O Exército de um homem só e o comunismo no Brasil.
No romance O exército de um homem só, de Moacyr Scliar, é relevante exaltarmos o papel do personagem Mayer Guinzburg, cujo objetivo era a construção de uma sociedade mais justa e humanitária, assim como o movimento comunista que lutou ao longo de toda sua existência em terras brasileiras. Mayer era um judeu com ideais marxistas que chega ainda menino da Rússia e sonhava fundar uma nova Birobdjan (nome de uma colônia coletiva de judeus na Rússia), uma utopia socialista. Na passagem a seguir, notamos o diálogo travado entre Mayer e seu pai a respeito do que seria a maior riqueza da humanidade:
“(...) A maior riqueza é o estudo, a religião. Disse o Pai.
- Não! - Gritava Mayer. – A maior riqueza é a posse dos meios de produção, está ouvindo? Estudo, religião! É bem como diz Marx: A religião é o ópio dos povos!
- Sabe tudo! Sabe que não deve haver fome, nem injustiça. Não deve haver “meu” nem “teu”; (deve ser: “O que é meu é teu; e o que é teu. é meu).”
É consistente o fanatismo religioso do pai de Mayer, que quer por fina força transforma-lo em um rabino, como comprovamos em: “(...) A maior riqueza é o estudo, a religião. Disse o Pai.” Desta forma seria visto com muita estima por todos que pertenciam à comunidade judaica do Bom Fim no Rio Grande do Sul. O capitão Birobdjan, portanto, tem a concepção de que a religião, segundo Marx, é o ópio do povo. Na verdade, a religião é utilizada pela alta burguesia com o objetivo de ludibriar os fiéis, declamando que os comunistas comem criancinhas, proclamam ideais profanos e defende tudo que ameace o sistema capitalista.
Na passagem “Sabe tudo! Sabe que não deve haver fome, nem injustiça. Não deve haver “meu” nem “teu”; deve ser: “O que é meu é teu; e o que é teu. é meu.” Comprovamos então que o cerne do sistema comunista é a abolição da propriedade privada da burguesia e a divisão eqüitativa dos meios de produção.
Outro aspecto pertinente que corrobora com esse ideário comunista é no tocante à divisão da sociedade em classes antagônicas: a luta de classes. Segundo o manifesto comunista de Marx em Angels, a proposição inicial célebre é: “A história de toda sociedade até hoje é a história de lutas de classe”. Termina com uma proclamação fatal e catastrófica: “A burguesia produz, acima de tudo seus próprios coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis”. Uma imagem bem idônea da superação da classe proletária nos meios de produção é relatada nessa obra de uma forma bem alegórica pelo personagem protagonista que decide fundar o jornal A Voz de Nova Birobidjan, havendo, portanto a seção de xadrez e a representação simbólica de suas peças na humanidade. Como é o caso do rei, da rainha e do bispo, representando a burguesia, classe detentora do poder, enquanto os peões era o símbolo do alto proletariado, classe trabalhadora. Logo em seguida, Mayer sonha no poder que os peões exercerão, não avançando de casas em casas, mas avançando em passos gigantes, derrubando reis, rainhas bispos, seus cavalos e suas torres. Podemos comprovar verossímil o poderio dos peões (proletariado) no seguinte trecho:
“O tabuleiro será a república dos peões. Não haverá mais casas brancas e pretas; as casas serão de uma cor só e propriedade comum – se dois peões quiserem estar na mesma casa, poderão; cinco, poderão; seis, sete, vinte, poderão. Haverá lugar para todos. Na república dos peões haverá casas, fábricas, plantações e o palácio da cultura – construído na antiga casa do rei.”
O personagem protagonista, Mayer Guinzenburg, era amante da revolucionária Rosa de Luxemburgo, criadora da Liga Spartacus com Karl Libknecht. (tinha como principal premissa “a realização da sociedade socialista, trazendo uma transformação do Estado e uma completa mudança nos fundamentos econômicos e sociais. Essa transformação e essa mudança não podem ser decretadas por nenhuma autoridade, comissão ou Parlamento: só a própria massa popular pode empreendê-las e realiza-las”) Foram presos pelas atitudes revolucionárias em janeiro de 1919 e levados à prisão Moabita, de Berlim, onde os guardas os mataram a pretexto de impedirem-lhes a fuga, não passando de uma grande falácia relatada pelos governantes alemães. Cultivando aspectos pessoais e os interesses revolucionários de Rosa Luxemburgo, Mayer decide criar uma comunidade coletiva de cunho comunista junto com os amigos, que podemos ressaltar na seguinte passagem:
“...Mayer Guinzenburg chorava lendo as ‘Cartas da Prisão’. Rosa de Luxemburgo; Mayer Guinzenburg tinha uma fotografia dela; um rosto puro e iluminado, parecido ao de Leia, Rosa de Luxemburgo.
José Godman achava que tinha de formar logo a colônia coletiva. Mayer Guinzenburg hesitava; pensava em constituir um primeiro grupo semelhante à Liga dos Espartaquistas. Para isto trouxe dois amigos: Berta Kornfeld e Marc Friedmann.”
Fazendo uma mergulha no comunismo brasileiro, o principal idealizador e introdutor que serviu como diapasão desse movimento foi Luís Carlos Prestes. Criador da Coluna Prestes, movimento originado da revolta de jovens oficiais contra os últimos presidentes da República Velha, marcada essencialmente pelo favorecimento das oligarquias regionais, chegou à Bahia em 1926, após passar pelas regiões sul e centro-oeste do país.
Assim como o capitão Birobdjan cita em seu jornal a alegoria nas peças de xadrez, mostrando a divisão justa nos meios de produção, Prestes acabou aderindo às idéias comunistas. O forte contato com líderes comunistas argentinos e uruguaios facilitou essa conversão. Repudiando a ditadura de Vargas, Prestes em seguida divulga o manifesto de maio de 1930. Neste manifesto constava:
“*repúdio ao programa da Aliança Liberal e condenação dos dois grupos em luta eleitoral;
*denúncia da submissão do país aos interesses do imperialismo inglês e norte - americano, então em luta pelo domínio da América Latina;
*proposta da revolução “agrária e antiimperialista” a ser realizada pela massa dos trabalhadores;
*reforma agrária, nacionalização das empresas estrangeiras, anulação da dívida externa e estabelecimento de um governo popular e democrático.”
O Stalingrado, movimento de resistência comunista na Rússia que imitavam as épocas napoleônicas e aplicavam táticas da terra arrasada contra os invasores nazistas, é mencionado no romance. Esse incidente tem uma ligação intrínseca à trama, pois o capitão Birobdjan fica entrincheirado a espera dos inimigos, (um quarteto de caipiras que viviam atormentado-lhe pelo seu jeito louco de falar com animais e plantas) da mesma forma que os soldados soviéticos:
“O ataque veio pouco depois de meia – noite. Chovera, mas o vento dispersara as nuvens e agora havia luar. O inimigo saiu do taquaral; sua arrogância era evidente: abusavam os risos, as chacotas, os impropérios.
Escondido no mato, o capitão aguardava, confiante em sua milícia popular.”
Os inimigos foram “abatidos” um a um. O primeiro caiu em um fosso que estava coberto por armação de galhos e folhas, o outro foi surpreendido por uma armadilha, acionado por um dispositivo de bambus que soltava flechas, quase despedaçou a orelha do segundo caipira*, enquanto os outros dois saíram correndo, levando golpes de chifradas da companheira cabra.
Em contrapartida, os quatro inimigos do capitão decidem se vingar, incendiando toda a plantação de milho e feijão, e as vidas do companheiro porco e do companheiro bode são ceifadas, fazendo com que Mayer desistisse da implantação de uma nova sociedade, justa e mais humana para todos.
Mayer decide retornar para a cidade grande, abandonando toda a ideologia comunista. Decide criar uma grande firma de construção chamada Maykir, fomentando todo interesse capitalista, pois acumular bens no mercado imobiliário era o único meio de ascensão social, em detrimento da grande massa proletária. Junta-se com o seu amigo Leib Kirschblum, dando início a esse novo empreendimento.
A transitoriedade de uma mentalidade marxista ortodoxa de Mayer Guinzburg para a capitalista é tão inexorável, quanto à queda do “comunismo no Brasil” e do socialismo presente na antiga União Soviética após a Guerra Fria, transformando-se em um país, cujo sistema é o capitalista.
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* “Muitos anos depois os vietcongns usaram um artefato semelhante contra as tropas norte – americanas. Vietcongs.”