DA CRÍTICA.

Uma proposta que mais se ouve, sobretudo no meio acadêmico, é: “analise criticamente”. Sendo, portanto, um ato de juízo, que, afinal, isso quer dizer?

A crítica pela crítica, como se sabe, não dá para classificarmos de ato lógico, no sentido pleno deste termo. Nesse nível, digamos assim, a mesma não vai além de algo que ocorre apenas na esfera psicológica. Por esse mecanismo, o sujeito não fundamenta aquilo contra o qual se posiciona. Assim, diante de um texto (oral ou escrito) não estabelece as ligações e as separações possíveis à procura de conceitos neles contidos, suas análises não passam de caricaturas intelectuais.

Só estudamos para valer se nossas ferramentas estiverem afiadas por atos lógicos. Ou seja, a Análise – processo através do qual se decompõe o texto em partes. No fundo, é também um método, pois, partimos do singular para chegarmos ao geral ( indução ) e a Síntese – processo inverso, mediante o qual se vai compondo os elementos na expectativa de se chegar à totalidade. Como a anterior, é método, afinal, há uma espécie de ordem envolvendo os componentes, indo-se ao que disso decorrer. Convém termos muito cuidado para não cairmos em extremos. Consoante palavras de Leda Miranda Huhne, “se só se usa a análise, há o perigo de se perder a visão de conjunto. Se só se emprega a síntese, pode-se alcançar o nível de interpretação arbitrária”.

Na verdade, a crítica é o próprio exercício do pensamento. Afinal, só ela nos trará à tona aquilo que os discursos “dizendo deixam de dizer”. Nas palavras de Marilena Chauí, “o que interessa para a crítica não é o que está explicitamente pensado, explicitamente dito, mas exatamente aquilo que não está sendo dito e que, muitas vezes, nem sequer está sendo pensado de maneira consciente”. De modo que a irrefragável função da crítica “é fazer falar o silêncio”.

Destarte, dois grandes movimentos se revelam na prática crítica: de um lado, podemos desmascarar as ideologias, essas entendidas como velamentos, como fetiches das coisas. De outro, podemos nos surpreender com a segurança, a profundidade, a coerência de um texto, isto é, ele pode ser bem mais rico e nos indicar novos rumos do que antes pensávamos. Aqui, como rezam os entendidos, se encontra “uma obra de pensamento propriamente dita”.

Em que pese, enfim, o fato da crítica trabalhar juízos, nada tem a ver com aquela idéia nefasta de maniqueísmo onde se procura descobrir verdades para se contrapor às mentiras. A genuína crítica é forma de trabalho no qual pensamentos e discursos são vasculhados tendo em vista aquilo que silenciam. Não é à toa que os Críticos incomodam, provocam medo, são ameaças. Ora, como ensina Chauí, se a crítica não traz conteúdos prévios, mas é descoberta de conteúdos escondidos, então ela é muito perigosa.

Ary Carlos Moura Cardoso

Mestre em Literatura pela UnB

Professor da UFT