Saudosismos

Sinto muitas saudades de alguns momentos da infância. Creio que são genéricos: todo mundo deve passar ao menos uma na vida vez pra se sentir vivo e ter histórias pra contar. Infelizmente, os vivi somente nos fins de semana e ainda sim tardiamente, era uma pobre menina de cidade, presa em uma casa, enclausurada em um muro de cuidados demasiados. Não tenho cicatrizes nos joelhos, minha perna é limpa e nunca quebrei um osso sequer, em outras palavras, má infância.

Ainda sim sinto falta das aulas de inglês nas frias manhãs de inverno, roubando amendoins crus da bombonière da recepção. Fazer pic nic na praça em frente ao teatro, depois da aula de teclado. Saudades de poder andar com as unhas sujas sem ser cruelmente criticada. Juntar os amigos pra andar de bicicleta e ficar de “cordão” no pescoço.

Depois de um tempo, as Barbies começam a se interessar por Kens, então é o fim desse bom tempo. Queria tanto a pureza de outrora. Queria até pegar piolhos uma vez ou outra, se preciso... Radical? Não. Parte da infância, principalmente se você é menina. Posso nunca ter subido em árvores nem pulado muros (não na infância), mas tive outros prazeres tão grandes quanto: ser a baixinha do papai e da mamãe, ter alguém pra me proteger, dormir e sonhar sem problemas... E pedir abrigo se houvesse pesadelos.

Às vezes, em pensar sozinha à noite, concordo com o que um dia alguém – não tenho a menor idéia de quem foi – disse-me: “A vida deveria correr ao contrário. Em vez de envelhecer a cada dia, poderíamos ‘aparecer’, ‘surgir’ ou ‘nascer’, como queira, bem velhinhos, e , com a sabedoria destes, iríamos rejuvenescendo com o tempo, até a infância, para enfim morrer em uma grande explosão de prazer!”

Deborah Addams
Enviado por Deborah Addams em 14/09/2008
Código do texto: T1178394