Um texto encadeado em história e literatura infantil

Um texto encadeado em História e Literatura Infantil

Este ensaio visa a sintetização das teorias estudada em Literatura Infantil brasileira e também o fim utilitário de levantar as idéias relevantes nos recortes analisados. Não se possui a pretensão de criar novas teorias, mas sim, a partir daquelas estudadas, apropriar-se das idéias principais para a concepção de um texto encadeado, conforme as aulas de Literatura Infantil Brasileira. Objetiva-se, ao mesmo tempo, o estabelecimento de algum nexo entre as teorias estudadas para nosso posterior entendimento e continuidade do nosso andamento acadêmico na universidade. Tem-se a clareza que essa síntese, mais que um trabalho de avaliação, é uma maneira eficaz de reafirmar as leituras e as discussões propiciadas pelas aulas de Literatura Infantil Brasileira.

O ensaio Discurso da história de Roland Barthes parece estruturalista, pois se divide em três partes: a enunciação (como se a dá o fato), o enunciado (o que anuncia) e a significação (o que contém). Na primeira parte, aparecem descrições do inicio do discurso e o surgimento no século XIX, ao qual era objeto de estudo da Retórica, na atualidade constitui-se em pesquisas na área da Lingüística O discurso histórico comporta dois dispositivos regulares, o primeiro é da escuta (testemunhal), também o ato do informador e a palavra do enunciante. Esses tipos de escuta designariam as fontes de testemunhos do historiador, em que o mesmo poderia explicitar a escuta da pesquisa ou não.

As estruturas do enunciado podem sugerir que o discurso histórico oscila entre dois pólos lírico ou narrativo, quando predomina o lírico, as formas de contar tornam-se metafóricas. Nessa maneira de narrar há a ascendência de significados implícitos, quase simbólicos. No entanto, quando o tom narrativo torna-se dominante, o texto é mais funcional e as predominâncias históricas tomam a forma metonímica, aparenta-se à epopéia. Segundo o autor, pode-se citar uma terceira forma de narrar, ao qual se relata as escolhas vividas pelos protagonistas do processo referido, nela predominam os raciocínios, então seria uma historia reflexiva ou estratégica.

As estruturas da significação levam a um sentido, após a leitura de qualquer texto, pois todo discurso histórico funciona com valor de significação, possuem marcas. Para que um texto não tenha significação, deve se limitar a uma pura e inestruturada lista de anotações. Há dois níveis de significações, o primeiro está centrado nas descrições (trajes, aparência física de lugares, pessoas). O outro plano de significação está conectado a temática, em que o significado transcende a todo discurso histórico. Todo discurso histórico sem recorrer ao conteúdo é, essencialmente, elaboração ideológica. Para o autor, todo discurso histórico é ideológico, imprime marcas do que se deseja transmitir. Sendo assim não existe discurso neutro.

O autor Lloyd Kramer debate no ensaio, A nova história cultura, as frágeis fronteiras que existem entre as disciplinas mostrando as idéias literárias de Hayden White e Dominik La Capra. No século XX, há uma perene tensão historiográfica, pois os padrões institucionais dominantes possuem a tendência de mostrar os historiadores definindo suas linhas de pesquisa com fronteiras definidas das outras disciplinas. Ao mesmo tempo, existe uma renovação intelectual (historiadores modernos) que buscam “insignts” teóricos e metodológicos em outras disciplinas. Essa busca de novas formas de abordar o passado levou os historiadores a Antropologia, Economia, Psicologia, Sociologia até mesmo, atualmente, a Critica literária.

O que há de diferente nessa nova abordagem é a influência da Crítica literária que tem ensinado os historiadores a reconhecer o papel ativo da linguagem dos textos das estruturas narrativas na criação e descrição da realidade histórica. A ênfase na dimensão literária propicia uma nova abertura aos que desejam expandir a erudição histórica. Por outro lado, também se constitui numa ameaça aos ortodoxos da história que não desejam a abertura na maneira de pesquisar ou ensinar disciplina referida. Nessa linha de abordagem moderna inserem-se os historiadores Hayden White e Dominik La Capra que pregavam uma historiografia contemporânea nova e desafiavam os historiadores ortodoxos com as mudanças que instituíam nas pesquisas e no ensino da história.

Os autores White e La Capra possuíam como um fim utilitário à expansão da fronteiras da disciplina de História ampliando as definições tradicionais de história e a metodologia histórica. Questionavam as fronteiras que separavam a história da Literatura, da Filosofia, e discutiam as pesquisas e o ensino voltados para uma historiografia tradicional. Na historiografia moderna, os autores começaram a mostrar a historia intelectual que seria uma sub disciplina que enfatizava a filosofia, a literatura e os escritos teóricos de culturas do passado, também acreditavam nas estruturas do pensamento e o significado simbólico como partes integrantes de tudo que se conhece como história. A história intelectual, para os historiadores tradicionais, era considerada abstrata e periférica.

Os historiadores intelectuais tornam-se teóricos e analistas críticos da disciplina histórica como um todo, uma vez que quando analisam as estruturas nos textos de sociedade antigas, notam também que há marcas semelhantes nos escritos do presente. Então enfatizam as tendências conflitantes em texto ou contextos que desafiam todas as tentativas historiográficas de explicar essas realidades em termos de uma coerência absoluta. Segundo os autores White e La Capra, toda narrativa histórica ou objetos de pesquisas apresentam tensões internas que sempre desafiam as estruturas profundas que mostram coerência absoluta.

Para os historiadores modernos não há estudos definitivos, o historiador deve dialogar com o passado e aceitar suas vozes, pois não existem estudos definitivos. Conforme White e La Capra, os propagadores da historiografia precisam se abrir às novas tendências, aceitar os “insight” críticos que transformaram as atitudes das outras disciplinas nesse século. Também necessitam aceitar que não existe fato separado da ficção, pois quando se escreve uma história usa-se narrativa ficcional e a filosofia. Sendo assim, urge uma redefinição das fronteiras e prioridades da historiografia e requer, sobretudo, uma sensibilidade aos “insight” oriundos de formas ficcionais e poéticos de outras disciplinas. Ao mesmo tempo acreditar que não há nada definitivo quando se narra uma história ficcional ou não.

O autor Jorge Lozano no livro El discurso histórico, descreve no capitulo III, que toda história é uma narração. Ao mesmo tempo mostra as relações que a palavra história possui nas diferentes civilizações em que se encontra inserida. Sugere que todo historiador termina sendo uma espécie de poeta, pois a poética é arte da criação e assim como a história passa a ser arte da narração. O autor também se debruça sobre os escritores que usam a história para refletir e escrever poesias, teatro ou mesmo criar uma narração ficcional, por exemplo, Shakespeare, Schüller, Walter Scott.

O autor também discute a relação entre o mito e a história e apresenta uma característica comum entre o mito e a história, porque ambos possuem relatos cujas narrações estão baseadas em uma ação. Por outro lado, é apontado que toda associação que tem muitos mitos constitui-se um uma sociedade com características tradicionais e conservadoras. A perpetuação dos mitos na sociedade pelos seus integrantes, justifica-se na medida, que eles desejam a continuação daquela coletividade como se encontra. Na ultima parte do ensaio, o autor expõe as percepções de Roland Barthes sobre o discurso histórico já sintetizado na primeira parte desse trabalho.

O livro Literatura infantil na escola de Regina Zilberman possui uma perspectiva sociológica e discute a transitoriedade do leitor e do gênero. Para a autora, a literatura infantil, como um dos produtos culturais feitos para a criança, não possui demarcação, é confundida tanto como livro didático, conto de fadas ou histórias em quadrinhos. Na perspectiva de Regina Zilberman, as histórias em quadrinhos não pertencem ao mundo infantil.

Os primeiros livros infantis foram produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII, antes disso não se produzia para as crianças, pois eram considerados pequenos adultos. As crianças trabalhavam e viviam junto aos adultos e testemunhavam os processos naturais da existência como morte, nascimento e doenças. Contudo, a partir do século XVIII, com a ascensão da burguesia, as famílias tornaram-se nucleares promovendo a necessidade de formação pessoal do tipo profissionalizante, cognitivo, ético e pedagógico. Esse conceito de infância, como se conhece hoje, faz parte do mundo contemporâneo.

A literatura infantil surge da reutilização do material literário originário de duas fontes diferentes e opostas, a adaptação dos clássicos e os contos de fadas de proveniência folclórica. Os contos de fadas e a literatura infantil são freqüentemente confundidos e tornados sinônimos, então o publico infantil é considerado o leitor natural desse tipo de texto. No entanto, os contos folclóricos dos irmãos Grim não eram fabulosos nem restritos a uma certa idade. Eram contados pelos homens e mulheres que não pertenciam às classes burguesas. Todos os contos de fadas possuem o elemento maravilhoso (fadas, bruxas e soluções fantásticas), pois, esse elemento mágico passava a conformação e adequação dos jovens e crianças às pressões familiares existentes, ou seja, os elementos fantásticos passavam, de uma certa maneira, uma ideologia com valores burgueses, éticos e religiosos e assim moldaria os jovens e crianças.

O surgimento da educação obrigatória para as crianças, os contos de fadas foram bem aproveitados como transmissão de valores ideológicos da sociedade burguesa, por exemplo, cuidado o lobo vai te pegar. Todas as preocupações dos adultos com as crianças fizeram com que a literatura infantil ficasse vinculada às escolas e se tornasse uma reprodução dos valores ideológicos do meio em que o adulto vive. Por outro lado, a literatura infantil é transitória, porque depende do publico infantil e necessita se adequar a ele, pois pode a cada momento perdê-lo.

Segundo Regina Zilberman, as estruturas dos livros infantis necessitam possuir um enredo linear com personagens que possibilitem uma identificação e flash-backs ou interrupções da história para introduções de conceitos ou ensinamentos morais. O vocabulário necessita de uma formulação sintática representativa do mundo lingüístico das crianças. Os livros devem optar pela prevalência da expressão oral sobre a escrita formal, uso de gírias, jargões populares são comuns na literatura infantil.Também se adaptar ao meio das crianças, criar livros com ilustrações, gráficos graúdos, jogos, aventuras e C D.

Entretanto, o autor Monteiro Lobato rompe com o círculo de dependência aos padrões literários provindos da Europa. Valorizou os ambientes locais, rurais. Ao inventar o Sitio do picapau amarelo e torná-lo num ambiente permanente para todas suas histórias, e também o uso de personagens infantis (Pedrinho, Narizinho e Emilia) como personagens fixos vivendo as aventuras, possibilitou uma identificação imediata com os leitores infantis. Nesse universo mágico criado pelo autor Monteiro Lobato, há somente dois personagens adultos (Dona Benta, e tia Anastácia), o restante são crianças realistas, Pedrinho e Narizinho e criaturas fantásticas (Emília, Visconde, rinoceronte Quindim o burro falante).

O escritor Monteiro Lobato incorporou o folclore a suas histórias (saci pererê) e também incorporou um ciclo de lendas nas invenções de suas ficções. A mitologia clássica regia muita das criações no Sitio picapau amarelo, por exemplo, o minotauro, os doze trabalhos de Hércules. Ao mesmo tempo personagens da literatura européia como: Peter Pan ou Dom Quixote fazem parte das histórias de Monteiro. Contudo, nas obras infantis de autor havia um certo pedagogismo transmitido, principalmente, através da personagem Visconde, por exemplo, O livro Poço do Visconde.

Por outro lado, Regina Zilberman, não se vincula somente ao Monteiro Lobato, cita uma outra procedência de escritores bem sucedidos que associa o meio urbano a produção literária infantil. Entre eles, Lygia Bojunga Nunes que mostra uma literatura na perspectiva interiorizada da criança; Ana Maria Machado e Ruth Rocha que desvendam as relações entre os meninos e o todo que os circundam; Fernanda Lopes de Almeida, que redimensiona as particularidades do conto de fadas.

O livro Literatura infantil brasileira das autoras Marisa Lajolo e Regina Zilberman possui uma estrutura cronológica ao qual as autoras dividem em ciclos intermediando os acontecimentos históricos com o lançamento de obras infantis no Brasil. O livro é panorâmico, pois expõe os aspectos políticos, culturais e literário em que a produção de literatura infantil encontra-se inserido. É apresentado uma introdução com o peculiar título “Era uma vez um livro”¨ em que é explicado o objetivo trabalho, a importância da literatura infantil e o cotejamento com história do País. Também são relatados os motivos que levaram as autoras a dividir o livro em quatro grandes unidades, pois havia a pretensão de criar uma espécie de itinerário para pesquisa aos interessados da área de literatura infantil.

No livro Um Brasil para crianças das autoras Regina Zilberman e Marisa Lajolo existe uma espécie de continuação do livro citado no parágrafo anterior, pois possui uma delineação histórica dos cem anos de literatura infantil. Todos os capítulos possuem uma estruturação homogênea: são abertas por um texto que esboça as características históricas e as tendências estéticas de cada época. Segue-se a essa abertura um conjunto de textos para o publico infantil e o devido cotejamento com a época em que se encontra fixado. No final cada capítulo contém as biobibliografias de cada autor citado nos ensaio de analise.

Por fim, esse trabalho volta-se para o ensaio Literatura infantil no compasso da sociedade brasileira de Vera Teixeira de Aguiar, constitui-se em uma analise sociológica. É traçada uma linha histórica da literatura infantil e ao mesmo tempo vai mostrando as diferentes etapas do desenvolvimento da literatura infantil conforme as mudanças sociais e históricas. Nessa analise sociológica são discutidos o caráter educativo em detrimento do pedagógico na construção dos livros destinados ao púbico infantil. Para autora, livros que possuem caráter educativo levam as crianças a um crescimento social e afetivo, a partir do momento que propiciam uma visão diferenciada da coletividade em que fazem parte.

Pode-se deduzir, após a conclusão deste trabalho, em que foi feita uma síntese dos os recortes teóricos estudados nas aulas de Literatura Infantil Brasileira que o nosso entendimento dessas teorias se tornaram diferentes e mais aprofundadas e com outras percepções a respeito dos livros infantis. Adquiriu-se conhecimento para entendê-las e fazer diferentes análises dos livros lidos. Sendo assim, afirma-se que esse trabalho nos propiciou um crescimento pessoal e intelectual para nossa formação acadêmica.

Bibliografias

BARTHES, Roland. Le discours de l’ histoire. Poetique, Paris, nº 49, p.13-21, fev.1982 (tradução nossa).

KRAMER, Lloyd S. Literatura,crítica e imaginação histórica: o desafio literário de Hayden White e Dominik LaCapra.In.: A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes,1992.p. 131-173.

LOZANO, Jorge. El discurso histórico. Madrid: Alianza,1987. p.113-171.

LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história & histórias. São Paulo: Ática, 1985.

LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina. Um Brasil para crianças: pra conhecer melhor a literatura infantil brasileira - histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1986.

URBANO, Zilles. (Org). Gratidão do ser: homenagem ao irmão Elvo Clemente. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994. p.75-83.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1981. p.43-81.