Doce Paternalismo

A meu ver, que sou chefe de família monoparental, está bem claro

que o paternalismo tem suas delícias. É preciso fazer a diferença entre

paternalismo e machismo.

Antecedeu ao paternalismo e ao machismo o matriarcado primitivo. À deusa-mãe era então atribuída a condição de portadora do mistério da vida e da morte. Ela sangrava todo mês e o homem não sabia bem como participava da concepção de outro ser. Assim que era adorada e, como derramava sangue para manter o ciclo da vida, a ela eram imolados outros seres humanos, para suprir o sangue exarado por aquela força que mantinha a continuidade da vida terrena e da ordem cósmica; para que o sol continuasse a nascer e a lua a manter os ciclos de provimento natural - alimentação, frutos, movimentação da fauna ...

Portanto, a mulher pré-histórica encerrava em seu corpo e na sua gravidez o mistério da existência - nascimento, derramamente de sangue, morte ... Acontece que a intimidação fascinante e atávica que a mulher exerce sobre o homem, em função do misticismo expresso em sua fisiologia e da sua peculiar inteligência e sensibilidade, é muito mais antiga do que se costuma imaginar: a mulher dominou o panteão das deidades do Mundo pré-histórico por dezenas de milhares de anos, enquanto os deuses masculinos despontaram há cerca de cinco mil anos, o que indica uma relação com o surgimento do patriarcado judaico que veio a ser consolidado na derivação paternalista judaico-cristã e suas ramificações sincretizadas no Islã. Note-se que o muçulmano, a par de seu privilégio para ter várias mulheres, está limitado a restrições como: obrigação de sustentar a todas em condições de igualdade - assim que o pretendente a manter um harém precisa ser rico; proibição severa da fornicação - tanto que os homens costumam chegar ao primeiro casamento virgens; absoluta vedação do adultério, sujeito a severas penas.

O advento do paternalismo acenou com uma cosmovisão contrastante ao matriarcado primitivo, segundo a qual os sacrifícios humanos podiam ser dispensandos ou substituídos por sacrifícios de animais, já praticados por religiões xamânicas antecedentes. O atavismo dos sacrifícios animais foi mantido, embora abrandado, já que o Deus Pai não sangrava e se mostrou menos exigente que a Deusa Mãe. Tal disposição está bem ilustrada na passagem bíblica em que, solicitado por Deus a sacrificar seu filho Isaac, Abrãao acaba sendo dispensado de fazê-lo. O Deus Pai supreendeu ao revelarl-se misericordioso; Ele providenciou um cordeiro para substituir o filho de Abrãao, que foi poupado e seu pai, saciado de ternura, cuidados e gratuidade.

Assim que discordo desse discurso feminesco atual, um clichê que estigmatiza os homens como cruéis opressores. Ora bolas, deixemos os meninos terem seu quinhão de hegemonia, após terem eles sido, por dezenas de milhares de anos submetidos aos caprichos da deusa-mãe. As saderdotisas dos templos babilônicos não eram assim tão maravilhosas quanto alguns autores, que se arvoram de historiadores e emitem um discurso pueril, eivado de delírios míticos, pintam - essas sacerdotisas protagonizaram rituais eróticos muito distantes das exigências estéticas e éticas da modernidade, a exemplo daquele em que os prostitutos sagrados ou sacerdotes, após consumarem o coito com a sacerdotisa que encarnava a deusa, eram castrados para que não viessem a compurscar a união sexual divina.

O paternalismo é bem judaico. O machismo é mais afeito a sociedades militaristas, como a dos romanos, e também tribais guerreiras, como a dos antigos bárbaros. A fusão desses dois segmentos sociais, que estiveram tanto confrontados como ombreados nos campos de batalha para expansão do Império Romano, impregnou o Cristianismo Romano ao longo de sua trajetória, numa rota de confluência com o paternalismo judaico. Este valoriza a mulher como mãe e guardiã do lar e da família; protege a mulher. Afinal os hebreus eram oprimidos historicamente por grandes impérios, tinham poucas mulheres - muitas eram levadas para os templos e haréns reais como espólio de guerra ou mesmo tomadas como tributo, além do alto índice de morte por

parto - e não tinham muita disponibilidade de genitoras, como até hoje os homens pobres em todas as sociedades do mundo: dos imigrantes latinos nos States aos homens majoritários na população da China, dos muçulmanos pobres a boa parte da população masculina rural da Espanha. Então, o paternalismo surgiu num contexto em que a mulher era muito demandada e portanto tinha que ser bem protegida para garantir a reprodução social de um determinado povo, no caso, o povo hebreu.

Portanto, trata-se de fenômeno histórico bem recente, esse doce paternalismo. Quanto ao machismo e à violência, é provável que tenha existido desde sempre ainda que como coadjuvante do matricardo dos primórdios. Penso que a humanidade se cansou um bocado das exigências da deusa. Afinal, a tal megera não é um símbolo vazio - haja visto as atualíssimas super-mulheres malhadérrimas, que esfregam suas ditas-cujas-cabeludas em exigência aos homens de tirânicos encargos eróticos. Eles têm todos os motivos para ficar apavorados.

O machismo é renitente. Há quem diga que as mulheres suecas, ricas e bem amparadas pelas leis, apanham também. Quem diria que barraco não rola só nas favelas brasileiras?...

Assim que, na sinagoga e nos ambientes cristãos, a condição feminina não é tão cruel como o senso comum divulga. O paternalismo não é exatamente uma dominação seca e literal, mas temperada, também, com "açucar e afeto".