que fazer alicerce antes para que, dessa forma, a casa se sustente em pé. Após devidamente alicerçada e com suas paredes e demais adereços é que a casa tem forma de casa efetiva. Depois de suspensas as paredes e arqueado o telhado, começamos os detalhes: pisos de mármore, contornos e acabamentos em madeira ou porcelana importada, tintas e cores da melhor qualidade, ou seja, tudo aquilo que fará a nossa casa ficar mais bela e muito mais agradável. Isso é bom, mas o nosso objetivo maior ao construir a casa é outro. Nós não a construímos para servir de enfeite ou para andar com ela encima da nossa cabeça. E assim mesmo, da mesma forma, deve ser com nossa casa: o nosso corpo.
Um corpo malhado pode até ser bonito de se ver, mas o conteúdo, aquilo que preenche a “casa” em si, deve ser muito mais importante. Como demonstrei, a beleza requerida quando se pretende malhar (dar uma melhorada no corpo, perder aquela barriguinha, aumentar os bíceps e tríceps, etc) serve tanto como o ladrilho importado, as pedras de mármores noruegueses e os cantos em madeira italiana ou o envernizamento holandês: são apenas para dar o toque final naquilo que já o é e tem sua razão primeira de ser. Eles não definem a “casa” ou o que será feito dela, sendo somente auxiliares, complementares por assim dizer, pois sozinhos não representam nada. A casa, por si só, ainda que sem maiores detalhes, não deixará de ser o que é ou se afastará do seu propósito primordial. Mas o que significa uma pedra de mármore da Europa isoladamente? Nada... não é verdade?
Esse é o ponto ao qual quero me ater: sim, malhemos... malhemos até que os músculos explodam ou até que tenhamos um desgaste, se essa é a nossa vontade. Mas malhemos pelo motivo certo, em prol de nós mesmos, para melhorar nossa saúde, nossa disposição e dar um auxílio na auto-estima... na nossa própria “auto”-estima, por nós mesmos, primeira e principalmente. Se as outras pessoas se interessarem, tanto melhor. Como disse sabiamente Drummond: “Não corramos atrás das borboletas, enfeitemos os nossos jardins e elas virão ao nosso encontro”. Não há porque esse desespero todo.
Como sabemos, existem pessoas que malham unicamente para ficarem 'gostosas'... ok, isso é bom, mas de que vai adiantar? Para que essa loucura toda se o destino é a morte? Cheguemos, pois, a ela mas com o prazer de um caminho de aprendizado, de melhores expectativas e com a sensação de ter captado tudo o que nos foi ofertado na jornada. Um corpo, gente, é apenas um corpo: todo mundo tem a mesma boca, a mesma pele, o mesmo tudo... nada disso vai mudar, ainda que tenhamos morenos, claros, fortes, outros assim ou assado... no final, vai dar na mesma coisa.
Escolhamos sim, a casa por sua localização e não pelo seu acabamento. O lindo piso de madeira vai se deslocar do chão um dia, mas aquela casa em cima do morro, com vista para a praia sempre estará por lá e é isso que devemos ser: casas com visões privilegiadas sobre o mundo e sobre as pessoas. As coisas sempre estão além do que se pensa estarem. Tudo é muito mais do que vulgarmente parece ser.
Temos que experimentar sempre olhar além do que os olhos podem ver ou do que a mente possa perceber.
Quero deixar bem claro que não desmereço ou não dou o devido crédito a um bom acabamento: com certeza, uma casa pintada é mais apresentável do que uma apenas rebocada, mas os seus objetivos são os mesmos – servir de moradia para alguém e, no nosso caso, servir de referência, suporte para o que é a pessoa em si. Como todo mundo, adoro uma barriga tanquinho, uma panturrilha bem torneada ou um bíceps preparado para a aventura. Mas nem todo o dia a gente vive de mansão. Um dia, um albergue vai parecer muito melhor, mas muito melhor mesmo.
6) O Verdadeiro Tesouro
“Não guardeis os vossos tesouros na Terra, onde a traça e a poeira corroem. Guardeis vossos tesouros no céu, pois onde estiver o vosso tesouro, lá estará o vosso coração.” Mt 6 19 – 21
Com a proximidade do próximo tema de discussão, chega o momento de fechar o assunto de uma maneira mais light. O pensamento escolhido para “fechar” o tema sobre a beleza é a passagem bíblica acima.
Eu digo, ainda que não seja a primeira pessoa a dizer, que Jesus Cristo foi um grande pensador antes de tudo. Na verdade, o exercício da razão nas parábolas dos Evangelhos prova isso. Mesmo que não tivesse toda a instrução requintada, Jesus estava a frente do seu tempo, tinha um olhar que ultrapassava a quintessência da matéria e suas palavras denotam extremo uso do pensamento.
Todos devem saber e se lembrar que na sua passagem terrena Jesus foi grande em diversas áreas: exímio comunicador e teórico da palavra de Deus, psicólogo e estudioso da natureza humana, orador proeminente, dentre tantas outras especificidades. Quando falar de Jesus em meu espaço (a não ser que esclareça claramente) estarei falando do pensador Jesus Cristo e não do homem que motiva a Cristandade para não tomar qualquer partido religioso que não é, aqui, o meu mérito.
Mas o que a passagem acima diz a respeito do nosso tema? Muita coisa, na verdade. A beleza é um tesouro eminentemente terreno e vem sendo divulgada por entre as pessoas como um tesouro ‘fundamental’. Se você possui, está ‘in’, se não a possui, está ‘out’. Não quer dizer que não exista beleza no céu, mas ela não é de extrema valia como o é na Terra, pois creio que não seja importante. Na verdade, a beleza é apenas uma das vertentes do “bom”. Lembram do que falei sobre as palavras de Safo? O que é bom é “subitamente belo”. E Deus, como mantenedor do ‘Bem’, sendo bom, transcreve-nos essa beleza subjacente em sua natureza especial.
Quando Jesus diz: “Não guardeis os vossos tesouros na Terra, (...). Guardeis vossos tesouros no céu.” , terra e céu sempre foram membros de uma dicotomia de estados, em que aquilo que é da terra está intimamente ligado com o físico e aquilo que é da natureza celeste está ligado ao espiritual, ao metafísico. Quando Jesus disse isto, coloca o espiritual acima do físico, os valores do céu acima dos valores da Terra, alertando-nos sobre o que realmente era importante para Deus: o espírito do homem, suas virtudes, valores de correto.
Mais a frente, Jesus afirma: “onde a traça e a poeira corroem”, levando-nos a encarar a perenidade, a efemeridade das coisas da Terra, da vida dos homens e que tudo nesta esfera se desfaz com o tempo. Guardar os tesouros no céu significa eternizá-lo, guardar em um lugar seguro onde nem “a traça” ou a “poeira” possam destruir, pois é um tesouro não-material, um tesouro de valores e virtudes, abstrato e intangível, realidade que não pode ser atingida pelas coisas terrenas cuja realidade é reforçada pela presença das palavras traça e poeira, passíveis da tangibilidade do mundo.
ENFIM, aos belos e belas...
...minhas sinceras desculpas se disse algo que os tenha ofendido ou desmerecido de alguma forma, pois não é minha intenção. Muito foi dito pelos meus leitores nestas últimas semanas e agradeço mesmo pela opinião. Quero deixar bem claro que essa concepção não é geral: nem todos os belos são carrascos e vilões, muito pelo contrário.
Muitos disseram: mas é importante a beleza, Luciano. Claro, concordo com todos, pois nunca me interessei por alguém que não chamasse minha atenção de algum modo. A nossa forma de ver a beleza sempre impera e nossas escolhas são pautadas em nossos padrões internos e nossa maneira singular de ver as coisas. Eu não disse o contrário. O que quis pontuar nestas considerações é a banalização da beleza, a sobrevalorização do que é simplesmente belo exteriormente, sem considerar outras formas de ver. É sobre isto que eu tenho escrito, mesmo que possa parecer diferente.
Desculpem pela prolixidade do texto. Muitas pessoas reclamaram que o texto é longo, mas odeio deixar brechas no pensamento. Eu gosto de dizer tudo o que acho interessante naquele momento. Acho que sou aqui como sou na minha vida. Tudo é bem resolvido e ajustado para não trazer problemas posteriores: odeio retrabalhar as coisas – rever sim, retrabalhar, jamais.
1) Considerações Iniciais
Em uma definição mais genérica, diríamos que o belo “é aquilo que tem formas e proporções esteticamente harmônicas, tendendo a um ideal de perfeição”, produzindo, por assim dizer, “uma sensação de deleite, admiração e serenidade”.
Dizia Sócrates que o belo é igual ao bem, alicerçando uma idéia expressa por Safos, escritora da ilha de Lesbos, quando disse: "Quem é belo, é belo aos olhos - e basta. Mas quem é bom, é subitamente belo." São Tomás de Aquino definia a beleza como algo que agrada a visão, apontando sempre para a integridade de sentimentos. Kant disse que belo é algo que agrada universalmente e diferenciava o belo do agradável: o agradável causa prazer enquanto que o belo antecede o prazer. Há de se atentar para a temporalidade da beleza e a sua submissão ao contexto social.
Ora, se o homem é um ser de história, vivendo em uma sociedade dinâmica e de valores tão voláteis, não poderíamos esquecer que o que é belo hoje pode não ser mais daqui a alguns anos a frente. E o homem como ser de cultura, inserido em um contexto de idéias e conhecimentos, vai transformando a si e a sua realidade, modificando assim visões sobre beleza, caráter, individualidade, humanidade, ou seja, a complexidade do emaranhado humano em geral.
É interessante notar que os conceitos de outrora não faziam referência exclusivamente ao físico: “quem é bom é subitamente belo”, ou “o belo é igual ao bem”. Lógico que havia ênfase no físico: “agrada a visão”, mas não tão somente. E creio que a ênfase mesmo seria bem maior nos sentimentos nobres do homem, pois eram eles que o tornavam universalmente belo. E essa é uma experiência comprovada. Quem de nós não já se identificou com uma pessoa extraordinária, de sentimentos nobres e suave no tratar, independentemente se era bela ou não? Aconteceu com alguns, com certeza.
Infelizmente, o que hoje se percebe é a inversão dos valores. O homem deste século, tão futurista e senhor de todo o conhecer, que ri daquele da Idade Antiga e Média, não prima por valores ou sentimentos ilustres. São outros os interesses e ideais de beleza desse homem. O que há é o esquecimento do que existe no íntimo do indivíduo, na sua essência, em seus pensamentos e idéias. O homem do “ter” toma, severamente, o lugar do homem do “ser”.
2) Beleza Interior: mero acessório ou bem primordial?
Muito foi dito sobre “beleza interior” desde os tempos longínquos, mas pouco se valorizou o que foi dito, sobretudo nos nossos dias de hoje. A vida se modernizou, se urbanizou e, agora, por último, se globalizou. Que Deus nos acuda quando o próximo movimento vier. Espero que não seja “se matou”, porque aí estaremos todos perdidos. Globaliza-se o mundo, cristalizam-se os valores, a sociedade se putrefaz, mas é a vida... e “é bonita, é bonita e é bonita”, pois mesmo com todas as dificuldades, viver ainda é a melhor das experiências.
Entretanto, odeio dizer, mas estamos todos perdidos em nossos valores. Nada mais é como costumava ser e não mais “será de novo do jeito que já foi um dia". Os valores, os caminhos por onde vai o mundo é sempre exterior ao homem, ou seja, o que está além do homem é o que o mundo valoriza. As relações andam sem qualquer intimidade, frias e vazias. É... não sabemos mesmo onde tudo isso vai desembocar, mas espero que tudo transcorra a contento.
Ah, tá, mas vocês devem estar se perguntando: “sobre o quê estamos falando?”. Calma... é apenas a introdução, pois o assunto requer muitas nuances. Quero abrir essa discussão sobre a beleza interior. Para que será que serve a beleza interior? Como o mundo de hoje aproveita-se dela? Para que a usamos? E caso usemos, de que forma fazemos isso? Nunca entendi porque um bem tão valioso pudesse ser tão menosprezado. Não é diferente do que se poderia esperar de uma sociedade que prima pelo o que se tem e não pelo o que se é.
Ninguém mais se interessa se você é um ser humano extraordinário, digno das maiores virtudes, de retidão de caráter, de espírito de justiça, trabalho e amor a condição humana de ser. Não interessam os cursos superiores em Harward ou mesmo na UNB; não importam os cursos de línguas, de contabilidade complexa, de matemática filosófica ou outro que pudermos estudar para engrandecer nossa mente com conhecimentos briosos. Você somente valerá algo se tiver um carro do ano do melhor modelo, jóias que brilham mais que o sol ou dinheiro para usufruir com os “pseudo-amigos” de sua rodinha social e, ah... sim, um corpinho em voga, claro! Quem ama o feio, não é mesmo?
Com essa visão exterior, em que tudo que se precisa está sempre fora do ser, não me espanto o esquecimento da beleza interior. O que é interior não importa para os vazios andróides do século XXI que, com o que possuem, compram “amigos” aos baldes nas liquidações da esquina. Mas a vida é um aprendizado: um dia, ou a saúde ou o dinheiro acabam. Nesse dia, aquele que é apenas o que tem mal terá quem o leve ao hospital ou acompanhe seus funerais quando se for. Sua ida será triste, solitária, tão pequena quanto o espírito dele, tão horrível e falsa como fora sua vida inteira.
Haverá de se lembrar que a única coisa que conseguiu carregar consigo após sua “passagem” são os espectros de sua alma, ricamente carregada com as manifestações de seu âmago, local cativo da beleza interior, o conjunto de características, virtudes, qualidades e defeitos que tornam o indivíduo rico em sua singularidade. Como fará sua passagem com honra e austeridade se não há ‘belezas’ em sua alma? Sua beleza interior é piada e ele foi palhaço da vida que teve. As pessoas apenas se aproveitaram dele e do que pôde oferecer. Nesta hora, neste dia, o arrependimento e o vazio o destruirão por completo. Eu me questiono se realmente vim até aqui para apenas ter uma vida ínfima como essa. Não quero isso de forma alguma.
É consternadora a situação de pais e mães que preferem ver filhos e filhas ao lado de pessoas de caráter duvidoso apenas porque elas possuem cofrinhos cheios de tostão. Os pobres homens de raciocínio e retidão de espírito, os sábios, os nobres de coração somente podem ser aproveitados se tiverem muito mais embaixo do colchão do que molas e espumas. A beleza interior é o que nunca deveria ser: um artigo complementar e opcional, não significando potencialmente nada para os tolos. Mas mesmo que os ignorantes arrotem bulhufas e se multipliquem a granel, haverão sempre homens com visão holística, completa e além das meras expectativas humanas – são para esses homens que Deus criou o “Éden” e, não muito tarde, eles o herdarão.
3) A sobrevalorização da Beleza Exterior
Outra questão importante que lembro quando falo da “beleza interior” é acerca da sobrevalorização da “beleza exterior”, fato que específico um pouco mais nos textos seguintes. A nossa sociedade recriou Vênus. É, meninos e meninas, a deusa da beleza já não é mais aquela que costumava ser. Os homens, com seus corações tolos e fúteis, convenceram nossa Vênus do que era completamente inútil. Hoje se fala em corpos fantásticos, silhuetas bem definidas, rostos de pêssego.
Busca-se o corpo mais esbelto, sem as gordurinhas localizadas indesejadas. A lipoaspiração virou mania e a barriga tanquinho, um sonho de consumo. E quem não tem tempo de garimpar, compra a fórmula de Nicolau Flamel e já faz seu próprio ouro em silicone: implanta, pois, peito durinho, coxas torneadas, panturrilhas estonteantes e bíceps que dão inveja ao próprio Sylvester Stallone, tudinho ali, a um passo do Plano de Saúde ou da cirurgia parcelada no cartão, no cheque pré ou no crediário próprio em 60 meses, ao gosto do futuro Robocop.
Não quero parecer aqui um ser superior que está além do bem e do mal: não é isso. Não critico os homens-silicone ou suas outras formas alternativas. Não critico isso, mas alerto para o motivo pelo qual se faz isso, visto que há casos em que as cirurgias são estritamente necessárias. Não critico os belos, mas me entristeço com o que eles fazem com a beleza deles. É muito bom ter um corpo top de linha: eu não discordo mesmo. É muito melhor deitar em um colchão de molas do que em um ortopédico, duro como uma pedra; isso é inquestionável. Mas devemos sempre admirar e cultivar as pessoas pelo o que elas trazem dentro de si, pois ainda que lindo, gostoso e malhadíssimo, um corpo é só um corpo. A beleza da alma, inerente ao ser, do seu mais profundo âmago é a que realmente importa.
Não falaremos com um corpo que não tem como falar diretamente: é a mente que se expressa e não o corpo tão somente, pelo contrário. Por acaso não é a mente que controla o corpo e seus movimentos? Logo se vê a influência que a mente exerce sobre este mesmo corpo, lembrando-nos que a riqueza do homem está dentro de si, nos seus pensamentos e atitudes, no seu caráter que reflete sua maneira de administrar sua vida e o universo ao redor de si.
Eu proponho uma experiência: pensemos que, acabamos de conhecer duas pessoas maravilhosas. São pessoas cordiais, honestas, interessantes e uma delas é, como dissemos, 'top de linha' e a outra, por sua vez, atributos semelhantes, sobretudo fisicamente, mas bem longe dos padrões de beleza preconizados atualmente. Ambas inteligentes, de senso aguçado e personalidade única.
Imaginemos ainda que estamos saindo com as duas pessoas ao mesmo tempo e com o passar do tempo, vemo-nos apaixonados pelas duas, como no magnífico filme Splendor: um amor em duas vidas. Certo dia, não muito longe, vamos pra cama com essas duas pessoas. Configuremos um quarto escuro onde luz nenhuma entra: escuridão total. Depois de entrar no quarto, começam os “rituais” de excitação: olhares seguem carícias, mãos leves que tocam a pele, lábios que se beijam ternamente. Eu pergunto: há como discernir a diferença substancial do corpo de uma e da outra pessoa? Nessa hora, um corpo não é apenas e unicamente um corpo? As duas pessoas, ambas detentoras de dois braços, duas pernas e todo o restante similar não evidenciam os mesmos sabores e sensações? O que as diferenciará uma da outra não é sua personalidade única e seu caráter inconfundível?
Pois bem, meu caros amigos, é exatamente este ponto ao qual quero me ater: a beleza interior permeia todas as coisas. Enquanto a forma e configuração mais geral das bocas que beijamos são as mesmas, as pessoas não o são, sendo ricamente diferentes entre si. A beleza do corpo físico em si é limitada pelo próprio corpo e, um dia, não espantem, ela vai acabar, no entanto, um coração belo será assim belo pela vida inteira e, muitas vezes, depois dela.
Não quero dizer que vamos sair por aí rejeitando todos(as) os(as) gostosos(as), mas devemos ter em mente que é o que eles(as) trazem em suas mentes e em seus corações aquilo pelo qual estamos procurando. De nada adiantará estar ao lado de uma pessoa tola, seca e vazia, por mais linda que se pareça.
Creio que até acabamos contribuindo para a alienação dos mais belos, pois com tantos desejos direcionados a eles, acabam por reduzirem-se a própria beleza, a modelo de Narciso que “acha feio o que não é espelho”, como disse, sabiamente, Caetano Veloso. Uma vez perdidos de si mesmos e do propósito principal da vida, existem deles que jamais se reencontram novamente e muitos morrem antes de perceberem sua “auto-perda”.
Espero, um dia, que reconheçamos as virtudes da “beleza interior”. Espero mesmo que voltemos a valorizá-la como outrora, quando a palavra de alguém valia muito mais que todo o dinheiro do mundo, em uma época em que “palavra dada era palavra empenhada”. Quem sabe não possamos aprender com os erros finalmente em vez de escondê-los debaixo das montanhas, pois os tapetes já estão cheios de mentiras e falsas esperanças: não há lugar pra nada mais.
4) O Belo e o Bom
“Quem é belo, é belo aos olhos e basta. Mas quem é bom é subitamente belo” – Safo
Nessa semana esperava publicar uma reflexão que escrevi há um tempo atrás, mas devido às questões levantadas pelo minha reflexão da semana passada, tive um insight interessante essa semana. Relendo meu primeiro insight – “Beleza Interior - Mero Acessório ou Bem Primordial?” – li e reli várias vezes a citação de Safo e resolvi escrever um pouco mais sobre o assunto, levantando algumas questões, inclusive de reflexões alicerçadas nos textos que tenho escrito.
a) Como na boate, como na vida...
Depois de uma semana, alguns comentários foram levantados sobre essa reflexão e pude verificar a opinião das pessoas. Dentre uma delas, chamou-me a atenção a de um amigo que veio a mim e disse: “Mas, Lú, na boate, por exemplo. Ninguém procura quem é bom, pois não temos como visualizar fisicamente essa característica, pois é com o tempo, com a experiência que poderemos dizer se uma pessoa é “boa” ou não. Na boate, vemos logo o que imediatamente agrada aos olhos. E é só pra ficar mesmo. Mas se o caso for namorar, aí as coisas mudam de figura. Nós queremos verificar qualidades, caráter, personalidade e todas as outras coisas que realmente formam um namorado.”
Eu fiquei raciocinando sobre tudo o que conversamos e fiquei me perguntando: se assim é, porque existe lá fora uma numerosa fila de homens dignos e honestos, verdadeiros cavalheiros, de bom caráter e boa índole, ricos em cultura e requintados no tratar e no portar-se? Não são essas as características preconizadas quando se procura o companheiro ideal? Cheguei a conclusão que meu amigo se encontra deveras equivocado. Essa é a nossa realidade, visto que somos de idade parecida, mas não a realidade dos jovens adultos de hoje, da mais nova geração Coca-Cola.
Creio que, em virtude de repetir-se o comportamento da boate sempre, inúmeras vezes, todos os finais de semana, estamos repetindo-o fora dela também. Ou seja, mesmo que o bom seja um ideal a ser conquistado, ele precisa ser belo. Se não agradar aos olhos e a mente, nada feito. Coitados dos feios!! Mas mesmo para eles tem sempre outras opções... na verdade, temos opções para tudo que diz respeito a essas questões. Os feios, ainda que não consigam os belos, conquistarão e serão conquistados por outros feios. Ninguém tem a opção de ficar sozinho. Então, no fim da conclusão, cada um tem a plena possibilidade de ser agradável aos olhos e a mente de outrem, lembrando que mesmo os feios sem qualquer conteúdo, também são fórmulas a serem evitadas.
Tenho sempre alertado aqui que eu não condeno o que é belo. É como eu disse antes: eu não critico os belos, mas sim o que eles fazem com a beleza deles. Mas o que alerto, quando digo que o comportamento das boates está ditando regras das relações hodiernas, refere-se ao fato de que estamos nos relacionando, mesmo quando procuramos um namorado sério, de forma similar quando ficamos com alguém na boate: apenas pela sua beleza externa.
Mesmo que seja na intenção de encontrar alguém para namorar, não olhamos para o fato de a pessoa ser íntegra, honesta e todas as características que dizemos priorizar quando o assunto é relacionamento. Nós queremos é que apareça alguém lindo de morrer, um Reynaldo Gianecchini da vida, com um corpo escultural e, de preferência, com largos bolsos.
b) A beleza de Cristo
Podemos até fazer um teste. Digamos que Deus nos deu a oportunidade de pedir pelo homem ou pela mulher ideal. E nos pergunte: Diga, como seria essa pessoa? Com certeza, a maioria de nós responderia prontamente: Ah, eu quero que ele(ela) seja lindo(a), que tenha os olhos verdes (ou azuis), que seja forte, musculoso para os homens ou que tenha o corpo de violão para as mulheres (...) e, por último, que seja uma boa pessoa, honesta, etc. Sei que muitos discordarão de mim, dizendo que eu tenho uma visão pessimista da coisa. Sei que nem todos reproduziriam as respostas acima, mas, infelizmente, uma grande maioria, sim.
Quando falei de beleza e de Deus, eu me lembrei de uma coisa muito importante. Por isso, a imagem de Cristo coroa essa minha reflexão de maneira cabível. Nós nos acostumamos a ver um Jesus de olhos azuis, pele branca como a neve, cabelos longos e castanhos, no entanto, estudos baseados na estrutura gênica dos povos de sua época demonstram o contrário: provavelmente, um homem de cabelos mais curtos, pele mais parda e olhos castanho claro a escuros.
Mas me digam: como colocar a figura de um homem como esses para ser adorado como o filho de Deus? Como conceber um Jesus feio, além dos padrões de beleza que prega a sociedade? Nunca, né? O filho de Deus tem que ser lindo, pois é o filho de Deus... o Pai dele não é qualquer um. Eu imagino o quando Deus deve ser decepcionado com esses filhos que permitiu viver nesse mundo, ocupados com as menores coisas e valorizando as desvalorizáveis.
E eu pergunto: o que é mais importante? A beleza de Jesus ou a beleza da sua mensagem? Sua beleza externa ou interna? Por que o adoramos? Por que ele tinha olhos azuis ou por que ele é o filho de Deus que veio ao mundo nos libertar? Não amamos Jesus Cristo porque ele é bom? Não amamos Cristo por sua capacidade de amar indefinidamente? E é engraçado... eu penso no que Cristo disse: “Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste” (Mt 5, 48). Quando Cristo disse isso, nos permitiu sermos como ele era, porque Ele é perfeito. E quando disse “Pai celeste”, nos colocou na incontestável condição de filhos de Deus.
Mas como podemos fazer isso? Como podemos nos ver como semelhantes a Jesus se valorizamos e damos crédito a tudo que Ele deu descrédito? E não falo apenas da efemeridade da beleza... falo de tudo como um todo. Jesus Cristo não era modelo de camisetas e nem muito menos era menino-propaganda de xampu. Se ele tinha cabelos compridos ou a tez branca, isso eu não sei, mas sei que não foi com eles que ele conquistou o mundo inteiro e sim com sua mensagem, seu amor único que rompeu todas as barreiras conhecidas e sua bondade absoluta. Revelando-se como bom foi que Jesus realmente tornou-se belo, porque têm-se na cabeça que o bom é belo.
Por que todas as fotos de anjos são lindas? Porque eles emanam bondade. Não foi o contrário do que aconteceu com Lúcifer? Não era ele o anjo mais belo de todo o céu? Era conhecido como a Estrela Matutina, o maior de todos de sua época, lindo como o sol. Mas sua ganância e desobediência o condenaram a uma vida sem Deus. De que valeu sua beleza se, dentro de si, tinha sentimentos feios e corrompidos? Daí, como era mal e perverso, começamos a descrevê-lo com chifres, pele escura e asas de morcego. É semelhante a Lúcifer que ficam os homens que se deixam corromper por sentimentos menores, por valores que vão de encontro ao que Cristo pregou, sejam eles homens lindos ou não. A maldade, a perversão e o desamor tornam qualquer um feio, horrível e triste.
c) Nem sempre o príncipe tem que ser “belo”
Estava me lembrando dos contos de fada diferentes. Sim... diferentes, essa é a palavra. Os contos nos quais os heróis e príncipes são os feios e terríveis, dignos de serem verdadeiros vilões a julgar-se por sua ‘configuração’ externa. Não consigo me lembrar de todos, mas quero enumerar aqui pelo menos três deles: Shrek, A Bela e a Fera e o Corcunda de Notre Dame, três clássicos exemplos de heróis bem fora do padrão de beleza dos príncipes.
Shrek é clássico atual da criançada. Como todos sabemos, ele é um ogro e como todo ogro é fedorento e feio. Ele é o herói da fábula e o amor da Princesa Fiona, com quem se casa. Tudo se faz para mudar o pobre Shrek e ele até toma uma poção para virar humano, apenas por seu amor pela princesa. Felizmente, ele percebe o que era realmente importante no final.
A Bela e a Fera... bem, quem não conhece o Gastão? O homem mais lindo da vila? Lembram como ele era mesquinho, cruel, maldoso? Lembram que ele foi o vilão do filme e não a terrível e assustadora fera? Quantos desse homens como o Gastão não existem pelo mundo? Muitos, não é mesmo? Pois você já sabe, fuja deles.
Por fim, lembrei-me de Quasímodo. Quem não se lembra do ‘Quasi”, como o chamava carinhosamente uma das gárgulas que o acompanhavam diariamente? Lembram como todos tinham medo dele por sua feiúra e devido ao fato dele parecer um monstro? Lembram como ele foi tratado no festival? Como o amarraram e jogaram coisas podres nele? É assim que todos nós fazemos com quem achamos feios, com aqueles que concebemos como monstros, indignos de uma palavra que seja nossa. Nesse momento, não somos iguais a todos os cruéis vilões das fábulas? E a beleza é algo que cega os olhos. Não foi por causa dela que a Rainha de Branca de Neve mandou matá-la? Tinha até esquecido esse conto clássico que demonstra muito bem essa questão, dentre muitos outros.
A questão que levanto aqui é o que Safo fala no fragmento acima: “Quem é belo, é belo aos olhos e basta.” Ou seja, quem é belo é por si só belo e pronto. Nada mais além disso. Já por somente ser belo basta aos olhos. Não anuncia coisas novas e nem acrescenta nada ao enunciado inicial. É a questão de ser belo e essa mesma beleza encerrar na pessoa uma questão já respondida. “Mas quem é bom é subitamente belo.” Esse é o coração do pensamento de Safo. Com esse enunciado ela estende a qualidade de belo a toda e qualquer criatura “boa”, no sentido de quem pratica o bem, tanto a si como aos demais.
Independentemente da beleza, de como se apresente a pessoa, ela se torna bela tão logo seja de bom caráter, de boa índole, de boas intenções. É essa beleza que devemos internalizar sobre todas as outras formas de beleza possíveis e imagináveis.
O bom precede o belo, sempre e para todo o sempre, porque quem é bom, agradável, delicado no tratar com as pessoas, independentemente como seja fisicamente, torna-se-á belo aos olhos de quem trata. No entanto, nem sempre o mais belo dos belos é realmente a boa pessoa que pensamos, O bom, em sua essência mais superficial, sempre vai ser belo, entretanto, ainda que o belo seja quem é, não significa que ele será realmente bom.
5) Cofee Break: Problemas da Malhação
Tenho pensado sobre o assunto da beleza nesses dias. É interessante como ele se tornou presente nos dias dos incansáveis homens e mulheres do século XXI. É incrível constatar como algo efêmero e inconstante exija tanto de nós e de nossos pensamentos.
Andei hoje pela cidade e pude verificar, no mínimo, a presença de 10 academias, desde as mais robustas até as mínimas. Já eram nove da manhã e algumas já estavam abarrotadas de pessoas, malhando seus corpos em busca da silhueta perfeita, do corpo gostoso que todo mundo deseja e pelo qual suspiramos.
É, meninos e meninas... a tal ditadura da beleza chegou e com força total neste nosso século vazio e sem sentido. Acho que estamos tão ocos por dentro, sem dar vazão ao que realmente importa que acabamos por substituir o que é importante pelo que consideramos assim o ser.
Mas voltando ao assunto das academias, - inclusive acho que vou montar uma. Quem sabe assim mudo de ambiente e ainda me enriqueço com isso – quero ressaltar que andam lotadas de gays, desde os assumidos aos enrustidos. Todos querem ter aquele corpo bombado que vai parar o povo na balada e que os outros desejarão feito loucos.
E quem não quer arder num corpo marombado ou lavar aquela roupa em um maravilhoso tanquinho? Se você é um dos puritanos que disse “não” a essa afirmação, deve estar ficando louco ou é um daqueles que amam demasiadamente o estilo “blasê” de ser, uma linha meio Clarice Lispector misturado com Florbela Espanca.
É... adoramos um bom tanquinho e ele nem precisa ser da Brastemp; um modelo mais barato e popular já dá conta do recado. E vamos para a academia bombar os tímidos músculos para sobressaltá-los, o que eu não discordo mesmo. No entanto, como tudo na vida, a ida a academia deve ter seu propósito pautado em outras coisas mais firmes e não unicamente em se sair de lá mais lindo e malhado.
Pensemos em nossos corpos como uma casa. Ora, quem constrói uma casa sabe que não pode construir a casa sobre o nada. Tem-se que fazer alicerce antes para que, dessa forma, a casa se sustente em pé. Após devidamente alicerçada e com suas paredes e demais adereços é que a casa tem forma de casa efetiva. Depois de suspensas as paredes e arqueado o telhado, começamos os detalhes: pisos de mármore, contornos e acabamentos em madeira ou porcelana importada, tintas e cores da melhor qualidade, ou seja, tudo aquilo que fará a nossa casa ficar mais bela e muito mais agradável. Isso é bom, mas o nosso objetivo maior ao construir a casa é outro. Nós não a construímos para servir de enfeite ou para andar com ela encima da nossa cabeça. E assim mesmo, da mesma forma, deve ser com nossa casa: o nosso corpo.
Um corpo malhado pode até ser bonito de se ver, mas o conteúdo, aquilo que preenche a “casa” em si, deve ser muito mais importante. Como demonstrei, a beleza requerida quando se pretende malhar (dar uma melhorada no corpo, perder aquela barriguinha, aumentar os bíceps e tríceps, etc) serve tanto como o ladrilho importado, as pedras de mármores noruegueses e os cantos em madeira italiana ou o envernizamento holandês: são apenas para dar o toque final naquilo que já o é e tem sua razão primeira de ser. Eles não definem a “casa” ou o que será feito dela, sendo somente auxiliares, complementares por assim dizer, pois sozinhos não representam nada. A casa, por si só, ainda que sem maiores detalhes, não deixará de ser o que é ou se afastará do seu propósito primordial. Mas o que significa uma pedra de mármore da Europa isoladamente? Nada... não é verdade?
Esse é o ponto ao qual quero me ater: sim, malhemos... malhemos até que os músculos explodam ou até que tenhamos um desgaste, se essa é a nossa vontade. Mas malhemos pelo motivo certo, em prol de nós mesmos, para melhorar nossa saúde, nossa disposição e dar um auxílio na auto-estima... na nossa própria “auto”-estima, por nós mesmos, primeira e principalmente. Se as outras pessoas se interessarem, tanto melhor. Como disse sabiamente Drummond: “Não corramos atrás das borboletas, enfeitemos os nossos jardins e elas virão ao nosso encontro”. Não há porque esse desespero todo.
Como sabemos, existem pessoas que malham unicamente para ficarem 'gostosas'... ok, isso é bom, mas de que vai adiantar? Para que essa loucura toda se o destino é a morte? Cheguemos, pois, a ela mas com o prazer de um caminho de aprendizado, de melhores expectativas e com a sensação de ter captado tudo o que nos foi ofertado na jornada. Um corpo, gente, é apenas um corpo: todo mundo tem a mesma boca, a mesma pele, o mesmo tudo... nada disso vai mudar, ainda que tenhamos morenos, claros, fortes, outros assim ou assado... no final, vai dar na mesma coisa.
Escolhamos sim, a casa por sua localização e não pelo seu acabamento. O lindo piso de madeira vai se deslocar do chão um dia, mas aquela casa em cima do morro, com vista para a praia sempre estará por lá e é isso que devemos ser: casas com visões privilegiadas sobre o mundo e sobre as pessoas. As coisas sempre estão além do que se pensa estarem. Tudo é muito mais do que vulgarmente parece ser.
Temos que experimentar sempre olhar além do que os olhos podem ver ou do que a mente possa perceber.
Quero deixar bem claro que não desmereço ou não dou o devido crédito a um bom acabamento: com certeza, uma casa pintada é mais apresentável do que uma apenas rebocada, mas os seus objetivos são os mesmos – servir de moradia para alguém e, no nosso caso, servir de referência, suporte para o que é a pessoa em si. Como todo mundo, adoro uma barriga tanquinho, uma panturrilha bem torneada ou um bíceps preparado para a aventura. Mas nem todo o dia a gente vive de mansão. Um dia, um albergue vai parecer muito melhor, mas muito melhor mesmo.
6) O Verdadeiro Tesouro
“Não guardeis os vossos tesouros na Terra, onde a traça e a poeira corroem. Guardeis vossos tesouros no céu, pois onde estiver o vosso tesouro, lá estará o vosso coração.” Mt 6 19 – 21
Com a proximidade do próximo tema de discussão, chega o momento de fechar o assunto de uma maneira mais light. O pensamento escolhido para “fechar” o tema sobre a beleza é a passagem bíblica acima.
Eu digo, ainda que não seja a primeira pessoa a dizer, que Jesus Cristo foi um grande pensador antes de tudo. Na verdade, o exercício da razão nas parábolas dos Evangelhos prova isso. Mesmo que não tivesse toda a instrução requintada, Jesus estava a frente do seu tempo, tinha um olhar que ultrapassava a quintessência da matéria e suas palavras denotam extremo uso do pensamento.
Todos devem saber e se lembrar que na sua passagem terrena Jesus foi grande em diversas áreas: exímio comunicador e teórico da palavra de Deus, psicólogo e estudioso da natureza humana, orador proeminente, dentre tantas outras especificidades. Quando falar de Jesus em meu espaço (a não ser que esclareça claramente) estarei falando do pensador Jesus Cristo e não do homem que motiva a Cristandade para não tomar qualquer partido religioso que não é, aqui, o meu mérito.
Mas o que a passagem acima diz a respeito do nosso tema? Muita coisa, na verdade. A beleza é um tesouro eminentemente terreno e vem sendo divulgada por entre as pessoas como um tesouro ‘fundamental’. Se você possui, está ‘in’, se não a possui, está ‘out’. Não quer dizer que não exista beleza no céu, mas ela não é de extrema valia como o é na Terra, pois creio que não seja importante. Na verdade, a beleza é apenas uma das vertentes do “bom”. Lembram do que falei sobre as palavras de Safo? O que é bom é “subitamente belo”. E Deus, como mantenedor do ‘Bem’, sendo bom, transcreve-nos essa beleza subjacente em sua natureza especial.
Quando Jesus diz: “Não guardeis os vossos tesouros na Terra, (...). Guardeis vossos tesouros no céu.” , terra e céu sempre foram membros de uma dicotomia de estados, em que aquilo que é da terra está intimamente ligado com o físico e aquilo que é da natureza celeste está ligado ao espiritual, ao metafísico. Quando Jesus disse isto, coloca o espiritual acima do físico, os valores do céu acima dos valores da Terra, alertando-nos sobre o que realmente era importante para Deus: o espírito do homem, suas virtudes, valores de correto.
Mais a frente, Jesus afirma: “onde a traça e a poeira corroem”, levando-nos a encarar a perenidade, a efemeridade das coisas da Terra, da vida dos homens e que tudo nesta esfera se desfaz com o tempo. Guardar os tesouros no céu significa eternizá-lo, guardar em um lugar seguro onde nem “a traça” ou a “poeira” possam destruir, pois é um tesouro não-material, um tesouro de valores e virtudes, abstrato e intangível, realidade que não pode ser atingida pelas coisas terrenas cuja realidade é reforçada pela presença das palavras traça e poeira, passíveis da tangibilidade do mundo.
ENFIM, aos belos e belas...
...minhas sinceras desculpas se disse algo que os tenha ofendido ou desmerecido de alguma forma, pois não é minha intenção. Muito foi dito pelos meus leitores nestas últimas semanas e agradeço mesmo pela opinião. Quero deixar bem claro que essa concepção não é geral: nem todos os belos são carrascos e vilões, muito pelo contrário.
Muitos disseram: mas é importante a beleza, Luciano. Claro, concordo com todos, pois nunca me interessei por alguém que não chamasse minha atenção de algum modo. A nossa forma de ver a beleza sempre impera e nossas escolhas são pautadas em nossos padrões internos e nossa maneira singular de ver as coisas. Eu não disse o contrário. O que quis pontuar nestas considerações é a banalização da beleza, a sobrevalorização do que é simplesmente belo exteriormente, sem considerar outras formas de ver. É sobre isto que eu tenho escrito, mesmo que possa parecer diferente.
Desculpem pela prolixidade do texto. Muitas pessoas reclamaram que o texto é longo, mas odeio deixar brechas no pensamento. Eu gosto de dizer tudo o que acho interessante naquele momento. Acho que sou aqui como sou na minha vida. Tudo é bem resolvido e ajustado para não trazer problemas posteriores: odeio retrabalhar as coisas – rever sim, retrabalhar, jamais.