O Que Separa os Adultos das Crianças.
A produção cultural e artística de uma comunidade é proporcional à exposição de cultura e arte que seu povo tem. Pessoas acostumadas à conviver, reconhecer e avaliar manifestações artísticas e culturais, se tornam capazes de produzí-las, não que irão fazê-lo, mas certamente se tornam sensíveis aos estímulos artísticos e, ao menos, mais respeitadoras do ato de produzir arte.
Os E.U.A, Canadá e a Europa são os maiores exportadores de cultura e arte do mundo, pois possuem aulas de arte nas grades curriculares de suas escolas, desde as séries elementares. Seus cidadãos são expostos à arte desde muito cedo. Alguém diria: “Ah! Mas no Brasil também temos aulas de arte!”. Sim, mas não faz dez anos que retomamos as aulas de arte nas escolas nacionais e, comparando com os mais de cem anos que elas existem nos países já citados, estamos muito distantes de qualquer resultado interessante.
Não é uma simples questão de apenas ter as aulas, mas de como os sujeitos as encaram e conseqüentemente encaram a arte e a cultura em sua vida. Muitos pais, pela falta de acesso à arte enquanto jovens, acham que ela é uma grande brincadeira, nada sério, e não incentiva o filho em casa, não se importa se ele vai mal ou falta nas aulas de arte - quando as tem. E se o pimpolho demonstrar uma grande aptidão para o ramo artístico, já tratam logo de desanimá-lo dizendo que “isso não dá futuro pra ninguém” e ladainhas afins, já que o que importa mesmo pra vida é a matemática e o português. Se bem que, ultimamente, nem pra estas coisas “importantes” estão dando atenção.
Enquanto brincamos de fazer arte, nos países desenvolvidos, além da exposição artística nas escolas, existe um enorme circuito de espetáculos de música de todos os gêneros, teatro, museus e outras atividades, muitas delas gratuitas ou a preços acessíveis à população em geral. É claro que existem os eventos caros, da mesma forma que existem roupas ou alimentos dos mais variados preços. Você pode não acreditar, mas arte também é um mercado de produtos e serviços.
Então, o que falta é entender que a produção artística é um trabalho como qualquer outro. Da mesma forma que um eletricista, um médico, um advogado, um comerciante, um produtor de queijos e outros tantos profissionais em diversas áreas gastam tempo e dinheiro se preparando para trabalhar, o músico, o pintor, o escritor, o cineasta e outros artistas, também investem em suas qualificações. Aulas, cursos, livros, horas de estudo. Depois de formados, muita prática, horas desenvolvendo um produto, gasto com materiais, e tudo o que qualquer profissão demanda. Mas a grande parte da população ainda trava o seguinte diálogo com um artista:
- Qual a sua profissão?
- Eu sou Pintor.
- Tá, mas fora isso, qual a sua profissão de verdade?
O artista aí de cima poderia ser escritor, músico, escultor, etc., mas estou certo de que todos que trabalham com arte já tiveram uma conversa dessas.
Dizem que o problema da arte é que ela é muito acessível, pode ser um simples hobby ou uma profissão. Qualquer um pode tocar um violão, fazer uma gravura ou escrever um poema, mas só um dentista pode tratar um canal. Ora, da mesma forma que um dentista pode estudar música por hobby, um músico pode estudar odontologia por hobby. A grande diferença está na capacidade de executar. Qualquer um pode se formar em qualquer profissão, mas só os que realmente se dedicam e estudam é que vão ser reconhecidos e ter um serviço de excelência. E, pasmem, é assim também na arte.
Portanto, que se inicie, antes tarde, uma nova forma de educar para a arte. Pois sendo a arte um meio de se exprimir cultura, ela a fortalece e a mantém viva. Sem produção artística, os traços culturais nacionais vão se apagando e sendo substituídos pelos “importados”. A cultura estrangeira que serviria como influência, acaba virando modelo único e inquestionável pois o povo não tem mais a capacidade de síntese.
Expor o povo à arte é mais do que uma necessidade. Considerar a arte como um trabalho e respeitar o artista como produtor e prestador de serviços não só ajuda a manter vivos os artistas, mas também mantém vivos e evoluindo os nossos traços culturais. E quanto menos cultura, menos humanos nos tornamos.