A tempestade
Saiu da construção, inspirado, com a alma lavada por ver a dor alheia. Trazia para sua vida a experiência, como sempre, e pedia que a pessoa que ama pudesse ver aquele momento, saber daquele sentimento, e ver onde estava a sua união.
O tempo está agradável, pensou. Um vento leve, gotas médias de uma chuva esparsa e um sol escondido por entre muitas nuvens, iluminando uma pequenina parcela do firmamento.
Mas logo as nuvens se avolumaram, o sol sumiu completamente, o vento aumentou e as gotas se tornaram grossas, frias e pesadas. As pessoas paravam do lado de dentro da construção, aflitas por não molharem suas roupas, desfazerem seus cabelos ou estragarem suas compras. Ele entrou na chuva, como aquele que nada tem a perder, e deixou que a sensação se tornasse automática, que seu corpo se acostumasse ao encharcamento e ao frio. E assim caminhou, até sua casa.
Lá ele sabia estar o refúgio. Lá ele sabia que haveria um local quente e seco, conforto e tranquilidade onde tudo o que a chuva pudesse ter manchado, ele poderia limpar.
Ao chegar, imediatamente um gato branco o saudou com miados desesperados, e utilizou a mesma porta de entrada que ele, desesperado pelo abrigo. Eles conversaram e lembraram que havia mais alguém lá fora. Assim ele saiu e procurou onde mais provavelmente a encontraria. Mas lá não estava. Chamou-lhe a atenção a força do vento, que arrancara a capa de proteção do carro à sua frente. Ao se aproximar do carro, eis que a gata preta lhe chama. E ali ele estava, com o granizo a cair em sua cabeça, chamando a gata preta que se refugiava embaixo do carro, completamente molhado o chão onde se agachava. Os miados eram desesperados, mas o medo de sair era ainda maior. Ao fim de alguns minutos, ele abriu a porta mais próxima ao carro, e a chamou. Ela foi, embaixo das gotas enormes e das enormes pedras de gelo, como se cada um que atingisse seu corpo fosse um grande obstáculo. Mas chegou. Entrou. Escorregando, miou de alegria, e passou imediatamente a se limpar da água da chuva. Estava a salvo.
Encharcado, com frio, incomodado. Assim estava ele. Porém chorava de alegria. Chorava, porque não estava sozinho. Chorava, porque havia dois gatos, um branco e uma preta, dentro de casa, livres da ameaça molhada de uma chuva de verão.
E ainda antes de tomar um café quente e um banho morno, ele pensou: o que é uma tempestade para um humano? E o que é uma tempestade para um gato?
O que será uma grande dor para mim?