Mitodogmática ou Dogmitologia
Dois homens extraordinários. Campbell, norte-americano, falecido em 1987, festejado como o maior mitólogo de todos os tempos. Chesterton, nascido em 1874 e falecido em 1936, intelectual católico, celebrado escritor e notório polemista, que debatia em alto nível com a intelectualidade racionalista de seu tempo cujo expoente era , que tinha como expoente a Bertrand Russel. Ponto em comum entre ambos é o ritual católico, presente na infância do descendente de irlandês Campbell e no cotidiano do inglês Chesterton, convertido do anglicanismo ao catolicismo romano.
Campbell via no mito um registro do fluir da vida, capaz de alavancar as forças do espírito humano rumo a seu destino de amadurecimento: "A função primária da mitologia e dos ritos sempre foi a de fornecer os símbolos que levam o espírito humano a avançar, opondo-se àquelas fantasias humanas constantes que tendem a levá-lo para trás. Com efeito, pode ser que a incidência tão grande de neuroses no nosso meio decorra do declínio, entre nós, desse auxiliar espiritual efetivo. Mantemo-nos ligados às imagens não exorcizadas de nossa infância, razão pela qual não nos inclinamos a fazer as passagens necessárias para a vida adulta." Ao perceber os mitos como energias e matéria da consciência, Campbell os teorizou como produtos criativos da psiquê humana. Os artistas são portanto os que elaboram mitos, e as mitologias são as manifestações criativas da necessidade humana universal de explicar as realidades espirituais.
Chesterton foi um apologista da ortodoxia católica romana. Ele ia direto à fonte do dogma para encontrar esse veio de satisfação da necessidade humana de tocar o mistério das realidades espirituais. Jamais se intimidou em ser tido como retrógrado e defendia sua fé com retórica irretocável. Sua pena legou os rabiscos mais fulgurantes diante os quais não há como ficar indiferente. Suas páginas reluzem e sua produção literária é reconhecida como clássica e incontestavelmente destacável.
Motivou a esses dois intelectuais extraordinários a ousadia de preservar o mistério do descaso modernoso, e assim revelar toda a dignidade do mistério e o seu entranhamento inextricável às manifestações da alma humana em sua infinita busca por sentido e maravilhamento com a vida e a realidade. Seja o mistério apresentado em indumentária de mito ou dogma, permanece envolto em conceitos "mitodogmáticos" ou "dogmitológicos". E a alma humana dele tem sede. E caso não o encare, pode derramar-se em sangue desperdiçado para defender ideologias pretensamente científicas, que logo mostram seus ossos mastigados pela superação de hipóteses falseadas. Ou ainda, é possível que degenere na crueldade dos enfrentamentos, inacreditavelmente fanatizados, das torcidas dos espetáculos futebolísticos que, como na acurada percepção do jornalista Chico Castro, são cuidadosamente omitidos pela mídia.
Enquanto isso, o mistério deslinda seu olhar a penetrar enfastiado todo o movimento universal do tempo entranhado ao espiral do espaço. E no coração do homem pulsa, eternamente.