O meu eu ideal e o meu eu real.
Angélica T. Almstadter
A maior parte do tempo é como se em toda a minha estrutura houvesse um enorme congestionamento de palavras, sentimentos e emoções, e isso agitasse meu espírito tornando-o cada dia mais inquieto. Daí uma enorme compulsão para escrever toma conta de mim, é como se em lugar algum encontrasse alívio para essa ansiedade que aflige e ferve minh'alma, senão no escorrer sem fim de emoções e sentimentos registrado em palavras.
Não diria que é fácil explicar, nem que é tão fácil compreender, pior ainda é ser tolerado, porque quem não viveu e não conhece essa angústia, ou essa necessidade de rasgar a verve como se fosse numa sangria, também não tem paciência ou tolerância para aceitar essa explosão de constante.
Mas como todo poeta é um ser à parte nos meios em que transita, também tem comportamento diferenciado, isso por si se explica.
Não espere encontrar um poeta do mesmo jeito todos os dias, seu estado pode ser o da graça total num dia e no dia seguinte o mais angustiante dos seres, pode ser alegre e malicioso num dia e no outro mal humorado e apático.
Há dias em que o sangue ferve nas veias, a voz sai entrecortada, não consigo transpor em palavras a imensidão que balança toda a minha frágil estrutura, e dias há de buraco negro; onde tudo parece perdido, nos dias em que acordo sentindo um vazio, até de pensamentos...um vácuo.
Que fazer quando tudo fica congelado...e eu olho, e nada vejo, parece que nada tem vida, nada desperta a atenção? Nesses dias em que a verve repousa na quietude dos gestos e das palavras, a agudeza da razão emerge e corta como navalha todo vínculo, deixando à mostra uma outra de mim, que da mesma forma prefere o silêncio, mas que se ocupa de questões práticas e sai varrendo resíduos, limpando lembranças.
Ainda que esse ser racional possa estar integrado ao meu mundo poético, e que lance olhares de deboche para o meu eu tolo; o que reina a maior parte do tempo, essa é cara de mim mais conhecida na convenção do âmbito diário.
Gosto? As vezes sim, as vezes não, preciso desse eu, que pisa na minha cabeça oca, que esmaga com realidade os sonhos que insisto em guardar como relíquia.
Não há uma separação precisa do meu eu ideal e do meu eu real; há sim uma harmonia irônica que convive entre ambos, fazendo ponte entre um e outro; para que ambos existam e não se sufoquem.
Um depende da existência do outro...é preciso que um se cale para que outro se faça ouvir...é premente que ambos se encontrem à portas fechadas para se encararem de frente e se saibam vivos; cada qual dentro do seu espaço e atuantes sem atenuantes; para que a essência de mim permaneça intacta...