RASTROS DE UMA TRADUÇÂO: Livre d"Heures/Luce Péclard


Livre d'heures
Luce Péclard

L'automne est revenu. De vêpres à complies
Déjà brille une lampe au carreau noir de jais.
Protectrice, la nuit m'enclave sous son dais,
Recluse émerveillée aux oeuvres accomplies.

A tierce, sexte et none, écoutant l'homélie
Dictée à mon coeur fol enfin sacré profès,
J'ai fait voeu de louange et de divin succès
Dans un élan d'amour qui me réconcilie.

Les Heures, désormais perles de chapelet,
S'égrènent dans mes mains jusqu'au prime reflet
De l'aube qui les mue en vertes émeraudes.

La parure étincelle aux feux du petit-jour
Et le psaume qui sourd, de matines à laudes,
Coule de source en fleuve et sans aucun détour.
Livre d'heures, Editions du Madrier, 2001


Nada é traduzível. O que todo tradutor faz, é escrever um novo texto, procurando ser o mais fiel possível ao sentido do texto original. A tradução é um plágio permitido, um trabalho com a intertextualidade.

Primeira Leitura:
a mais textual possível, para entendimento, na tentativa de expressar o significado de acordo com a gramática do português.

O outono retornou e desde as vésperas (ainda cedo, desde as orações do entardecer) até as completas (as orações da noite, as que completam o ciclo, quando realmente já é noite) já se vê brilhar uma lâmpada através da janela escura (negra como jais, mineral semelhante ao ébano). A noite protetora me acolhe em sob seu manto, refúgio encantador, quando as obrigações já foram cumpridas.

Na terça (nove da manhã), na sexta (meio-dia) e na nona hora (três da tarde), ouvir a homilia, sugere ao meu louco coração que professe o sagrado.Fiz voto de louvor e de submeter-me ao divino, num impulso amoroso que me traz reconciliação.

As Horas ainda por vir, como se fossem pérolas de um rosário, encaixam-se em minhas mãos, desde o primeiro reflexo da aurora, que as transforma em verdes esmeraldas.

A vestimenta cintilante, afogueada, do amanhecer, e o Salmo, marcado, das matinas às laudas, escoa da fonte ao riacho, sem jamais retornar.


Segunda leitura: Busca por sentir o ritmo do poema e o que ele expressa,através da melodia das palavras, sem preocupação com exatidão, nem com as rimas, mas uma leitura mais ao estilo do que chamamos de prosa poética.


É outono... Desde as vésperas até as completas
Já cintila uma luz nas janelas de ébano.
A noite protetora me abraça em seu manto,
Maravilhoso abrigo das obras concluídas.

A terça, sexta e nona a ouvir, a homilia
Dita ao meu coração louco votos sagrados,
Fiz voto de louvor de aceitação divina
Num impulso amoroso que me reconcilia.

As Horas adiante, contas de rosário,
São grãos em minhas mãos ao primeiro raio
Da aurora que as transforma em verdes esmeraldas.

A veste faiscante qual chama da manhã
E o salmo que ressoa, as matinas e as laudas
Escoam da fonte ao rio e sem jamais voltar.

Terceira leitura: Esforço por transmitir a mesma mensagem, em poesia, com pesquisa de rimas e tentando captar a essência do original, embora isso não seja inteiramente possível.

Livre d’heures
Sonnet Maître

L'automne est revenu. De vêpres à complies          a  completas
Déjà brille une lampe au carreau noir de jais.         b  ébano
Protectrice, la nuit m'enclave sous son dais,           b  olíbano
Recluse émerveillée aux oeuvres accomplies.       repletas

A tierce, sexte et none, écoutant l'homélie               a  homilia
Dictée à mon coeur fol enfin sacré profès,                 c  professo
J'ai fait voeu de louange et de divin succès               sucesso
Dans un élan d'amour qui me réconcilie.                    a  reconcilia

Les Heures, désormais perles de chapelet,                 rosário
S'égrènent dans mes mains jusqu'au prime reflet     primário
De l'aube qui les mue en vertes émeraudes.                esmeraldas

La parure étincelle aux feux du petit-jour                  madrugada
Et le psaume qui sourd, de matines à laudes,             laudas
Coule de source en fleuve et sans aucun détour.     revirada

Livre d'heures, Editions du Madrier, 2001


É outono... Desde as vésperas até as completas
Já cintila uma luz nas janelas de ébano.
A noite protetora me abraça em seu manto,
Maravilhoso abrigo de obras concluídas.

A terça, sexta e nona a ouvir, a homilia
Dita ao meu coração louco votos sagrados,
Fiz voto de louvor de aceitação divina
Num impulso amoroso que me reconcilia.

As Horas adiante, contas de rosário,
São grãos em minhas mãos ao primeiro raio
Da aurora que as transforma em verdes esmeraldas.

A veste faiscante qual chama da manhã
E o salmo que ressoa das matinas às laudas
Escoam da fonte ao rio e sem jamais voltar.

Quarta leitura: analisando ritmo, métrica, rimas e sentido escolhendo e descartando algumas opções consideradas.

O outono já voltou. De Vésper, às completas,
cintila já uma luz no vasto escuro, ao passo
que a noite, protetora, acolhe num abraço,
abrigo encantador das obras insurretas.

À terça, à sexta, à nona, a ouvir homilia,
ao louco coração, dita os sagrados hinos.
Fiz votos de louvor e aceitação divinos,
meu elevado amor, que a mim reconcilia.

Horas em sucessão quais contas peroladas,
passam por minhas mãos, desde o primeiro raio
da aurora que as transforma em verdes esmeraldas.

A veste faiscante, a chama, o alvorar
e o Salmo que ressoa, as matinas e as laudas
correm da fonte ao rio, sem jamais voltar.

Para a última leitura, busquei o acerto da métrica e das rimas,
o equilíbrio do conjunto, a maior aproximação possível da mensagem original. Contei com os seguintes comentários de Ronaldo Rhusso:

1) Creio que “frágil” (débil) traduz melhor o sentido de “fol”.

2) Sem a preposição, o sentido fica prejudicado

“...e o salmo que ressoa, as matinas e as laudas...”

"... O Salmo que ressoa das Matinas às laudas...".

3) O último terceto fala dos Salmos que entremeiam as "Matinas e as Laudas" descendo da fonte (Deus), passando pelo rio (o penitente).

“...sem jamais voltar...” não corresponde ao sentido.

“...sem jamais desviar...” é o sentido que melhor se ajusta.

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Livro das Horas

O outono já voltou. De Vésper, às completas,
cintila já uma luz no vasto escuro, ao passo
que a noite, protetora, acolhe num abraço,
abrigo encantador das obras insurretas.

À terça, à sexta, à nona, ouvir a homilia,
ao frágil coração, dita os sagrados hinos.
Fiz votos de louvor e aceitação divinos,
meu elevado amor, que a mim reconcilia.

Horas em sucessão quais contas peroladas,
passam por minhas mãos, desde o primeiro raio
da aurora que as transforma em verdes esmeraldas.

A veste faiscante, a chama, o alvorar
e o Salmo que ressoa, das matinas às laudas
correm da fonte ao rio, sem nunca desviar.

Luce Bühler - Péclard
e-mail: dieter-o-buhler@bluewin.ch
Livre d'heures, Editions du Madrier, 2001

Tradução de Nilza Aparecida Hoehne Rigo