SER ESCRITOR

Xico Miguel, o escritor, nasceu nos anos trinta, no povoado Jenipapeiro, antigo distrito do município de Picos do Piauí. Foi o primeiro funcionário do Banco do Brasil, parido pelas águas do Riachão e também pioneiro em plantar uma semente de Letras nas várzeas do Jenipapeiro, das Bocainas e dos Arrodeadores. Começou a escrever quando as matrizes eram formadas catando-se os tipos no caixotim e mandavam-se opúsculos ao prelo.

Nascido numa região próxima, denominada Rodeador, fui bancário como Xico, e, há muitos anos, também pelejo numa “luta vã” com as letras, porque, “escritor não é profissão oficializada” – diz Xico Miguel. - “Ninguém pode aposentar-se como escritor nem declarar a profissão na ficha do hotel...” De fato, não temos amparo legal para aposentarmos como escritor, nem se ganha muito dinheiro fazendo literatura, ser escritor não é uma profissão reconhecida pelas leis brasileiras, ninguém pode aposentar-se nessa profissão, não há sequer um código específico no Instituto Nacional de Seguridade Social, o INSS, que permita o recolhimento de contribuição à Previdência Pública, para que no futuro, o contribuinte se aposente como escritor.

Nem só de pão vivem os literatos, mas de toda sabedoria que sai de sua boca. O mudo não fala, porque nunca ouviu o som das palavras, nunca ouviu a voz humana. Do mesmo modo, quem não conversar com os livros é tão mudo e cego quanto aquele que não ouve, não fala e nem vê, pode até emitir sons ruidosos, imagens gesticuladas, entretanto, jamais poderá ser considerado eficaz na comunicação. O desprezo àqueles que dão suas vidas pelas artes, vem de tempos mais remotos - a literatura greco-romana tem registros mais antigos dessa realidade: “Litterae nom dan panen” – as letras não dão pão -, e, embora muitos amados como Jorge, os Andrades e outros, tenham conseguido extrair o pão, a duras penas, de um fatia de letras, nada se fez(no Brasil) desde Sêneca, Horácio e Petrônio, para legalizar a profissão de escritor. Sem (pré)conceitos formados, mas até com muita honra e certo espanto, em 2006 tive a satisfação de revisar a monografia da Cientista Social Fernanda Veloso Lima, que, em minucioso estudo, postulava o reconhecimento da atividade de prostituta como profissão. A exemplo disso, não deveriam os estudantes de literatura elaborarem artigos científicos, nonografias, dissertações ou tese de dourado, trazendo à baila o problema da oficialização profissional do escritor? Apelamos também ao Dr. Ozildo Batista de Barros, atual vice-presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a quem nos anos oitenta, tive o prazer de receber em minha casa em Caxias do Maranhão, em companhia de Francisco Miguel de Moura, (Xico Miguel), numa peregrinação pelo Nordeste do Brasil, vendendo livros de autoria deste último.

A que distância está a clandestinidade da legalidade? Podem-se produzir obras literárias e também vendê-las, mas não é uma profissão. Até quando, o escritor permanecerá apenas no estado de dicionário definido por Aurélio: “Autor de composições literárias ou científicas”. E, com todo respeito aos colegas que sobrevivem da arte de escrever: ou os canais competentes tomam as providências necessárias ao reconhecimento da profissão de escritor ou cairemos, nas formas depreciativas: escrevedor de livros e escriba.

O texto “Ser Escritor” foi encaminhado por e-mail a Francisco Miguel de Moura – militante da literatura piauiense - padecente – um dia, quem sabe - triunfante...

O ponteiro grande do relógio, não havia ainda girando os 360º de sua caminhada em volta do tempo e a resposta chego-nos pela mesma via:

Caro Adalberto,

No seu e-mail (eu escrevo agora emeile, aportuguesando) você relata fatos a respeito de minha vida que a memória já havia passado uma esponja por cima. Foi ótimo. Como presidente da União Brasileira de Escritores - UBE- PI e depois lutei muito por isto, mas parece que em vão. Vamos ficar toda a vida como putas das letras. Não é bom porque não podemos ter salário, inss, aposentadoria, renda que não seja praticamente clandestina - como se fosse esmola. Mas é bom porque mantemos a nossa independência intelectual e a nossa consciência de atalaias da cultura, da

inteligência, do sentimento e da dor do mundo que é grande - toda alma tem as suas dores, diferentes e por ela é que nos diferençamos dos nossos irmãos e ao mesmo tempo nos humanizamos. Bom dia, meu caro irmão, escritor de Santo Antônio de Lisboa, Rodeador - e receba o abraço deste jenipapeirense que não tem vergonha de ser escritor, vender seus livros a quem quiser comprá-los como qualquer camelô.

Saudações fraternas do

XICO MIGUEL DE MOURA

Um pouco mais tarde, ainda no mesmo dia, Xico retoma o assunto:

Caro Adalberto,

Muito me envaidece, nesta quadra da vida em que nos parece que já fizemos tudo, seus elogios mediante leitura de meus artigos. Sua mensagem me dá conta de fatos que já não me recordava mais. Copiei-o e vou guardá-lo em minhas correspondências, que são muitas. É um fato que por não sermos reconhecidos nem no Ministério do Trabalho, nem no da Previdência Social, por não termos direito a salário ou outra vantagem paga a quem tanto trabalha pela humanização do homem como os escritores, salvo uns míseros direitos autorais que as editoras não pagam por isto e por mais estão desacreditadas no Brasil, é um fato que nos podemos considerar as "putas" da inteligência e da cultura. Quando o escritor morre, às vezes seu nome é lembrado para o nome de uma rua ou de um beco sujo, que os políticos pensam que construíram, mas quem construiu foi o povo. Mas eu gostaria de referir a meu último livro até agora, minha "Fortuna Crítica", lançado sábado passado na Academia Piauiense de Letras, com sucesso - vendi 40 exemplares. Para um dívida de 15 mil reais que contraí para poder editá-lo, me falta muito. Mas não falta coragem de sair por aí examinando quem quer, uma boa alma, uma universidade ou colégio, e às vezes, as mais das vezes, um amigo - mesmo assim ainda está longe.Está longe o dia em que um Estado como o nosso queira ajudar às publicações como a minha, que é uma antologia de poemas e ao mesmo tempo de crítica, com um depoimento meu e uma entrevista minha, à parte a mini-biografia que um colega levantou de mim, colocando também coisas a meu respeito que eu não sabia. Se você está entre meus amigos que queiram ajudar-me, o mesmo lhe posso fazer depois, ficarei bastante agradecido. Abraços por tudo o que veio e o que há de vir, com minhas saudações fraternas ao colega escritor de Rodeador.

XICO MIGUEL DE MOURA