Morte, rotundo guerrilheiro

Rotundo guerrilheiro diz:

Hei, mãe!

Hoje eu te direi quem sou,

sou a almofada onde padece seu único filho.

Sou andarilho da noite,

névoa do vespertino crepúsculo.

Eu sou o músculo que move o açoite.

Sou música de se ouvir parado... Calado.

Sombra gelada que caminha contigo.

Sou seu inimigo mais temido,

sou gemido, sou penar.

Sou o peso no seu ombro,

sou chiclete em seu cabelo,

saleiro intacto de escombro.

Sou a dor da despedida,

cortesia falida, carruagem vazia...

Gruta virgem de travessia,

sou juízo de euforia

assim que chego sem aviso.

Sou cálice demente,

torpor do indigente

e a indiferença do mundo.

Sou rotundo guerrilheiro,

e se achar melhor assim

serei Dama-da-noite em seu jardim.

Sou sapato apertado,

relógio desconcertado.

Sou roupa cheirando a guardado.

Sou viciado em melodias,

sou tristeza que vem em dia

que a família esquecerá.

Dá cá o seu pequeno,

mas se lembre que do veneno

só tomará quem ficar.

Dê-o para mim, abra seu colo,

não é tão difícil assim

desgarrar-se do seu egoísmo tolo.

Olhe para ele, veja sua cara de dor.

Seja o destino que for,

será melhor que o estupor

de seu colo a lhe velar.

Dê-me seu rebento,

na tertúlia dos ungüentos

não mais se apavorará.

Meu colo é quanto o seu, tão suave

não é sofrimento de Prometeu

é sublime pluma de ave.

Dê-lhe um beijo como fez várias vezes,

mas com a certeza

que será o último lábio estalido no quente.

Vê,

ele agora derramou seu semblante de dor,

e seja como for,

eu apenas cumpri o meu dever.