O MUNDO ATRAVÉS DE EM UM CLICK

Parece correto dizermos que o ser humano tem uma característica própria de compreender os processos pelos quais as informações demarcam a trajetória do mundo. De uma forma não menos constante, se relacionar com outros seres com os quais aprende a se adaptar muitas vezes seguindo uma forma deveras organizada de completude e mudança. A partir disso podemos dizer que o ser humano é o resultado não somente de seus desejos próprios, mas também da relação que se processa entre o ser e o meio.

Acrescentemos a isso o estranhamento que sente diante das coisas, a resistência à mudança e a aceitação do novo. Esse talvez seja o ponto principal em que os seres humanos sentem maiores dificuldades. Aceitar o novo que por sua vez é freqüente e inevitável.

Podemos pensar, portanto que já que se relacionar com outros seres é algo que apresente suas dificuldades, o que pensar então da relação entre eles e as tecnologias? Das novidades constantes trazidas por ela? Do processo o qual o ser humano está envolvido não podemos – de forma alguma – abandonar essa problematização.

Vivemos em um tempo da história em que a palavra da vez é “ser digital”. Queremos incessantemente obter o máximo que pudermos através de um click. Sobretudo depois do advento da internet são os bits e o poder sobre eles que ditam o movimento das massas a cada passo seguinte. Entretanto ser digital não parece ser tão fácil.

"Computadores não tem de ser tão complicados e “ser digital” não precisa ser tão difícil. A evolução da informática vem correndo num ritmo tão acelerado que apenas recentemente passamos a dispor de um poder de processamento a um preço baixo o bastante para podermos gasta-lo livremente no aperfeiçoamento da facilidade de interação entre você e seu computador. Dedicar tempo e dinheiro à interface com usuário era considerado um frívolo desperdício, pois, sendo os ciclos do computador tão preciosos, eles tinham de ser empregados no problema, e não na pessoa." (Negroponte, 2001).

Em seu livro “A Vida Digital”, Nicholas Negroponte faz algumas considerações técnicas em torno da evolução da informática e do modo de adaptação que ela exige. Nessa citação acima, fica ostensivo que “ser digital” envolve características específicas e nada irrelevantes. Nesse sentido “ser digital” não é uma decisão subjetiva, mas um posicionamento que não se justifica pela imobilidade do isolamento.

Entretanto vale salientar que quando se diz “o mundo através de um click” não se quer abarcar genericamente toda uma realidade. Nesse sentido não há totalização porque em nossa contemporaneidade ser digital ainda é, indubitavelmente, privilégio para poucos. Cabe perguntarmo-nos – talvez já respondendo pela afirmativa – que se há ainda um não ser digital?!

Em seu site a “BS propaganda” postou o seguinte enunciado?

"Você tem celular? Você possui uma TV? Você tem telefone? Que bom...! Acredite: não está na web é como responder negativamente a uma dessas perguntas.

Sua empresa vende algum produto? Ou presta algum serviço? Então invista em e-commerce e lucre muito mais.”

Se atentarmos para esse enunciado observaremos que ele divide-se em duas partes: a do primeiro parágrafo que procura persuadir o leitor para a necessidade de estar integrado, pois, segundo o enunciado, quem não está não possui nenhum desses serviços. Portanto, é preciso – antes de mais nada – possuir os serviços que mantém as pessoas incluídas no mundo digital. Na segunda parte do enunciado os autores procuram atingir um grupo específico de pessoas que são os empresários de diversos setores. Passam a idéia de que a empresa que almeje lucrar “muito mais” sobre os serviços que desenvolvem têm que investir no comércio digital.

Dessa forma, os dois parágrafos complementam-se uma vez que partem da idéia de necessidade de inclusão virtual para pessoas e empresas. Através dos dois busca-se atingir um grupo específicos de pessoas que são os empresários que possuem empresas que de alguma forma prestam serviçoes ao publico de uma forma geral.

Até aí tudo bem. O problema é que mais adiante a mesma empresa afirma o seguinte:

"Particularmente, procurar uma pessoa no Google e não encontra pelo menos uma vez, alguma citação do seu nome , já é reflexo de uma inatividade social".

É evidente que esse tipo de enunciado causa impacto na pessoa que está lendo. Uma série de questionamentos parecem surgir fazendo – por sua vez – com que ela reflita sobre as informações expostas ou sugeridas pelo enunciado. Para a “BS propaganda” o fato de não se estar incluído no mundo digital pode ser encarado como uma inatividade social.

De acordo com Adelson Citelli (1994):

"Pode-se produzir um anúncio aparentemente rompedor de certas normas preestabelecidas, causando um forte impacto no receptor através de mecanismos de “estranhamento”, situações “incômodas”, que levem, muitas vezes, à indagação ou à pura indagação. Particularmente em um momento em que se opera uma certa redemocratização da sociedade brasileira é possível a publicidade mexer com tabus como o do homossexualismo, do complexo de Édipo, temas esses que provocam incômodo em boa parte dos receptores. Talvez por isso mesmo consigam se firmar persuasivamente". (pg. 42-43)

O que Citelli parece não abrir mão é fato de que os enunciados que causam impacto, quer dizer, os que por serem polêmicos mexem com as pessoas fazendo-as refletir, discordar, enfim, sentirem-se tocadas pelo que estão lendo através de algum texto ou vendo através de imagens. Segundo ele, são estes os enunciados que se firmam persuasivamente. Assim, Citelli não está preocupado com a veracidade do enunciado, mas com as indagações, os incômodos e o estranhamento que causam nas pessoas.

Portanto, se analisássemos esse último enunciado da Bs propaganda nessa perspectiva diríamos que de fato atingiu seu objetivo, mas o enunciado não se esgota aqui. Isso pelo fato de que é bem possível que um enunciado seja polêmico sem procurar desqualificar o ser humano. Dessa forma, compreende-se que esse discurso proferido pela já citada empresa publicitária acaba por inferiorizar as pessoas que de alguma forma não estejam incluídas na esfera virtual. Ora, segundo eles aparecer o nome de alguma pessoa no Google significa que essa pessoa possui alguma atividade social, as que não aparecem têm essa atividade negada, quer dizer, não estão incluídas, pois são inativas socialmente.

Entre um click e outro há, portanto, um abismo não preenchido pela dita “inclusão digital”. Nesse ponto parece haver duas dificuldades não tão fáceis de serem resolvidas. A primeira é de ordem capital e não afeta tão poucas pessoas como muitas propagandas comerciais querem impor. A segunda diz não da falta de tecnologias, mas da perspectiva adequada.

Muitas pessoas têm a mania da valorizar os investimentos em novas tecnologias esquecendo também da importância de investir nas próprias pessoas. Há um desenvolvimento assustador da informática (só para citar um exemplo em particular). Já se pensa até em colocar chipes em cérebros humanos com a justificativa de melhorar a saúde das pessoas em um futuro próximo. É a partir disso que podemos perguntar: qual é o verdadeiro foco, o ser ou a máquina? Há nisso a intenção de melhorar a vida ou apenas um desafio motivando cientistas e políticos? A máquina está servindo ao homem ou o homem servindo a máquina?

O fato é que inevitavelmente estamos envolvidos nesse processo. O desenvolvimento das tecnologias é mercado, sobretudo por transformações claras e evidentes. Não podemos, pois, dar um passo atrás nem outro maior que a perna pode alcançar.

Referência bibliográfica:

NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital. 2º edição: Companhia das Letras. São Paulo, 1995.

Leon Cardoso
Enviado por Leon Cardoso em 11/10/2008
Reeditado em 15/04/2010
Código do texto: T1223112
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